Em sua live que faz toda semana pelas redes socias, o presidente Jair Bolsonaro, mais uma vez causa estragos a seu próprio governo. Dessa vez ele mentiu ao dizer que o 13 salário para os beneficiários do bolsa família, não foi pago devido ao fato de não ter sido colocado em votação pelo presidente da Câmara Rodrigo Maia.
Fato que notoriamente não se sustenta. A decisão de não pagar partiu do próprio governo federal, que não poderia arcar com os custos. Em resposta, Maia "ameaçou" voltar atrás e votar a proposta, o que fez com que membros do governo tivessem que agir para arrumar a situação. O ministro da Economia, Paulo Guedes , o líder do governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros (PP-PR), e o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos , desde a manhã de hoje, tentaram traçar uma estratégia para minimizar os estragos da declaração do presidente, além de impedir a aprovação do pagamento, que danificaria os cofres públicos.
Tomando como base esses fatos o jornal O Estado de São Paulo fez publicar editorial que O Paralelo 13 republica para seus leitores vale a pena.
A mentira e o mito
É impressionante a quantidade de mentiras que o presidente Jair Bolsonaro é capaz de contar sem alterar o pulso apenas para sustentar uma narrativa política que o beneficie. Na live do dia 17 passado, transmitida no Facebook, o presidente afirmou que “não teve 13.º do Bolsa Família este ano porque o presidente da Câmara dos Deputados deixou a MP (da prorrogação do auxílio emergencial) caducar”. E quem quiser reclamar, que “vá cobrar do presidente da Câmara”.
Rodrigo Maia reagiu imediatamente. Primeiro, disse que o presidente é um “mentiroso”. Depois, pautou para ontem, horas após o ataque que sofreu, a votação da Medida Provisória (MP) 1.000/2020, que prorrogou o pagamento do auxílio emergencial para mitigar os efeitos adversos da pandemia, que dá sinais de recrudescimento. Seria no âmbito desta MP que o pagamento do 13.º do Bolsa Família seria tratado. Exposta a mentira do presidente e dado um bom susto nele e em sua equipe, o presidente da Câmara retirou a MP da pauta.
Se não houver pagamento do adicional do Bolsa Família neste ano, é porque o presidente e seus articuladores políticos foram incapazes de negociar com o Parlamento a fonte de financiamento do benefício. Não há dinheiro para bancar a demagogia do presidente da República. Esta é a razão principal, entre outras, para que a MP não tenha sido votada até agora. Para custear o pagamento extra do Bolsa Família neste ano, benefício instituído por Bolsonaro no fim do ano passado, teria de haver remanejamento de recursos orçamentários já destinados a outros fins. E isto implica negociação política, algo que Jair Bolsonaro não sabe e não quer fazer. Nunca quis.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, foi claríssimo. “Sou obrigado, contra a minha vontade, a recomendar que não pode ser dado o 13.º do Bolsa Família”, disse Guedes em entrevista coletiva ao final da apresentação do balanço de fim de ano. “É lamentável”, prosseguiu o ministro, “mas (Jair Bolsonaro) precisa escolher entre cometer um crime de responsabilidade e a lei.” É, pois, de impeachment que se está falando.
Caso o 13.º do Bolsa Família fosse pago pelo segundo ano consecutivo, configuraria uma despesa permanente, exigindo, portanto, que o Executivo a compensasse por meio do corte de despesas ou aumento permanente de receitas. O corte, segundo o ministro Paulo Guedes, foi “impossível pelo pandemônio da pandemia”. Tampouco houve aumento de receitas de forma permanente.
Não por outra razão, após a reação de Rodrigo Maia, os apoiadores de Bolsonaro na Câmara se apressaram para tentar retirar a votação da MP da pauta. Isto dá a ideia da balbúrdia que é a administração de Bolsonaro, cujo governo não é outra coisa senão um “deserto de ideias”, como o próprio Rodrigo Maia já havia qualificado em entrevista ao Estado.
Estivesse genuinamente preocupado com o bem-estar social e econômico de seus compatriotas, Bolsonaro teria se dedicado com afinco à construção de uma agenda programática mais robusta para enfrentar esta crise sem precedentes. Teria aberto canais de diálogo permanente com o Congresso e a sociedade. Teria pensado em políticas públicas e fontes de financiamento. Teria assumido o papel de líder da Nação no momento mais dramático de sua história recente. Mas nenhuma causa parece ser capaz de engajar o presidente a não ser a sua inoportuna campanha pela reeleição e a garantia de noites de sono tranquilo para os seus filhos.
Se “mito” é um termo que pode ser associado a Bolsonaro, em poucas situações é mais aplicável do que à sua suposta preocupação com o bem-estar econômico e social dos mais carentes. Basta lembrar que, a depender da vontade de Bolsonaro, o auxílio emergencial que garantiu a sobrevivência de milhões de brasileiros no curso da pandemia não teria passado de três parcelas de R$ 200.
Bolsonaro jamais foi tocado pela compaixão, como mostram seus mais de 30 anos de vida parlamentar. Uma vez alçado à Presidência da República, mostra que nada mudou, para infortúnio dos brasileiros que têm de lidar com duas tragédias: uma crise sanitária e a acefalia governamental.