Artigo do jornal O Estado de São Paulo do sia 20/02
Da coluna Notas&Informações
Se foi malsucedido em implantar uma agenda conservadora como a prometida na campanha de 2018, Jair Bolsonaro pode se vangloriar de ter subvertido o presidencialismo de coalizão vigente no País desde a redemocratização. Na atual administração, o governo não governa, não define os projetos que serão submetidos ao Legislativo e não articula maioria no Congresso. Essas atividades foram gentilmente cedidas a Arthur Lira (PP-AL), que assumiu as funções como se tivesse sido ele, e não Bolsonaro, o eleito com o voto de 57,7 milhões de brasileiros para comandar o Orçamento e liderar o debate legislativo. É sempre necessário lembrar que não foi, ainda que uma recente entrevista de Lira ao jornal Valor Econômico explicite esse e vários outros aspectos da realidade política do País supostamente presidido por Bolsonaro. A bem da verdade, a cadeira presidencial já vinha sendo enfraquecida antes, ainda sob Dilma Rousseff, mas o processo se acentuou ainda mais com Bolsonaro, cujo único objetivo desde que foi eleito é garantir mais quatro anos no cargo.
Está cada vez mais evidente que caberá a Lira dar uma solução para o pandemônio que se tornou a discussão sobre a desoneração de combustíveis, obsessão bolsonarista e alvo de pelo menos duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC), uma delas apelidada de PEC Camicase pelo impacto estimado de R$ 100 bilhões aos cofres públicos. Se depender do presidente da Câmara – e já se sabe que depende –, o Congresso deixará as bombas fiscais de lado e aprovará um projeto de lei complementar que muda a cobrança de ICMS, hoje um porcentual sobre o preço, para um valor fixo por litro, e aproveitará a proposta para embutir no texto a redução dos impostos federais sobre o diesel. “Não temos interesse nenhum em atrapalhar o caminho involutivo que o dólar está tendo e que a inflação terá”, disse Lira.
É, portanto, com o espírito público de Lira – dono do orçamento secreto e articulador da PEC dos Precatórios, aquela que dinamitou o teto de gastos – que o País precisa contar para evitar a explosão da inflação e a desvalorização do câmbio, enquanto o Banco Central luta praticamente sozinho para manter alguma estabilidade na economia. O ex-superministro Paulo Guedes, por sua vez, “é como ele é, todo mundo sabe como ele é”, na precisa definição de Lira, e deveria seguir a hierarquia – o que, neste governo, significa um presidente decorativo tutelado pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. “As pessoas me perguntam se houve uma superposição do ministro Ciro sobre o ministro Guedes. Não. Todo governo tem que ter uma hierarquização. O presidente da República, o ministro da Casa Civil e depois os outros ministros. Se o ministro da Casa Civil não organizar o Ministério, fica ruim. Tem que ter quem fale pelo governo. O ministro da Economia tem que ser ouvido, é figura-chave com relação aos projetos econômicos, mas ele não pode ter a palavra final se o governo vai querer fazer política de saneamento. Isso aí é governo. Ele pode falar sobre o impacto e o governo tem a posição política de enfrentar ou não”, disse.
Não que surpreenda, mas chama a atenção uma exposição tão nua da natureza distorcida das relações entre Executivo e Legislativo. Lira deixa claro que a anemia da cadeira presidencial é hoje um fato da vida, e se as consequências desse fato serão boas ou ruins para a sociedade é o comando do Congresso quem vai dizer. Nesse sentido, o principal recado de Lira, que já reconheceu a iminente derrota de Bolsonaro ao menos no Nordeste, foi para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Líder das pesquisas de intenção de voto, Lula já anunciou que pretende revogar a reforma trabalhista e as privatizações de estatais e subsidiárias se for eleito. “Só queria lembrar que no meio dos presidentes que estão e que serão eleitos tem o Congresso Nacional. E já deixei bem claro: permanecendo um Congresso de centro-direita, nossa vontade é não retroagir nos avanços que a gente já teve. O problema do Brasil é terminar as reformas paradas.” Traduzindo: o presidente da República pode até mudar, mas Lira fica, e o Centrão também.
“Nós nunca vamos defender o que Bolsonaro quer: voltar ao voto manual e ameaçar a democracia”, afirmou presidente do PDT
Com Correio do Povo
O presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, divulgou um vídeo nesta sexta-feira (18) onde defende o voto impresso no país. Apesar de compartilhar a mesma proposta que o presidente Jair Bolsonaro já citou em outras ocasiões, Lupi afirma que as iniciativas são distintas. “Nós nunca vamos defender o que Bolsonaro quer: voltar ao voto manual e ameaçar a democracia. O PDT jamais aceitará golpe”, diz o dirigente da legenda. “Nós do PDT temos uma posição histórica sobre a urna eletrônica. Nós sempre achamos, e isso tem mais de 20 anos, desde a sua introdução, que a urna eletrônica deveria ter a impressão do voto do lado, com uma impressora, com uma tela transparente, para se conferir o voto e depois ir pra urna. Não aconteceu até agora. Aceitamos que seja feito com 10% desse total de urnas eletrônicas”, diz Lupi.
“Nós nunca vamos defender o que esse homem do mal, esse coisa ruim que está no Palácio do Planalto quer. Ele quer voltas atrás, ele quer voltar ao voto manual, ele quer ameaçar a democracia, ele quer levar a suspeição sobre a sua derrota certa. Nós confiamos no TSE, nós acreditamos na lisura, na democracia e na imparcialidade do TSE. O que nós queríamos antes, e continuamos querendo, é que tenha uma impressão automática ao lado da urna para poder se conferir o voto. Agora, não é isso que o Bolsonaro quer. O que o Bolsonaro quer é avisar um golpe que ele quer preparar pela derrota certa. O PDT jamais aceitará golpe, principalmente desse coisa ruim que está em Brasília”, afirma o pedetista no vídeo.
STF aprovou, nesta quarta, 9, a formação das federações partidárias e ampliou o prazo de registro das agremiações junto ao TSE até 31 de maio
Por Humberto Dantas
Reformas políticas no Brasil são açodadas, e representam um "possível" distante do "ideal". O trio cláusula de desempenho, fim das coligações proporcionais e federação de partidos era defendido por parlamentares como um pacote para conter a proliferação e coexistência exagerada de legendas. Mas isso era um conjunto, e cada medida foi adotada em instantes diferentes, sob exceções que desmobilizaram o objetivo original. Isso fragilizou intenções e desconfigurou os sistemas eleitoral e partidário.
A federação é o capítulo mais atual da trilogia. Pela decisão de 2021, partidos aqui não se coligam em uniões eleitorais, tampouco se fundem para sempre. Federações permitem ação conjunta em aliança que pode até se separar num prazo de poucos anos. Sobre o instrumento, é óbvio, restam dúvidas.
Mas a decisão do STF trouxe mais insegurança para os filiados. Legendas como MDB, PSDB, PV, Cidadania, Podemos, PT, PSB, PCdoB, PV e União Brasil estudam federações distintas e, algumas, improváveis. O afunilamento ganha incerteza diante do prazo limite às federações, tirando dos políticos a segurança para adesão às legendas. Enquanto o prazo para a aglutinação é fim de maio, o de filiados (em especial aqueles que querem ser candidatos) para mudar de sigla ou escolher a primeira legenda é início de abril.
Federação é uma associação de "médio prazo" que transcende a eleição. Como o processo pode exigir do político que escolha uma legenda e permitir à organização que estabeleça a posteriori uma associação assim? Uma federação reúne numa mesma organização pessoas ainda mais diferentes que correligionários de um mesmo partido. E o STF sugere que partidos possam mudar como quiserem, levando compulsoriamente seus membros, num contexto em que vontades pessoais nos tornam cada dia mais avessos aos próprios partidos.
Três grandes executivos que firmaram acordo de colaboração premiada no auge da Lava Jato estão preocupados com o baculejo em Sergio Moro. Um deles era dono de empreiteira; outro era diretor-presidente.
Por Diego Escosteguy
Reservadamente, eles dizem que pode dar ruim a tentativa de gente influente em Brasília de reexaminar o teor das delações, sob o pretexto de buscar ilegalidades atribuídas ao então juiz de Curitiba e hoje pré-candidato à Presidência.
Esses colaboradores, assim como outros dois (um ex-doleiro e um ex-marqueteiro), não temem a análise da regularidade dos acordos. Reafirmam que não houve constrangimento indireto, perante Moro, ou direto, perante Teori e, em seguida, Fachin - os juízes que homologaram os acordos deles. Apenas um firmou colaboração em Curitiba; os demais, como a maioria dos que fecharam delações relevantes, negociaram os termos na PGR, com a posterior chancela do Supremo. Implicavam autoridades com foro.
Há duas razões para a apreensão entre os colaboradores. A primeira é mais simples: todos querem prosseguir com vida. Seguem ajudando com depoimentos. Tentam reerguer-se após os acordos. Temem que a luz de um escrutínio político e eleitoral acerca de um negócio eminentemente jurídico (as delações) queime relações e projetos recém-criados.
A segunda razão gela os ossos de alguns deles - sobretudo dos executivos das grandes empresas, como Odebrecht e Andrade Gutierrez. Com o passar do tempo e do furor por mais investigações, especialmente após casos serem quicados país afora até a prescrição, os anexos mais pesados foram esquecidos. Não houve avanço: investigações foram inviabilizadas no Judiciário ou até mesmo antes disso, na própria PGR.
Com a morte da Lava Jato e a asfixia dos esforços mais amplos de combate aos crimes de colarinho branco, os delatores aprenderam o valor do silêncio que haviam quebrado. Os cinco ouvidos sob reserva dizem - e não é de hoje - que prevalece um acordo tácito para que não causem maiores encrencas. "Nunca fui chamado a depor (sobre alguns dos anexos mais pesados)", diz um deles. "Você (refere-se a ele) logo entende por quê. Não precisa dizer nada. Está tudo subentendido."
São executivos, ex-empresários e figuras célebres do mundo político. Colaboraram porque avaliaram que era o melhor movimento de defesa, em face do volume e da força das provas contra eles. O resto é narrativa a serviço de campanha eleitoral.
Hoje, eles preferem ficar em silêncio. Têm aversão ao risco de se expor novamente e contar, após anos, coisas que ninguém (ou quase ninguém) quer ouvir. Um deles, talvez o mais ladino, resume, com a escatologia que lhe é habitual: "Eu não mexeria em bosta seca".
Editorial do jornal O Estado de São Paulo - Notas & Informações
A história do PT produziu muitos fatos que jogam contra o partido e seus candidatos. Em toda eleição, há muita coisa a esconder e a tergiversar. Mas seria empequenecer a trajetória petista pensar que, na categoria de temas a serem evitados, estariam “apenas” os escândalos de corrupção do mensalão e do petrolão. Há também aparelhamento do Estado, apoio entusiasmado a ditaduras e governos que violam direitos humanos, tolerância a corporativismos e privilégios, confusão entre o público e o privado, sabotagem de políticas públicas responsáveis (apenas porque outros as propuseram), negligência com malfeitos internos do partido, campanhas de difamação contra adversários políticos, abundante difusão de desinformação e várias outras práticas que contrariam o discurso original da legenda, em defesa da ética e da renovação da política.
Trata-se de um longo passivo, que não surgiu agora e não está apenas relacionado à Lava Jato. Mas há um item, em toda essa longa lista, que se sobressai. É um assunto que Luiz Inácio Lula da Silva tem especial dificuldade de lidar. O líder petista pode até falar do apartamento triplex no Guarujá ou do sítio de Atibaia – temas naturalmente desconfortáveis, que escancararam ao País o modo como o ex-sindicalista, que sempre bradou contra os patrões, lida de fato com os empreiteiros camaradas –, mas não faz ideia de como abordar este assunto: Dilma Rousseff e seu trevoso governo.
É um tema difícil, tanto pela evidência do desastre que foi o período de Dilma Rousseff no Palácio do Planalto como pela responsabilidade direta de Lula no caso. O líder petista decidiu que Dilma Rousseff seria a candidata do PT à Presidência da República em 2010. Afinal, esta é a divisão de tarefas na legenda que se diz democrática: Lula decide, os outros obedecem. Segundo palavras do próprio Lula, a relação entre os dois é de criador e criatura.
O líder petista pode não ter nenhum interesse em lembrar, mas ainda estão frescos na memória do País os resultados produzidos pela criatura lulista: recessão econômica, crise social, inflação, desemprego, desorganização da economia, manipulação de preços e irresponsabilidade fiscal, que incluiu, entre outras manobras, as famosas “pedaladas”. Tudo isso não se deu ao acaso. Foi obra do voluntarismo de Dilma Rousseff, mas foi muito mais do que simples equívoco individual. Sem nenhum exagero, o governo de Dilma foi a gestão dos sonhos dos petistas, com a aplicação – sem freios, sem limites e sem diálogo – de todas as teorias, ultrapassadas e equivocadas, que o PT sempre defendeu e, pasmem, ainda defende.
O resultado ficou evidente para o País. Tão presente nas eleições de 2018, o sentimento antipetista não foi mera consequência de decisões da Justiça Federal de Curitiba. O problema foi muito mais profundo. Com Dilma Rousseff, a população experimentou o que é um governo com o PT pondo em prática suas teses e ideias. Pouquíssima gente quer isso de volta e, por saber bem a dimensão dessa rejeição, Lula deseja de todas as formas esconder Dilma Rousseff e seu governo.
A quem queira diminuir ou relativizar a ojeriza do eleitorado com a gestão de Dilma no Palácio do Planalto, basta lembrar o resultado das eleições de 2018 para o Senado em Minas Gerais. Mesmo com toda a militância do PT dizendo que Dilma Rousseff tinha sofrido um golpe – assim os petistas qualificam atos constitucionais do Congresso, quando não lhes agradam – e com a legenda investindo muitos recursos financeiros na campanha, a ex-presidente obteve dos mineiros um humilhante quarto lugar. Portanto, Dilma é um óbvio fardo eleitoral, mesmo para um veterano prestidigitador como Lula.
Questionado nessa semana sobre o papel de Dilma em um eventual novo governo do PT, Lula não teve dó de sua criatura, atribuindo-lhe a mais cabal irrelevância. “O tempo passou. Tem muita gente nova no pedaço”, disse, em entrevista à Rádio CBN Vale. Se o tempo passou para Dilma, passou também para Lula. O País precisa de gente com outra estatura moral, que não tenha de esconder seu passado nem suas criaturas.