O juiz Marlon Reis cria personagem para contar como ocorre a corrupção eleitoral. Parlamentares querem processá-lo e até o presidente da Câmara já divulgou nota defendendo os seus pares
O deputado federal Cândido Peçanha tem o apoio de 14 prefeitos, comanda quatro fundações diretamente ligadas a seu gabinete parlamentar, sendo que três ficam no estado onde ele foi eleito. Outra, a milhares de quilômetros de distância. É com ajuda desses prefeitos e entidades que ele desvia recursos de emendas parlamentares. Ele também é "amigo" de algumas empresas que, em troca de favores futuros, como vantagem em licitações e convênios, financiam suas campanhas eleitorais. É com esse recurso, muitas vezes, que ele compra votos e cabos eleitorais. Se o dinheiro faltar, ele tem de recorrer a agiotas do meio político, onde os juros chegam a 20%. Cândido Peçanha não existe, é uma ficção, mas está despertando a ira do Congresso Nacional.
Ele é um personagem criado pelo juiz eleitoral Marlon Reis em seu livro O nobre deputado, relato chocante (e verdadeiro) de como nasce, cresce e se perpetua um corrupto na política brasileira, recém-lançado, que revela os bastidores de muitas campanhas eleitorais no Brasil. O livro e seu autor, o juiz eleitoral Marlon Reis, um dos articuladores da campanha pela aprovação da Lei da Ficha Limpa, que em 2011 foi indicado pela Associação Brasileira dos Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais (Abramppe) para integrar o Supremo Tribunal Federal (STF), deixaram deputados indignados.
O presidente da Câmara dos Deputados, deputado federal Henrique Alves (PMDB-RN), ameaçou acionar o magistrado no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em nota , ele defendeu o Parlamento, criticou o que ele chamou de generalização. Disse ainda que a liberação de emendas, cuja execução os deputados querem tornar obrigatória por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição, é de responsabilidade do governo federal.
Além da ameaça de denúncia no CNJ, os deputados federais também sugeriram que a Câmara processe o autor do livro. Também foi levantada a possibilidade de um pronunciamento em cadeia nacional para defender a honra do Parlamento ou a criação de comissão geral e convidar o juiz para que ele revele os nomes dos parlamentares que utilizam os esquemas revelados por Cândido Peçanha.
No entanto, até agora, nenhuma dessas sugestões foi colocada em prática. Nem mesmo a representação foi feita, segundo informações da assessoria de comunicação do CNJ. Marlon alega que o que escreveu foi baseado em relatos de assessores parlamentares e de um ex-deputado federal, que este ano vai disputar novamente uma vaga na Câmara, e que apesar de o personagem que narra os fatos ser uma criação, os relatos são verdadeiros. O livro é dividido em duas partes. A primeira mostra de onde vem o dinheiro que financia as campanhas e a segunda relata como "converter dinheiro em votos".
Apoio Na contramão da Câmara, movimentos de combate à corrupção, entidades sindicais e organizações não governamentais engajadas na campanha pela reforma política, divulgaram nota de apoio ao parlamentar. Entre elas estão a Coalização Nacional contra a Corrupção (Amarribo Brasil), que representa a Transparência Internacional no país, e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que engloba 51 entidades da sociedade civil. Na nota, a Amarribo lembra que segundo informações do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, até maio, mais da metade do Congresso Nacional é alvo de ações e inquéritos no STF. De acordo com a Amarribo, o livro retrata a realidade do país, "que prejudica a eleição dos honestos e favorece quem conquista mandatos pelo poder econômico". O MCCE também saiu em defesa do juiz e afirmou que o Brasil convive com práticas eleitorais do século 19 e que o abuso do poder econômico e político se tornou regra, "sendo farta a pesquisa acadêmica que demonstra quem financia as eleições e que resultados isso provoca na definição dos eleitos".
Com informações do Estado de Minas