Suspensão das multas de Odebrecht e J&F e o terraplanismo no Direito

Posted On Quinta, 29 Fevereiro 2024 14:16
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Recentemente, decisões do ministro Dias Toffoli, tratando da suspensão temporária das obrigações decorrentes dos acordos de leniência das empresas Odebrecht (atual Novonor) e J&F, foram objeto de críticas por parte da imprensa e formadores de opinião

 

 

Por Roberto Podval

 

 

Após análise técnica do teor das decisões, a conclusão inevitável, porém, é que as soluções adotadas são irretocáveis. Direito é ciência e como tal tem sua lógica, regras e técnica próprias. A análise de decisões judiciais não pode e nem deve perder de vista essa perspectiva.

 

Cautela e coerência

É bem verdade que as decisões judiciais, principalmente as do Supremo Tribunal Federal, têm componentes políticos e repercussões muitas vezes econômicas e sociais. Porém, tais atos não podem ser entendidos apenas por esses prismas. As decisões judiciais são antes de tudo fenômenos jurídicos e devem ser adequadamente interpretados como tal.

 

No caso das decisões do ministro Toffoli acerca dos acordos de leniência, é crucial reconhecer que tiveram natureza cautelar. Sua validade, portanto, é temporária e faz todo sentido dentro de uma lógica jurídica. Vejamos.

 

As empresas citadas alegaram estar sofrendo prejuízos altíssimos em razão de pagamentos de acordos que foram celebrados a partir de conluio entre investigadores e juiz.

 

Tendo em vista que inúmeros outros casos foram objeto dessa combinação espúria — inclusive delações da própria empresa envolvida foram anuladas por irregularidades —, entendeu por bem o ministro suspender temporariamente os pagamentos até que se apure a existência ou não de ilegalidades na celebração dos acordos.

 

Importante ressaltar que essas decisões não implicam perdão de multas, cancelamento de acordos ou anulação de processos, como amplamente alardeado pela mídia e redes sociais. Pelo contrário, demonstram a aplicação cautelosa e coerente do Direito em casos complexos.

 

Veja-se que, no caso da J&F, o ministro, inclusive, negou um pedido da empresa, porque descabido, destinado a anular a venda da companhia de celulose Eldorado.

 

Terraplanismo jurídico

 

Infelizmente, é comum ver palpites superficiais e muitas vezes maledicentes sendo utilizados para explicar decisões judiciais.

 

Não foi a primeira e não será a última vez que veremos terraplanistas do Direito explicarem fenômenos jurídicos através de teorias de conspiração.

 

Como bem colocou o eminente ministro Celso de Mello à ConJur, a decisão do ministro Toffoli constitui “ato decisório revestido de fundamentação tecnicamente correta e juridicamente idônea, assentado, ainda quanto a sua motivação, em autorizado magistério doutrinário e em precedentes relevantes do Supremo Tribunal Federal”.

 

Como se vê, as decisões são coerentes, corretas e absolutamente lógicas, até porque do que adiantaria reclamar da ilegalidade em acordos depois de suportar o pagamento de pesadíssimas multas, as quais podem vir a ser declaradas indevidas?

 

Em um cenário onde especulações vicejam, deve-se desafiar a narrativa simplista, sensacionalista e, por muitas vezes, maldosa na interpretação das decisões judiciais que acabam por minar a confiança no sistema jurídico bem como a credibilidade dos magistrados. Só assim preservaremos a integridade do Estado democrático.