Josias de Souza – do UOL
No dialeto dos economistas, a palavra meltdown é usada para descrever a situação terminal de economias que fogem ao controle e derretem. O termo foi adaptado. Na versão original, serve para designar usinas nucleares que se autodestroem quando seus reatores entram em combustão. Na noite passada, um ministro readaptou a expressão para traduzir o estágio atual do segundo governo de Dilma Rousseff. A presidente chega à marca dos cem dias em meio a um processo de meltdown. Impotente, ela assiste ao derretimento do seu poder.
Na economia, Dilma já havia acomodado o futuro de sua gestão nas mãos de tesoura de Joaquim Levy, que se dedica na Fazenda a desfazer a ilusão de estabilidade vendida pelo petismo na campanha presidencial do ano passado. Na política, a semana terminou com Dilma jogando tudo para o alto e se entregando a Michel Temer. A articulação com o Congresso migrou da Casa Civil de Aloisio Mercadante para o gabinete do vice-presidente da República. A plateia ficou com a impressão de que caberá ao PMDB decidir se Dilma vai derreter ou não.
Ao empossar-se no segundo mandato, em janeiro, a presidente reeleita ainda alimentava a ilusão de que presidiria. Na economia, demorou a expressar em público o apoio às medidas amargas do ajuste fiscal de Joaquim Levy. Na política, cercou-se de conselheiros petistas, desprezou Temer e adotou um plano para minar o poderio dos peemedebistas. Terminou sitiada pelo PMDB, que acomodou Renan Calheiros e Eduardo Cunha nas presidências do Senado e da Câmara. Encrencada na Operação Lava Jato, essa dupla se dedica a emboscar o governo e a empinar projetos com algum apelo popular.
Cavalgando a insatisfação dos partidos governistas com a autossuficiência de Dilma, Renan e Cunha tornaram, por assim dizer, irrelevantes os partidos de oposição. Que se desdobram para retomar o protagonismo. Nesta quinta-feira, os líderes oposicionistas na Câmara recorreram à ironia para demarcar a ultrapassagem da data mágica dos cem dias. Os deputados Mendonça Filho (DEM), Carlos Sampaio (PSDB) e Rubens Bueno (PPS) divertiram-se ao redor de um bolo preto com inscrições cáusticas em vermelho: “Sem Dias de Dilma 2”.
Responsável pela encomenda do bolo, Mendonça Filho elevara o tom desde a véspera. “A presidente abriu mão de governar”, dissera o líder do DEM, no calor do anúncio de que Dilma terceirizara a articulação política do Planalto a Temer. “É preciso que alguém avise que, constitucionalmente, ela ainda está na chefia do governo. Dilma terceirizou tudo, a economia e a política.”
O senador Aécio Neves, presidente do PSDB, adotou o mesmo tom: “A presidente fez uma renúncia branca. Ela não renunciou ao cargo, mas renunciou ao governo. Esse é o fato concreto. Nós vamos ter que viver a partir de agora essa nova experiência do presidencialismo sem presidente.”
Sob denúncias de corrupção e com a gestão tisnada pelo envelhecimento precoce, Dilma não usufruiu da trégua que costuma ser concedida a todo governante em início de mandato. Foi bombardeada até por Lula que, em privado, desanca sua administração e se queixa de não ser ouvido. As críticas aumentaram na proporção direta da queda da popularidade de Dilma, hoje uma presidente minoritária, aprovada por apenas 13% dos brasileiros, segundo o Datafolha.
Nunca um governo começara assim, tão por baixo. No alto mesmo, apenas os juros, a inflação e a temperatura do asfalto. A exemplo do que sucedera às vésperas dos protestos de 15 de março, Dilma atravessa uma fase de TPM —tensão pré-manifestação. As redes sociais convocam um novo ronco para este domingo (12). Mãos postas, a presidente e seus auxiliares rezam para que menos gente desça ao meio-fio. Sob pena de apressar o meltdown.
Convertida pelas circunstâncias numa presidente sem marca, Dilma atenua suas resistências ideológicas e aprende a engolir sapos. Hoje, está 110% comprometida com o arrocho fiscal de Joaquim Levy, que lhe capturou a aura na economia. Na política, torna-se cada vez mais concessiva. Acaba de autorizar Temer a reabrir o balcão de cargos e verbas, onde costumam se formar os escândalos. Espera-se que a operação renda ao governo a aprovação no Congresso do ajuste fiscal de Levy, ainda neste mês de abril. Essa votação é tida como vital para que o governo tome um pouco de ar.
Dilma agora só dispõe de três anos e 265 dias para esboçar uma reação e evitar o derretimento