Por Rose Dayanne Santana
O registro de nascimento é um documento indispensável ao exercício da cidadania e do direito à personalidade. “Uma das coisas que mais me marcou na história do seu Virgílio foi a vontade de viver desse senhor, na época com 98 anos. Ele dizia: eu ainda vou viver muito, e quero pegar logo minha certidão”, conta a defensora pública Napociani Pereira Póvoa, autora da ação de “Registro Tardio” do lavrador Virgílio Cachoeira de Oliveira, residente no município de Aurora do Tocantins, que passou quase 100 anos sem ter o registro de nascimento.
Virgílio procurou a Defensoria Pública em outubro de 2013, no município de Aurora, e relatou os esforços empreendidos durante anos para regularizar a situação, a falta de informação e de recursos financeiros, e os inconvenientes ao longo da vida, como por exemplo, a impossibilidade dos filhos terem o sobrenome do pai e mesmo de votar. Ele contou que cresceu numa família substituta que, mesmo tendo conhecimento dos pais biológicos e local e data de nascimento, não providenciou o documento.
Na última terça-feira, 14, o juiz Jean Fernandes Barbosa de Castro, da comarca de Aurora do Tocantins, autor da decisão que autorizou o registro de nascimento tardio de Virgílio, foi premiado no Primeiro Concurso Nacional de Decisões Judiciais e Acórdãos em Direitos Humanos, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na categoria Direitos da Pessoa Idosa.
“Quando ele contou a sua história e inclusive falou dos seus planos para o futuro, eu e a Patrícia, analista que trabalhava comigo em Aurora, começamos a busca de informações para subsidiar a ação. A sentença do juiz Jean Fernandes, acolhendo o pedido da Defensoria Pública, demonstrou sensibilidade ao caso, atendimento à legislação e à defesa dos direitos humanos”, relata a Defensora Pública.
Registro Tardio
Quando, por algum motivo, o documento não for emitido logo após o nascimento, a lei prevê o procedimento chamado de “Registro Tardio”, regulamentado em 2008, com a Lei nº 11.790, que alterou o art. 46 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), para permitir o registro da declaração de nascimento, fora do prazo legal, diretamente nas serventias extrajudiciais.
“Com base na fundamentação legal da Lei dos Registros Públicos, a partir da oitiva de testemunhas apura-se o local e a data de nascimento e outros dados essenciais da certidão de nascimento. Mas, hoje já existe o Provimento número 28 do Conselho Nacional de Justiça, facilitando tal registro, que poderá ser feito diretamente junto ao cartório de registro de pessoa natural”, explica a Napociani Pereira Póvoa.
Assim, pessoas nessa situação podem procurar o cartório, sem a necessidade de um advogado ou de um Defensor Público. No entanto, mesmo com a possibilidade e garantia da emissão do “Registro Tardio” diretamente nos cartórios, sem ação judicial, ainda é possível verificar que há casos, especialmente de pessoas residentes na zona rural, por falta de conhecimento do prazo legal, seja de nascimento ou de óbito.
Em 2012, a Defensoria Pública em Gurupi atendeu a assistida Maria Helena, com 80 anos na época, que buscava o direito de ter o registro de nascimento. Devido a limitações, Maria Helena nunca soube dizer ao certo dados claros sobre sua origem. Ela tinha sido acolhida há 37 anos por uma família, que resolveu ajudá-la quando apareceu em sua fazenda na Ilha do Bananal. Após várias tentativas sem sucesso nos cartórios para localizar o registro de nascimento de Maria Helena, a família procurou a Defensoria Pública, pois a Assistida possuía várias enfermidades e frequentemente precisava ser levada a hospitais e a família enfrentava inúmeras dificuldades e constrangimentos. O pedido foi deferido pela Justiça e Maria Helena teve o registro expedido pelo cartório. A Defensora que cuidou do caso foi Chárlita Teixeira da F. Guimarães.
Outro caso foi o da senhora Ana Maria, atendida pela defensora pública Franciana Di Fátima Cardoso, em 2009. Na época, com 72 anos, ela contou que nasceu em Conceição do Araguaia, Pará, em 1937, e ainda não tinha registro de nascimento. Quando criança foi abandonada pelos pais e uma Senhora a "adotou", apenas com dois anos de idade, sem registrá-la. Durante a audiência, o juiz determinou que a Assistida fosse devidamente registrada e, mesmo sem saber dizer o dia e mês em que nasceu, foi designada como data do nascimento o dia 14 de setembro de 1937, após depoimento pessoal e ouvidas três testemunhas, inclusive a mãe de criação.
“O registro de nascimento determina a existência civil de um indivíduo e a partir de tal momento será adquirido o status de cidadão. Um cidadão sem registro de nascimento fica a margem de todas as conquistas sociais já efetivadas. Apesar de todas as campanhas empreendidas pelo Governo Federal ainda é comum tal demanda, nos rincões do nosso Estado, onde muitos adultos não contam com qualquer tipo de documentação ”, pondera a defensora pública Napociani Pereira Póvoa.