Criada em 1897, a Defensoria Pública defende “o direito de ter direitos” dos cidadãos. A presidente afastada, Dilma Rousseff, quis derrubar a autonomia do órgão, garantida pela Constituição
Por Edson Rodrigues
O plenário do STF indeferiu nesta quarta-feira, 18, a medida cautelar na ADIn 5296, ajuizada pela presidente da República contra a EC 74/13, que estendeu às Defensorias Públicas da União e do DF autonomia funcional e administrativa conferida às Defensorias Públicas estaduais.
Na ADIn, foi sustentado que a emenda, de origem parlamentar, teria vício de iniciativa, pois apenas o chefe do Poder Executivo poderia propor alteração no regime jurídico dos servidores públicos. No entanto, a maioria dos ministros entendeu, vencido os ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio, que a autonomia da Defensoria não fere o princípio da separação dos Poderes.
A questão já foi tema de duas sessões plenárias. Na primeira, ocorrida em 8 de outubro do ano passado, a ministra Rosa Weber, relatora, votou pelo indeferimento da cautelar. Em seu voto, ela pontuou que a EC 74 não tem o objeto do reconhecimento de vantagem constitucionais. Para ela, a emenda nada mais fez do que “aplicar o disposto no §2º do art. 134 da Constituição Federal às defensorias públicas da União e do DF". O dispositivo assegura autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de proposta orçamentária às defensorias públicas estaduais e foi inserido na CF pela EC 45/04 (Reforma do Judiciário).
Por isso, explicou que, se declarada a inconstitucionalidade da EC 74, no mesmo vício incorreria a EC 45, cuja legalidade "tem sido respaldada nos pronunciamentos desta Corte".
Rosa destacou ainda que a CF não veda "ao poder constituinte derivado o aprimoramento do desenho institucional de entes presentes no modelo constitucional". "Os modelos institucionais estabelecidos estão sempre passíveis de modificação com vista a seu aperfeiçoamento, desde que observados, por óbvio, as garantias constitucionais."
"Ainda que, como qualquer opção de política constitucional, possa ser alvo de questionamentos legítimos sob diversos ângulos, não me parece que a concessão de autonomia às defensorias públicas da União, dos Estados e do DF seja, em si, incompatível com a ordem constitucional vigente. Pelo contrário, a teleologia da CF ampara e legitima, na minha visão, o reconhecimento da autonomia das defensorias públicas enquanto tendente ao aperfeiçoamento do regime democrático."
Logo depois do voto da relatora, pediu vista o ministro Edson Fachin, que votou em sessão de 23/10. Acompanhando a relatora, o ministro também entendeu não haver vício de iniciativa. Segundo ele, o poder constituinte reformador não se submete à regra do artigo 61 da CF. Destacou ainda que a autonomia funcional conferida à DPU garante atuação com plena liberdade no exercício de suas incumbências essenciais e a autonomia administrativa atribui liberdade gerencial.
Na plenária desta quinta, Toffoli votou com a relatora. Ele pontuou que a concessão de autonomia da Defensoria Pública Federal e do DF não viola a separação dos Poderes, nem constitui inovação apta a abolir o princípio. O ministro Ricardo Lewandowski votou no mesmo sentido.
Ao fim do julgamento, a ministra Rosa frisou que o reconhecimento da autonomia funcional e administrativa e não financeira, cabendo à DPU e à Defensoria do DF apenas a iniciativa de proposta orçamentária. "O reconhecimento da autonomia não significa que necessariamente sempre serão legítimas alterações de outra ordem ou em outros seguimentos."
O QUE É DEFENSORIA PÚBLICA
A Defensoria Pública teve sua origem no Estado do Rio de Janeiro, onde em 5 de maio de 1897 um Decreto instituiu a Assistência Judiciária no Distrito Federal, então a cidade do Rio de Janeiro. O Brasil é o único que deu tratamento constitucional ao direito de acesso dos insuficientes de recursos à Justiça, e a Defensoria Pública, com sua missão constitucional de garantir os princípios constitucionais de acesso à justiça e igualdade entre as partes, e o direito à efetivação de direitos e liberdades fundamentais, "o direito de ter direitos," desponta no cenário nacional e internacional como uma das mais relevantes Instituições públicas, essencialmente comprometida com a democracia, a igualdade e a construção de uma sociedade mais justa e solidária.
De acordo com a Constituição Federal todo indivíduo, brasileiro ou estrangeiro, possui o direito fundamental de acesso à justiça, ainda que não tenha condições financeiras de pagar um advogado particular. Nesse caso, o Estado Brasileiro tem o dever de garantir assistência jurídica gratuita, por meio da Defensoria Pública.
Os Defensores Públicos são profissionais aprovados em concurso público de provas e títulos com, pelo menos, dois anos de experiência jurídica. No exercício da profissão, o Defensor Público é independente para atuar na defesa dos interesses do cidadão, devendo, inclusive, agir contra o próprio Estado sem receber qualquer punição.
Todo indivíduo que possua uma renda familiar não superior ao limite de isenção do Imposto de Renda. Caso a renda familiar ultrapassar o valor de isenção do imposto de renda, o indivíduo deverá comprovar gastos extraordinários, como despesas com medicamentos, material especial de consumo, alimentação especial, etc.
A AÇÃO DE DILMA
A presidente Dilma propôs ADIn (5.296) no STF para derrubar a autonomia administrativa e funcional das defensorias públicas da União e do DF garantida pela EC 74/13. Ação, teve como relatora a ministra Rosa Weber.
Para a presidente, a norma, de iniciativa parlamentar, violou o art. 61, § 1º, inciso II, alínea “c”, da CF. O dispositivo prevê que são de iniciativa privativa do presidente da República as leis que disponham sobre servidores públicos da União e territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria.
Em resumo, Dilma queria que as ações e a aceitabilidade de casos, principalmente contra a União, fossem, antes, autorizadas pelo governo federal, tirando a autonomia da Defensoria Pública de julgá-las pertinentes ou não.
Com esses argumentos, a presidente pede a suspensão da eficácia da emenda e, no mérito, que seja declarada inconstitucional.
CRÍTICAS
O ato de Dilma, em propor ADIn contra a EC 74/13, foi alvo de críticas de membros da Defensoria. Segundo a União dos Advogados Públicos Federais do Brasil – Unafe, a propositura da ADIn pegou de surpresa os membros da AGU.
"Tal atuação evidencia que o Advogado-Geral da União tem um parâmetro de valorização institucional absolutamente deturpado, na medida em que demonstra 'valorizar' a AGU pela via do ataque à Defensoria Pública."
Em nota, a Anadef - Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais declarou que a ação tem "o claro objetivo de impedir o desenvolvimento da instituição, com o manifesto objetivo de prejudicar e diminuir o direito universal de acesso à Justiça".
Para Haman Tabosa de Moraes e Córdova, defensor público-Geral Federal, trata-se de uma tentativa de "devolver a Defensoria Pública da União à condição em que permaneceu por mais de 20 anos: em caráter emergencial e provisório e sem estrutura adequada para atender a todos os cidadãos e cidadãs carentes que dela precisam para a defesa de seus direitos fundamentais".
No mesmo sentido, a Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares – Renap afirma que a medida é "um imenso recuo do governo às demandas coletivas de diversos movimentos populares que são assistidos pelas Defensorias Públicas".
TOCANTINS
Por incrível que pareça, no Tocantins, ainda há pessoas ligadas a Defensoria Pública do Tocantins, uma das poucas que recebem em dia e das que pagam melhor seus servidores, que defendem a presidente afastada e as intenções do PT em ceifar atos e ações garantidas pela Constituição, insistindo que o processo de impeachment é golpe.
Será que essas pessoas têm, ainda, alguma chance de sobreviver politicamente?