A operação Lava Jato fez tremer a classe política e o mundo empresarial que negocia com o Governo. Levou um presidente de empresa, Marcelo Odebrecht, e um ex-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, para a prisão, e mostrou-se firme no propósito de ‘limpar’ a política.
Por Afonso Benites
A intenção era boa, conquistou o Brasil, mas o tempo mostrou um direcionamento político do Ministério Público e do então juiz Sergio Moro, que hoje cobra seu preço. A Câmara dos Deputados acelerou uma cruzada para aumentar o controle político de quem fiscaliza as autoridades públicas. Está prevista para esta terça-feira a votação da proposta de emenda constitucional número 5 de 2021, que trata da mudança na composição do Conselho Nacional do Ministério Público.
Patrocinado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o texto é relatado pelo deputado Paulo Magalhães (PSD-BA) e já tem apoio de parlamentares de várias legendas, do PT ao PSL, do PSB ao Cidadania. O tema foi debatido no plenário da Casa nas últimas duas semanas, atropelando discussões prévias em uma comissão especial e audiências públicas. O projeto tem enfrentado uma dura oposição de membros do MP, que entendem que sua aprovação deve ferir de morte a instituição.
Esta é a segunda tentativa de minar os poderes de procuradores e promotores em menos de um mês. A primeira ocorreu ainda entre setembro e outubro, quando as duas casas do Congresso Nacional aprovaram mudanças na lei da improbidade administrativa que afrouxam as regras para punir os gestores que cometerem esse crime. Nesse pacote está inclusa a permissão da prática de nepotismo.
As principais mudanças que preocuparam os especialistas foram o aumento dos conselheiros do CNMP que seriam indicados pelo Congresso Nacional — de dois para cinco entre 17 membros — e a obrigação de que o Legislativo indique o corregedor da instituição, que também exerceria o papel de vice-presidente. Ao corregedor cabe analisar todas as denúncias administrativas contra membros do Ministério Público que pudessem gerar qualquer punição. Um exemplo: a corregedoria do CNMP analisaria a conduta de qualquer procurador da Lava Jato que tivesse usado do cargo para punir irregularmente um político.
Representantes de cinco entidades de procuradores e promotores coordenados pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) têm feito pressão para que a Câmara rejeite a PEC 5/2021. Mas sem sucesso, por enquanto. Em notas técnicas e comunicados à imprensa, os procuradores dizem que as propostas “interfere em garantias fundamentais para a independência da instituição”. Eles temem que, se o corregedor for indicado por políticos que podem ser alvos de investigações possa haver uma atuação direcionada contra os fiscais da lei.
Na mesma linha, segue a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Para ela, há a necessidade de melhorar o funcionamento do CNP, “o que inclui a necessária escuta do Poder Legislativo e grupos sociais”, com a revisão de “mecanismos de transparência e accountability”. Contudo, o texto em análise não aponta condições para a correção de erros cometidos pelos membros do Ministério Público, avalia a associação. “Ao contrário, politiza o conselho e subordina a agenda correcional a interesses ocasionais contra atuações do MP em temas de relevância nacional”.
Por essa razão, em Brasília, a proposta tem sido chamada de PEC da Vingança. Ainda assim, há a sensação de que mudanças precisariam ser feitas para que o MP fosse mais rígido com seus membros. “Hoje, nenhum membro do MP responde contra improbidade. É importante um conselho forte, com presença, para que tenhamos transparência”, ressaltou o padrinho da proposta, Arthur Lira em entrevista à rádio CNN.
O ex-chefe da Lava Jato Deltan Dallagnol, (foto) por exemplo, foi denunciado em 2016 pela defesa de Lula ao Conselho Nacional do Ministério Público pelo uso do famoso powerpoint para acusar o ex-presidente Lula de corrupção. A projeção, apresentada numa coletiva de imprensa, colocava o nome do petista para colocá-lo como chefe de quadrilha de inúmeros crimes. O julgamento de Dallagnol foi adiado 42 vezes pelo Conselho até que a queixa prescreveu. O instrumento rudimentar já foi proibido no exterior, alega a defesa de Lula, por promover a induções genéricas.
Dallagnol, assim como o time de procuradores que integraram a Lava Jato, tiveram conversas vazadas pela série de reportagens da Vaza Jato, liderada pelo jornal The Intercept, e também na operação Spoofing, da Polícia Federal, que localizou os hackers que vazaram o conteúdo das conversas entre procuradores e o ex-juiz Sergio Moro no aplicativo Telegram. As comunicações revelaram como os procuradores agiram diversas vezes sob a orientação de Moro na busca de provas contra o ex-presidente Lula. A ida de Moro para o Governo Bolsonaro em 2019 só consolidou a leitura da atuação política de procuradores.
Há uma desinstitucionalização da democracia”
O Conselho Nacional do Ministério Público foi criado em 2004. Tem como função fazer a fiscalização administrativa, financeira e disciplinar do MP e de seus membros. Um dos que trabalharam para sua criação foi o jurista Joaquim Falcão, professor de direito da Fundação Getulio Vargas. Hoje, ao analisar a atual PEC ele diz que há uma tentativa da classe política de se blindar.
“É uma clara estratégia do populismo de direita de neutralizar e paralisar as instituições de controle”, disse Falcão ao EL PAÍS. O professor foi um árduo defensor a atuação da Lava Jato. Lira é um aliado de primeira hora do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Para Falcão, a mudança tem “uma aparência de legalidade, mas é ilegítima”. “Na ditadura militar tínhamos o Congresso funcionando, o Executivo funcionando e o Judiciário funcionando. Tudo parecia ser legal, mas não era. É o mesmo que estão tentando fazer agora com o Ministério Público. Há uma desinstitucionalização da democracia”.
Professora na Escola Brasileira de Direito e doutora em Direito de Estado, a advogada Telma Rocha Lisowski avalia que as mudanças são uma aparente reação à Lava Jato e aos seus desdobramentos. Em um primeiro momento, a Lava Jato – encerrada oficialmente em fevereiro deste ano após quase seis anos de apurações – cercou políticos de diversos espectros, mas especialmente do PT. A operação é tida como decisiva para a derrubada da presidente Dilma Rousseff e para tirar o ex-presidente Lula da disputa eleitoral contra Jair Bolsonaro em 2018.
Contudo, Lisowski diz não ter uma visão catastrófica, como apresentaram as associações de procuradores e promotores. “Há um certo exagero sobre essa influência política”. Hoje, os procuradores gerais da República e dos Estados já são indicados pelo presidente e pelos governadores. Em alguns casos, como no do presidente Bolsonaro, o governante nem respeita uma lista tríplice votada pelos procuradores e acaba escolhendo alguém que seja mais alinhado com o seu Governo.
Na mesma linha, seguiu a doutoranda em direito pela Universidade de Salamanca e professora na Faculdade de Direito de Franca, Ana Cristina Gomes. “O que temos hoje é uma pseudo independência do Ministério Público”. Segundo ela, há um temor exacerbado por parte dos procuradores. “Por que no Brasil há um órgão que só ele tem o direito de se auto-avaliar e se autofiscalizar? Por que um cidadão com notório saber jurídico não pode fiscalizá-lo?”.
Na análise de Lisowski, a maior preocupação deveria ser, caso fosse mantida, a previsão que constava do relatório inicial e permitia que o CNMP revisasse medidas tomadas pelos seus membros, funcionando como uma segunda ou terceira instância judicial. “Seria como se o Conselho Nacional de Justiça pudesse cassar acórdãos, decisões, sentenças de juízes do Brasil inteiro”. Essa alteração foi retirada do relatório do deputado Paulo Magalhães, que cedeu à pressão dos procuradores.
Desde que chegou à Câmara, o texto já teve três versões distintas. Nesta terça-feira, será a sua prova de fogo. Seus apoiadores calculavam que ele tinha menos de 250 votos. Para uma PEC ser aprovada são necessários os votos de 308 dos 513 deputados federais.
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Movimento deve entrar em ação se governo federal não atender reivindicações que remontam à paralisação dos caminhoneiros em 2018
Com Estadão
Três entidades nacionais de trabalhadores vinculados ao setor de transporte de cargas anunciaram que decidiram decretar estado de greve e que vão iniciar greve nacional a partir de 1º de novembro se o governo federal não atender reivindicações que remontam à paralisação dos caminhoneiros em 2018.
A decisão foi tomada durante encontro no Rio de Janeiro que reuniu as entidades Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística (CNTTL), vinculada à CUT; Conselho Nacional do Transporte Rodoviário de Cargas (CNTRC) e Associação Brasileira de Condutores de Veículos Automotores (Abrava), segundo comunicado enviado à imprensa na noite do sábado.
As três entidades já fizeram outras convocações de greve nacional dos caminhoneiros, incluindo em fevereiro e julho deste ano, mas com a categoria dividida entre grupos que apoiam e são contra o governo de Jair Bolsonaro os protestos não chegaram ao nível de mobilização de 2018 em que o país parou por mais de 10 dias.
"A situação é que nenhuma das reinvidicações acordadas na ocasião da paralisação de 2018 foram atendidas", afirmou no comunicado o presidente da Frente Parlamentar Mista dos Caminhoneiros Autônomos e Celetistas, deputado Nereu Crispim (PSL-RS).
Entre as reivindicações da categoria estava a aplicação efetiva da chamada tabela de fretes mínimos. O assunto está parado no Supremo Tribunal Federal (STF) desde que o governo de Michel Temer cedeu à pressão dos caminhoneiros em 2018, aceitando a criação de um piso mínimo obrigatório de fretes para os caminhoneiros autônomos, algo que levou entidades transportadoras do setor privado a questionar a legalidade do mecanismo na Justiça.
O governo federal tem afirmado que está aberto ao diálogo com os caminhoneiros e tem feito uma série de concessões paliativas aos motoristas, como incluí-los como grupo prioritário de vacinação contra a Covid-19.
Mas uma das principais queixas dos motoristas é justamente o custo do combustível, reajustado para cima seguidas vezes nos últimos meses pela Petrobras. O preço médio do diesel no país acumula alta de mais de 50% neste ano.
No final de setembro, a Petrobras anunciou aumento de 9% no preço médio do diesel vendido em suas refinarias, após 85 dias de estabilidade. A Ticket Log calculou na semana passada que o preço médio do diesel comum nos postos do Brasil subiu 5,55% na primeira quinzena de outubro ante o fechamento de setembro, para 5,203 reais por litro. O valor representa avanço de 41% sobre a média registrada em outubro de 2020, segundo a empresa.
A Câmara dos Deputados aprovou na semana passada projeto que torna fixo o ICMS incidente sobre os combustíveis, uma proposta defendida por Bolsonaro, mas que não conta com apoio de boa parte dos governadores, que calculam que perderão 24 bilhões de reais em arrecadação. O texto vai ser analisado pelo Senado.
Um tema que foi desprezado pela CPI da Pandemia no Senado -- a compra fraudada de respiradores pelos estados do Nordeste -- transformou-se no principal foco de investigação da CPI da Covid da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, com potencial para arranhar nomes de figurões da política nacional
Por Hugo Marques
Na quinta-feira 10, a CPI quebrou o sigilo telefônico, telemático, bancário e fiscal do petista Carlos Eduardo Gabas, que foi ministro da Previdência nos governos de Lula e Dilma Rousseff. Pivô de uma compra fraudulenta de respiradores para o Consórcio Nordeste, Gabas tornou-se o principal investigado no Rio Grande do Norte.
O requerimento para quebrar o sigilo de Gabas foi apresentado pelo presidente da CPI, o deputado Kelps Lima (Solidariedade), e aprovado por unanimidade até por partidários de Gabas, como o deputado Francisco do PT, que é o relator da CPI. "A quebra de sigilo vai permitir aprofundar a investigação", disse Kelps.
No ano passado, o Consórcio Nordeste, presidido pelo governador da Bahia, Rui Costa (PT), comprou da empresa Hempcare Farma 300 respiradores por 48 milhões de reais. A quantia foi paga antecipadamente em um contrato cheio de fraudes — e até hoje a mercadoria não foi entregue. Em depoimento prestado aos investigadores, Cristiana Pestes Taddeo, dona da empresa, disse que não entregou os respiradores devido a problemas que teve com um fabricante chinês. Ela, no entanto, levantou suspeitas contra Carlos Gabas, secretário-executivo do Consócio Nordeste, e o prefeito de Araraquara, Edinho Silva, ex-ministro da Secretaria de Comunicação do governo Dilma.
A empresária afirmou que na época da fraude ela recebeu telefonema de Gabas, que se identificou como "irmão de alma" de Edinho de Araraquara, que também é do PT. De acordo com Cristiana, Gabas afirmou que o município paulista precisava de 30 respiradores, mas que seu irmão de alma estava sem dinheiro. Para a empresária, "estava implícito um pedido" e ela se dispôs a fazer uma "doação". Para o Ministério Público, era propina disfarçada. Gabas negou em julho qualquer irregularidade e chamou a empresária de criminosa.
No início do mês, Gabas foi convocado pela CPI nordestina, mas permaneceu em silêncio durante o depoimento. A Justiça do Rio Grande do Norte concedeu habeas corpus para que o ex-ministro não precisasse responder aos questionamentos dos parlamentares.
Renan Calheiros está na fase final da produção do relatório sobre a investigação da pandemia no Brasil
Com Agências
O relatório final da CPI da Covid será conhecido na próxima terça-feira, 19. O relator Renan Calheiros está na fase final dos trabalhos e já definiu que vai pedir indenização para os órfãos de vítimas da covid-19. O senador quer o pagamento de pensão durante 21 anos por parte da União.
De acordo com o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, Jair Bolsonaro deve ser acusado de 11 crimes: epidemia com resultado morte; infração de medidas sanitárias; emprego irregular de verba pública; incitação ao crime; falsificação de documento particular; charlatanismo; prevaricação; genocídio de indígenas; crimes contra a humanidade; crimes de responsabilidade; e homicídio por omissão.
Ex-ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello será apontado como responsável por seis crimes na condução do combate à pandemia do novo coronavírus no Brasil: epidemia com resultado morte; incitação ao crime; emprego irregular de verbas públicas; prevaricação; comunicação falsa de crime; genocídio de indígenas; e crimes contra a humanidade.
O relatório de Renan Calheiros também responsabilizará coronel Élcio Franco, que era adjunto de Pazuello na Saúde, e mais 40 nomes com ligação com o governo federal.
Foi autorizada complementação de R$ 292 milhões
Por Vinícius Lisboa
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informou hoje (15) que a Secretaria Especial do Tesouro e Orçamento autorizou a complementação de cerca de R$ 292 milhões ao orçamento do Censo Demográfico 2022. Com a emenda ao Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2022, a pesquisa receberá R$ 2.292.907.087.
O PLOA 2022 foi enviado ao Congresso Nacional em 31 de agosto com a previsão de R$ 2 bilhões para a realização da pesquisa, que é a mais completa executada pelo IBGE e serve de base para outros estudos e índices calculados pelo instituto. O IBGE destacou na época que o valor não era suficiente, e que eram necessários os R$ 292 milhões adicionais, valor que foi confirmado ao Supremo Tribunal Federal (STF) no início deste mês, em resposta a um pedido de informação do ministro Gilmar Mendes.
Na nota divulgada hoje, o instituto informa que a Secretaria do Tesouro considerou "possível" a ampliação do orçamento do censo nos termos esclarecidos pelo instituto ao Supremo. Os recursos complementares sairão do Fundo de Garantia à Exportação (FGE), supervisionado pelo Ministério da Economia.
O instituto ressaltou que a adequação do PLOA-2022 ao detalhamento do projeto orçamentário do IBGE "demonstra a importância da sintonia entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário no sentido da realização do Censo Demográfico em 2022, beneficiando a população brasileira nas suas várias dimensões".
O Censo Demográfico é uma pesquisa realizada em todo o país a cada 10 anos, e sua última edição foi em 2010. Por causa da pandemia da covid-19, a pesquisa não foi realizada em 2020, e cortes no orçamento de 2021 provocaram um novo adiamento neste ano.
O Projeto da Lei Orçamentária de 2021 chegou a prever R$ 2 bilhões para a realização da pesquisa, mas a verba foi reduzida durante a tramitação e restaram apenas R$ 53,3 milhões. O corte de recursos levou o IBGE a cancelar a realização do censo neste ano, já que a verba era insuficiente até para o treinamento dos técnicos.
A realização do censo em 2021 chegou a ser garantida por uma liminar do então ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello, em abril. O plenário da corte, porém, decidiu que, por causa da pandemia da covid-19 e do tempo necessário para elaborar a pesquisa, o censo poderia ser feito em 2022, com os trabalhos de preparação começando este ano.