VEJA
Acelera, Fachin
Calouro no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Edson Fachin é o novo relator da Lava-Jato. Especialista em direito civil e de família, ele terá a missão de conduzir o julgamento do maior esquema de corrupção da história do país, substituindo na função o colega Teo-ri Zavascki, morto num acidente aéreo. Discreto e de fala mansa, Fachin já começou a trabalhar no caso. Sobre sua mesa repousam 48 inquéritos públicos e três ações penais contra políticos, além de uma leva de recursos contra prisões, um deles protocolado pelo notório Eduardo Cunha. Nas próximas semanas, enquanto toma pé de informações colhidas em quase três anos de investigação, o ministro decidirá sobre os pedidos que serão apresentados pelo Ministério Público Federal em decorrência da homologação dos acordos de delação premiada de 77 executivos da Odebrecht. O volume de trabalho no horizonte é assombroso, mas essa não é a principal preocupação do novo relator. De perfil técnico, ele sabe que seu maior desafio será resistir à pressão política destinada a estancar a sangria do petrolão. “Estou tranqüilo”, disse, lacônico como de costume.
Indicado para o Supremo pela então presidente Dilma Rousseff, em abril de 2015, o gaúcho Fachin, de 58 anos, assumiu a relatoria da Lava-Jato na esteira de um consenso inusitado e de uma providencial coincidência. Por motivos diversos, as partes envolvidas no caso defenderam o nome dele para o posto. Protagonistas do petrolão, senadores do PMDB consideram-no “inti-midável”. Já os investigadores apostam que o ministro dará fôlego à operação, mantendo o rigor que tem demonstrado ao votar nos processos relacionados ao petrolão. Quando era professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Fachin deu aulas a expoentes da força-tarefa da Lava-Jato, como os procuradores Deltan Dallagnol, Laura Tessler e Roberson Pozzo-bon. Diz o juiz Sérgio Moro, colega de Fachin na UFPR e responsável pelo caso na primeira instância: “É um jurista de elevada qualidade e, como magistrado, tem se destacado por sua atuação eficiente e independente”. A costura pela escolha de Fachin como relator teve início logo depois do velório de Teori Zavascki. Com o aval da presidente do STF, Cármen Lúcia, o ministro Gilmar Mendes fez consultas internas sobre quem gostaria de habilitar-se para relatar a Lava-Jato. Fachin apresentou-se para a tarefa.
ÉPOCA
Marisa Letícia, a primeira-dama que não gostava de política
Marisa Letícia Lula da Silva, a ex-primeira-dama do Brasil, morreu às 18h57 desta sexta-feira (3), aos 66 anos. A mulher do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava internada no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, desde o dia 24 de janeiro. Na quinta-feira, 2 de fevereiro, o exame transcraniano identificou "ausência de fluxo cerebral". Diante da notícia, o próprio ex-presidente Lula se encarregou dos procedimentos para autorizar a doação de órgãos. No Facebook, ele agradeceu as “manifestações de carinho e solidariedade” recebidas. As etapas do protocolo para a confirmação da morte encefálica foram finalizadas nesta sexta-feira.
Marisa Letícia estava internada, sob os cuidados do cardiologista Roberto Kalil Filho, amigo e médico da família, após ser vítima de um grave acidente vascular cerebral (AVC) desencadeado por um aneurisma, uma dilatação anormal de uma artéria. Ao chegar ao hospital, encontrava-se consciente, mas um pouco confusa. Sua pressão, horas antes, havia batido 18 por 12. Foi sedada e não acordou mais.
Havia alguns anos que Marisa sabia da existência do aneurisma. Como era pequeno, optou – com a concordância dos médicos – por não operá-lo. Nos últimos meses, o aneurisma cresceu até atingir pouco menos de 1 centímetro. A consequência foi o sangramento discreto no lado esquerdo do cérebro.
HISTÓRIA
Em seus primeiros anos de casada, Marisa Letícia não simpatizava com a política. Fartava-se com as centenas de telefonemas diários de gente atrás do marido, na época uma liderança em ascendência dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Aos poucos, porém, Marisa não só se adaptou àquela atmosfera, como acabou se tornando parte ativa dela. Em 10 de fevereiro de 1980, nasciam o Partido dos Trabalhadores (PT) e, pelas mãos de Marisa, a primeira bandeira da legenda recém-criada. Num recorte de tecido vermelho trazido da Itália, Marisa costurou uma estrela branca e sacramentou o que se tornaria a marca da sigla. “Foi assim que começou o PT”, disse mais tarde, em 2002, pouco antes de se tornar primeira-dama do Brasil.
Descendente de imigrantes italianos, décima de uma família de 11 filhos, Marisa teve uma infância simples num sítio na zona rural de São Bernardo. Em 1970, aos 19 anos, Marisa se casou pela primeira vez. Engravidou na lua de mel e ficou viúva em seguida, quando o marido, o taxista Marcos Cláudio dos Santos, foi assassinado durante um assalto. Três anos depois, Marisa conheceu Lula no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo quando tentava receber o pecúlio do marido. Fascinado, Lula orientou funcionários a avisá-lo quando a “viuvinha” chegasse por ali. Dizia a ela que também era viúvo. No livro A história de Lula: o filho do Brasil, a jornalista e escritora Denise Paraná conta que Lula deixou cair uma carteirinha com dados pessoais para provar o que dizia. “Mas eu não estou querendo saber se você é viúvo ou não. Estou querendo só que você bata o carimbo para eu receber”, disse Marisa. Lula insistiu. Certa noite, foi buscá-la de surpresa para sair e a encontrou com um namorado. Dispensou o rapaz e comunicou à mãe de Marisa que, a partir daquele momento, era ele o par de sua filha. Lula dizia que se apaixonara à primeira vista pela “galega”. Casaram-se seis meses depois e tiveram Fábio, Sandro e Luís Cláudio.
Desde que coseu a primeira bandeira do PT, Marisa se engajou mais e mais nas atividades políticas. Estampou e vendeu camisetas para conseguir recursos. Numa época em que o feminismo andava adormecido, Marisa organizou uma marcha de mulheres para negociar a liberação dos metalúrgicos. Marisa sempre fugiu do protagonismo, mas cuidava das finanças da família, da logística pessoal e das roupas do ex-presidente. Criticava o desempenho de Lula em entrevistas ou discursos. Pelo círculo íntimo, era tida como o farol de Lula. A conselheira que ele ouvia, que lhe dava segurança.
Marisa foi uma das mais discretas primeiras-damas do Brasil por oito anos. Compartilhou com Lula a vida e a política, e acabou denunciada com ele em uma ação penal. Respondia pelo crime de lavagem de dinheiro por causa da reforma do sítio de Atibaia. Na primeira manifestação pública sobre o estado de saúde da mulher, na segunda-feira, dia 30, Lula disse a simpatizantes que “a pressão e a tensão fazem as pessoas chegar ao ponto que a Marisa chegou”.
ISTOÉ
A nova era do ódio e da intolerância
Em março de 1933, o Terceiro Reich foi oficialmente proclamado na Alemanha. Poucos dias depois, os nazistas, sob o comando de Adolf Hitler, instituíram o boicote a estabelecimentos comerciais judeus e ordenaram a cobrança de pesados impostos para a comunidade judaica. Nos discursos para multidões, o Führer exaltava a superioridade ariana e anunciava como seres inferiores os que não eram nascidos ou tivessem origem germânica. Depois de estigmatizar, Hitler perseguia. Proibiu os judeus de frequentar os mesmos locais dos alemães e vetou a entrada de poloneses na Alemanha.
Em junho de 2016, Donald Trump fez seu discurso de campanha mais incisivo. Criticou latinos sob o argumento de que eles roubavam os empregos dos americanos e os muçulmanos por promoverem o terror. Como um Hitler redivivo, Trump estigmatizou milhões de pessoas, definindo-as como inimigas de uma nação que, pare ele, está acima das outras. Em uma palestra realizada em Washington, conclamou os compatriotas a odiar não apenas quem era, mas parecia diferente. Eleito, Trump cumpriu o que prometeu durante a corrida presidencial. Proibiu, como Hitler havia feito oito décadas atrás, a entrada em território americano de cidadãos nascidos em países considerados rivais, enxotando-os para fora dos aeroportos. Nos últimos dias, pessoas do Iêmen, Irã, Iraque, Líbia, Síria, Somália e Sudão foram algemadas, interrogadas e, em alguns casos, mandadas de volta para casa do outro lado do oceano apenas porque possuíam um passaporte que Trump julga inapropriado. Até a quarta-feira 1º, 109 pessoas foram detidas em aeroportos nos Estados Unidos e 721 viajantes com vistos válidos foram impedidos de embarcar em voos para o país.
Por mais que pareça um exagero comparar as ações desvairadas do novo presidente americano com um dos períodos mais sombrios da história da humanidade, é inegável que, sob Trump, o mundo está ingressando em uma nova era de intolerância. Fantasmas do passado ressurgiram, vultos tenebrosos do ódio voltaram a ter voz. “Identificar grupos por suas diferenças é perigoso e apenas divide a sociedade”, diz Rob Kuznia, coordenador da Fundação USC Shoah, sediada em Los Angeles e que cuida da memória de vítimas do holocausto e de outros genocídios por meio de vídeos-testemunhos. “Uma forma de exclusão leva a outra e o silêncio da maioria em face da injustiça concede a permissão de mais atrocidades a seus autores.” Não é preciso muito esforço para encontrar paralelos entre o discurso de Trump e as máximas do nazifascismo. “Precisamos fazer a América grande de novo e mostrar para o mundo que nós somos os líderes que todos devem seguir”, disse o americano no dia 2 de novembro, pouco antes de ser eleito.
“A Alemanha é o país a ser invejado por ter o povo mais forte e as melhores mentes”, disse Hitler em 1938, um ano antes de afrontar o mundo. No período entre guerras, como são chamados os anos que separam a primeira da segunda Guerra Mundial, o totalitarismo floresceu na Alemanha e Itália porque ambas as nações enfrentavam certo complexo de inferioridade. Fragilizadas pelo colapso econômico e o consequente desencanto da população, elas ansiavam por recuperar as glórias de outros tempos. Nesse contexto, a oratória nacionalista não só encantou multidões como as arrastou para o front. De acordo com as premissas do fascismo italiano e do nazismo alemão, era hora de combater o enfraquecimento da nação. Isso, na ótica nazifascista, só se faz com o combate e a destruição do inimigo.
“América primeiro”, “vamos reconstruir nosso país com mãos americanas e trabalho americano”, “20 de janeiro de 2017 será lembrado como dia em que o povo se tornou o comandante desta nação novamente”, “a América vai começar a vencer”, “juntos tornaremos a América grande novamente”. Isso tudo, é bom lembrar, foi dito por Trump no dia da posse. O novo presidente foi eleito graças aos cidadãos chamados pelos analistas de “angry white man”, os homens brancos com raiva. Eles, mais do que qualquer outra parcela da população, tiveram seus empregos ceifados pelo ocaso econômico das cidades industriais, pelo avanço tecnológico e por uma profunda mudança da sociedade nos últimos 20 anos. Desamparados pelo governo, ressentidos por um declínio sem fim e com um agudo sentimento de traição, esses indivíduos se vingaram na eleição presidencial de tudo o que julgavam ser responsável por suas misérias pessoais. Mais do que qualquer coisa, puniram todo o sistema. Por isso elegeram Donald Trump.
Basta dar uma espiada no mapa dos votos para observar que Trump venceu, com folga, nos subúrbios, nas cidades rurais e no chamado “Cinturão da Ferrugem”, como passou a ser conhecida, de forma pejorativa, a região que se estende pelo nordeste dos Estados Unidos até os Grandes Lagos e que tem sua economia baseada na indústria pesada e de manufatura. É lá, nesses amplos espaços decadentes (daí o “ferrugem”) outrora ocupados por fábricas vistosas, que os homens brancos com formação escolar média fizeram a diferença a favor do presidente Trump. “Agradeço principalmente às pessoas sem instrução, mas trabalhadoras incansáveis, que me colocaram em condições de derrotar Hillary Clinton”, disse o republicano semanas antes da eleição. É para elas que vou governar.”
É para elas que está governando. “Quando o mandatário de um país assume uma postura pública preconceituosa em relação a raça, gênero, religião, nacionalidade ou qualquer outra distinção, ele encoraja a população a declarar o antagonismo que existia, mas que estava contido”, diz Luis Fernando Ayerbe, coordenador do Instituto de Economia e Estudos Internacionais da Unesp. “Isso gera conflitos sociais e aflora comportamentos violentos nas ruas”. Segundo a Ong americana Southern Poverty Law Center, o fenômeno da intolerância ganhou amplitude logo após as eleições de 8 de novembro. Em apenas dez dias, 867 casos de assédio, ódio e intimidação foram registrados nos Estados Unidos, número que pode estar subestimado já que dois terços dos crimes desse tipo frequentemente não são reportados à polícia. Indicadores mostram que, após Trump, os crimes de ódio aumentaram consideravelmente nos Estados Unidos. Os alvos são aqueles que Trump rejeita: muçulmanos, negros e gays.