Por Jener Tinôco O discurso recorrente sobre a regulação das redes sociais no Brasil expõe, de maneira objetiva, um paradoxo: aqueles agentes públicos que a defendem com tanto fervor o fazem, despudoradamente, a pretexto de defender a democracia. E as justificativas que apresentam já são bastante conhecidas, manjadas, até: combate ao discurso de ódio, à desinformação, às big techs, aos excessos da internet e por aí vai. A democracia não pode ser uma desculpa para o controle, já que pressupõe um ambiente de liberdade, pluralidade e confronto de ideias. Impor a regulação das redes sociais dessa forma parece, claramente, uma tentativa de usar a democracia como cortina de fumaça para a implementação de medidas rigorosas que impõem a vontade de alguns, de forma dominante, sem considerar a opinião dos demais. Como apresentado, esse discurso é bem estranho, enviesado política e ideologicamente, e pode representar um grave retrocesso aos direitos e garantias individuais assegurados na constituição federal. Quem tanto quer regular as redes sociais pode estar, de fato, tentando controlar o cidadão.Claro que essa não é a justificativa oficial, mas pode ser a consequência efetiva dessas intenções de regulação: o controle do que o indivíduo pode ou não dizer, pode ou não publicar ou compartilhar. O Estado não pode ter o direito de decidir o que deve ou não ser dito.Bom, numa democracia é assim, claro. A liberdade de expressão não existe apenas para proteger discursos populares ou consensuais, mas, sobretudo, para garantir o direito à divergência, à crítica e à variedade de pensamentos. A tentativa de regulação estatal pode querer atribuir a órgãos quaisquer o poder de decidir o que é desinformação ou discurso de ódio, e criminalizar por isso, o que é extremamente perigoso. Hoje, o alvo pode ser o discurso de um grupo específico, amanhã, pode ser qualquer cidadão que ousar criticar o poder. Assim, a regulação corre o sério risco de se tornar um instrumento político de coerção e vigilância, ferindo o princípio democrático da liberdade individual, como verificamos frequentemente em todo o mundo. Não se trata de negar que existam problemas reais nas redes sociais. Fake news, campanhas de desinformação e ataques coordenados de ódio existem e devem ser combatidos, mas por meio do fortalecimento da educação digital, da responsabilização individual com o devido processo legal, e do estímulo à autorregulação das próprias plataformas, não pela imposição de normas amplas e genéricas que abrem margem para abusos e arbitrariedades dos donos do poder da hora. O risco a censura é visível. Os direitos fundamentais não são concessões do Estado, mas garantias invioláveis da cidadania. Nenhum governo, por mais bem-intencionado que se declare, pode violar esses princípios sob o pretexto de proteger a democracia. Afinal, não há democracia sem liberdade de expressão. É fundamental, portanto, que a sociedade brasileira compreenda os riscos embutidos nessa regulação das redes sociais tal como tem sido proposta. O debate é necessário, mas deve sempre respeitar os limites constitucionais e preservar as liberdades individuais como valores inegociáveis. Controlar a internet é controlar o cidadão, o que é absolutamente incompatível com um país livre. Nunca é demais lembrar que toda ditadura começa com uma desculpa e se mantém com a censura. *Sociólogo, publicitário, especialista em marketing