Deflagrada em março de 2014, a Lava Jato já estava na praça quando Marcelo Odebrecht decidiu que parte da verba do departamento de propinas de sua empreiteira seria investida no PT de Dilma Rousseff, no PMDB de Michel Temer e em legendas associadas à coligação da dupla.
Da Redação
Para o analista político, Josias de Souza, todos sabiam que o mau costume do dinheiro clandestino das campanhas tornara-se mais arriscado. Deram de ombros. E foram em frente. Como que farejando o cheiro de enxofre, o príncipe da construção pesada adicionou ao velho pacto um lance diabólico: gravou a marca da Odebrecht nas bochechas dos destinatários do dinheiro de má origem.
Temer foi marcado no Palácio do Jaburu, em setembro de 2014, no instante em que ofereceu em plena residência oficial de vice-presidente, o jantar em que Marcelo Odebrecht foi mordido. Nesta quarta-feira, em depoimento à Justiça Eleitoral, cujo teor ainda é mantido sob sigiloso, Odebrecht confirmou o repasto do Jaburu. Reconheceu que lhe foi pedido suporte monetário para o PMDB. Um dos advogados presentes à inquirição contou ao seu cliente que, segundo Odebrecht, Temer não teria mencionado cifras. Nessa versão, os R$ 10 milhões citados na delação do ex-executivo da Odebrecht Cláudio Melo Filho foram acertados com um preposto de Temer: o hoje ministro Eliseu Padilha.
Há seis dias, em nota oficial do Planalto, o próprio Temer vira-se compelido a reconhecer, à sua maneira, que carrega na bochecha uma marca indelével. O texto da Presidência informou que, na condição de presidente do PMDB, Temer realmente “pediu auxílio formal e oficial à construtora Norberto Odebrecht.”
A nota do Planalto acrescentou que o agora presidente da República “não autorizou nem solicitou que nada fosse feito sem amparo nas regras da lei eleitoral.” Pelas contas de Temer, “a Odebrecht doou R$ 11,3 milhões ao PMDB em 2014. Tudo declarado na prestação de contas ao Tribunal Superior Eleitoral.” Esse tipo de narrativa abre espaço para que os advogados sustentem em juízo a tese segundo a qual Temer não pode ser responsabilizado pela origem eventualmente ilegal das verbas recebidas.
Com Dilma Rousseff, Marcelo Odebrecht reuniu-se pelo menos quatro vezes. No ano eleitoral de 2014, foram dois encontros. Ambos no Palácio da Alvorada —em março e em julho. Dilma tentou negar tais conversas. Entretato, foi traída pelos arquivos eletrônicos de sua agenda. Jamais admitiu ter conversado sobre verbas eleitorais com o interlocutor tóxico.
Tomado pelo depoimento desta quarta-feira, Marcelo Odebrecht gravou sua marca na bochecha de Dilma no mês de junho do ano pós-eleitoral de 2015. Deu-se numa conversa ocorrida no México. O herdeiro da Odebrecht contou à Justiça Eleitoral que alertou Dilma para a origem espúria do dinheiro usado pela Odebrecht para pagar o marqueteiro João Santana em contas secretas no estrangeiro. Não há vestígio de providência que Dilma tenha tomado.
Conforme o jornalista, Josias de Souza, o hábito de esconder arcas clandestinas nos porõres das campanhas eleitorais é velho como as caravelas. A novidade é que a Lava Jato deu ao dinheiro por fora uma visibilidade jamais experimentada na história da República. Em situações assim, o grau de civilidade da democracia é medido pelo tamanho da punição. O Tribunal Superior Eleitoral dispõe de duas alternativas: ou revitaliza a política nacional ou mergulha a chamada vida pública numa decadência irreversível.