Aos 90 anos, matriarca da família Moura Leitão nos deixa para ir assumir seu posto junto ao Pai Celestial. O Tocantins está de luto
Por Edson Rodrigues e Edvaldo Rodrigues
A vida nos prega peças. Algumas vezes essas peças são doloridas e inesperadas como a que acaba de acometer a família Moura Leitão e todas as famílias tocantinenses. Acabamos de perder Dona Eliacena de Moura Leitão, poucos dias depois da grande festa que comemorou seus 90 anos de vida.
Poderíamos fazer, aqui, um artigo cheio de dor e melancolia por uma perda que nos pega de surpresa e que nos enche o coração de tristeza.
Mas, preferimos celebrar ao invés de lamentar. Celebrar uma vida cheia de realizações e conquistas que mudaram e influenciaram na vida de muitos tocantinenses, nativos ou de coração, que tiveram a sorte de, em algum dia, ter seus destinos cruzados com o de Dona Eliacena.
A menina que veio ao mundo no dia 20 de fevereiro de 1926, na cidade de Arraias, então Norte goiano, 5ª filha do casal José Rosa de Moura e Mariana D’Abreu Moura, para completar a lista de personagens de um enredo que se tivesse final, seria o mais feliz possível, pois a família cresceu, frutificou e em muito contribuiu para a vida de todos que tiverem o prazer de conviver com qualquer dos seus membros.
Eliacena juntou-se aos irmãos, Altair, Dalci, Virgilina, Ricardina, Iracilda e Zacarias, nos afazeres e prazeres da vida pueril e simples, no povoado de Chapéu, local d’onde seu pai foi escolhido Intendente – prefeito na época - e a família permaneceu entre os anos de 1930 e 1935.
O empenho e a dedicação de seu pai na lida com a Lei, a Ordem o progresso e os cuidados com a população de Chapéu como Intendente, lhe valeram a indicação para Tesoureiro do Departamento de Fazenda do Estado de Goiás na cidade de Pedro Afonso, por parte de seu tio, João D’Abreu, líder político, secretário da fazenda e deputado federal á época.
A matriarca, Dona Mariana, não ficou muito contente em ter que deixar em Arraias os parentes e as amizades, mas, resoluta, partiu junto com o marido a percorrer os longos 36 dias a cavalo até a sede do novo – e importante – cargo de “Seu” José de Moura.
Foi em Pedro Afonso que a já mocinha, Eliacena, conheceu os primeiros ditames do alfabeto e do “be-a-bá” no Grupo Escolar Pádua Fleury e, de lá, ante tantas demonstrações de sede de saber, viu-se obrigada a separar-se da família para concluir seus estudos no Colégio Sagrado Coração de Jesus, no Convento das Freiras, em Porto Nacional.
Para chegar à cidade que ficaria conhecida como “berço cultural” de uma vasta região do Norte Goiano, hoje Tocantins, seu pai, “seu” José de Moura não media esforços para fazer o trajeto de sete dias a cavalo, duas vezes por ano, durante os quatro anos do curso.
Quandorecebia seu “ordenado”, já nos tempos atuais, Dona Eliacena se emocionava, demonstrando sua gratidão infindável pelo esforço de “Seu” José Rosa de Moura acerca de sua formação acadêmica.
Vale lembrar, que em uma dessas ausências, “Seu” José de Moura fica viúvo de Dona Mariana, mas a dor da perda não abalou a força de vontade de Eliacena, que, quatro longos anos depois, formou-se professora.
A volta para a cidade de Pedro Afonso foi apenas o primeiro passo em sua carreira letiva. Logo era professora contratada para trabalhar na mesma escola em que se formou, o Grupo Escolar Pádua Fleury.
AMOR DE NOVELA
Moça formada, “trabalhadeira” e curiosa por natureza, passou a freqüentar as festas da Escola e da Paróquia, além de nutrir sua curiosidade acerca do vai e vem de pessoas no aeroporto da cidade, uma das grandes atrações locais.
Um dia, em uma de suas muitas olhadelas no movimento do aeroporto, quem foi vista foi ela. José Leitão de Oliveira, um dos passageiros que deixava a cidade, piauiense da cidade de Picos, terra de cabra-macho honrado e cabeça-dura, deixou também um recado: “para cá voltarei para casar com aquela moça”!
Dito e feito!
Voltou, pediu-a em namoro para o “Seu” José de Moura e, como bom conhecedor das naturezas humanas, o “pai da moça” consentiu o enlace e José Leitão de Oliveira partiu com data marcada para voltar e concretizar o matrimônio.
Mal sabia ele que Eliacena resolveu pensar bem e escreveu uma carta ao pretenso noivo, terminando o compromisso.
Esperto e ladino, José Leitão fingiu não ter recebido a carta e retornou a Pedro Afonso para cumprir sua parte do trato, sabendo que, antes, teria que gastar muita lábia para angariar o apoio das irmãs de Eliacena e do próprio futuro sogro, para que lhe ajudassem no trabalho de convencimento da impetuosa quase ex-futura noiva.
Apesar de desconfiada, Eliacena assentiu e, em novembro de 1946 casaram-se na Igreja Matriz de São Pedro, na mesma Pedro Afonso.
UMA NOVA VIDA
Naqueles tempos a vida era diferente. Buscar uma vida melhor requeria desafios verdadeiros e, logo após o casamento, José Leitão partiu atrás de seus sonhos materiais, já que os do coração já estavam garantidos, ficando a, agora, senhoraEliacena Leitão, para ir em seguida.
Um mês depois já estavam juntos de novo, na cidade de Porto Nacional, de onde partiram de teco-teco (coisa chique e perigosa para a época) para um garimpo de diamantes chamado Rio Vermelho, na região do Jalapão, hoje importante póloecoturísticodo Brasil. No local, apenas umas 20 casas de palha e muito por fazer. Do Rio Vermelho partiram para outro garimpo nas proximidades, chamado Cutia. A permanência em ambos foi de quatro anos onde, apesar do trabalho árduo, geraram dois filhos, Leto e José Carlos.
Em 1951, grávida do 3º filho, resolveram que a vida seria melhor no povoado de Novo Acordo, pertencente a Porto Nacional e foi emancipado posteriormente, em 1958.
Novo Acordo tinha apenas três ruas e Dona Eliacena e José Leitão fixaram residência na principal delas, chamada Rua Grande, numa casa de esquina, sem muito luxo, mas com os benefícios de um enorme pé de manga ao lado e da casa de Serapião Dias, um amigo desde a época de garimpo, bem em frente.
Estabelecida, Dona Eliacena Leitão, professora de direito e coração, foi à luta e em pouco tempo já estava alfabetizando seus primeiros alunos no Grupo Escolar D. Pedro I, recém construído.
Já o Sr. Leitão virou comerciante e, logo depois, viu sua veia política pulsar ante o reconhecimento da população à sua benevolência e retidão de caráter.
10 anos depois, a casa da mangueira viu mais cinco frutos da união chegarem ao mundo. Mais um filho nasceu da união, só que resolveu contrariar o destino e surpreendeu Dona Eliacena durante as féria na fazenda Duas Praias. Foram chamados José Uiler, Eliano, Joaquim, Alberto, Maria Eliane, Maria Altair e Juarez.
Os filhos de Dona Eliacena vieram ao mundo quase junto com seus tios Terezinha, Iraildes, José, Raimunda, Graças, Socorro, Glória, Jaldo e Cândida, filhos do casamento de seu pai, José de Moura com sua madrasta, Dona Maria Emília.
O DESTINO TOMA AS RÉDEAS
À medida que os filhos de Dona Eliacena iam crescendo, terminando o primário, eram obrigados a deixar a cidade para prosseguir nos estudos – exigência e auto-penitência da alma de professora de Dona Eliacena. O destino eram as cidades vizinhas, como Pedro Afonso, Tocantínia e Porto Nacional.Mas depois os vôos tiveram destinos mais longínquos, como Goiânia e a recém construída Brasília, a Capital Federal.
Dona Eliacena e “Seu” José Leitão, com os filhos “encaminhados” como se dizia na época, passaram a se dedicar com todo afinco e carinho para a melhoria de vida da sociedade novacordense. Foram 32 anos de sua vida que Dona Eliacena dedicou à educação de milhares de crianças de Novo Acordo. Já “Seu” Leitão, virou presidente de partido político, foi eleito vereador, presidente da Câmara Municipal e candidato a prefeito por três vezes.Sua dedicação à população de Novo Acordo o fez responsável pela aposentadoria de muitos idosos, enfermos e pessoas carentes, como representante do Funrural.
COLHENDO OS FRUTOS DO BEM
Em 1987, o filho Eliano Moura Leitão retornou à Novo Acordo, vindo de Brasília, onde terminou seus estudos. Candidatou-se a prefeito e foi eleito por duas vezes, seguindo os passos dos pais na dedicação e esforço pelo bem-estar da sociedade novacordense.
Com a criação do Estado do Tocantins, em 1988, e a construção da Capital, Palmas, a maioria dos filhos Moura Leitão para lá se mudou, sendo seguidos por Dona Eliacena, que fixou residência em Palmas em 2002, agraciada com uma casa doada por seu filho José Carlos Leitão,um dos líderes pela criação do Tocantins e realizando um sonho antigo de estar mais perto dos filhos.
Nos últimos anos, Dona Eliacena divide seu tempo entre Palmas e Brasília, visitando netos, bisnetos, trinetos e tataranetos, além de aproveitar para conhecer o Brasil e o exterior, seguindo sua história de muitas lutas, amores, conquistas e dedicação.
A GRANDE FESTA
No último dia 20 de fevereiro, seus filhos, familiares, amigos e admiradores organizaram uma grande festa dos Moura Leitão em comemoração aos seus 90 anos, com direito a Missa de Ação de Graças na Igreja Nossa Senhora de Fátima, e grande Jantar Festivo no Clube da Associação dos Magistrados do Tocantins.
Nenhum dos convidados deixou de comparecer. Abraçada aos filhos, netos, bisnetos, trinetos e tataranetos, Dona Eliacena recebeu homenagens do ex-governador José Wilson Siqueira Campos e de sua esposa, do senador Vicentinho Alves e de seu filho, deputado federal Vicentinho Jr., além de diversas personalidades da história do Tocantins, que foram levar as congratulações e o reconhecimento por tudo o que a matriarca da família Moura Leitão ensinou, exigiu e concebeu pelo bem de todos por onde sua presença foi sentida.
Obrigado, Dona Eliacena! Temos certeza de que se o mundo fosse povoado por mães, educadoras, professoras e mulheres como a senhora, ele seria um lugar muito melhor de se viver.
Muito obrigado por tudo, e intervenha por nós junto ao Pai, com a mesma qualidade e perseverança com que levou sua vida. Intervenha por um mundo sem guerras, por um Brasil mais honesto e por um Tocantins pungente e desenvolvido, como a Senhora sempre sonhou.
Muito obrigado por tudo, e descanse em PAZ!