Por Edson Rodrigues
Em uma excelente entrevista ao Jornal Correio Braziliense, o ex-ministro e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal traçou um panorama do atual momento político e institucional do País e sobre a pressão enfrentada pela presidente Dilma Rousseff no comando do País.
Ayres Brito acredita em um grande pacto pela governabilidade, já que Dilma não reúne mais condições de comandar os destinos do País sem o apoio de toda a categoria política.
O Paralelo 13 Reuniu os melhores trechos da entrevista, sem tirar o cerne do que foi exposto pelo ex-ministro.
Quase três anos depois de deixar o Supremo Tribunal Federal e de ter comandado o julgamento do mensalão, o maior da história recente do país, o ministro aposentado Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto está cada vez mais atento ao cenário político brasileiro. O volume de trabalho é o mesmo da época da Corte, cerca de 12 horas diárias. O que mudou foi a rotina. “Agora, sou eu quem defino a minha agenda”, disse ele, no fim da tarde da última quinta-feira, na ampla sala do escritório de advocacia do Lago Sul.
Ali, voltou a exercer a profissão depois da aposentadoria do STF, em 2012. “Eu sou muito de virar a página, de viver intensamente cada instante. Eu sou de fazer do breve o intenso. Então, os 10 anos que eu vivi ali no STF foram vividos intensamente. Quando eu saí, continuei sendo essa pessoa que faz de cada instante uma imensidão de possibilidades.”
Durante a entrevista, Ayres Britto comparou o processo do mensalão com o julgamento da Lava-Jato e analisou a atual situação da presidente Dilma Rousseff: “Ela já não reúne nenhuma das três qualidades de um presidente”. Mas, antes de tudo, se mostrou um otimista com o Brasil. O motivo para tamanha esperança está na Constituição.
"Estamos caminhando para um grande pacto", avalia ex-presidente do Supremo
Ayres Brito define assim o atual momento político: “todo mundo tem um modo personalíssimo de ver as coisas. Tenho experimentado um misto de desalento e de alento. Aí você pode dizer que são sentimentos contraditórios, mas eu explico. O desalento é perceber que a corrupção no Brasil é sistêmica, é atávica, é impressionante. Isso me remete, desalentadoramente, ao padre Antônio Vieira, por volta de 1650, 1654, ele disse num trocadilho muito bem colocado: “Os governadores chegam pobres às índias ricas e retornam ricos das índias pobres”. Ou seja, os governadores eram saqueadores mesmo. Raspavam até o fundo do tacho, saqueavam o erário, o patrimônio das colônias. Então, a gente percebe que o principal ponto de fragilidade estrutural do país é a corrupção.
O motivo de alento é que a Constituição combate a corrupção. No artigo 37, está dito: os atos de improbidade administrativa importarão perda da função pública. Suspensão dos direitos políticos, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário. Melhor impossível. A Constituição joga duro com a corrupção”, sentenciou.
Sobre a crise vivida pelo País, o ministro afirmou que confia nas instituições: “escrevi um artigo intitulado “Deus salve a rainha ou salve-se quem puder”. A rainha é a Constituição. Estamos em crise, crise econômica, crise política, é verdade. É uma crise de existência coletiva. Mas não é uma existência de crise. Para resolver, é só você não sair do esquadrio da Constituição. A Constituição contém todos os antídotos que nos permitem sair da crise. A Constituição pegou as instituições criadas por ela, penso no parlamento, no Executivo, no Ministério Público, e dividiu em dois blocos. Primeiro, o bloco das instituições que governam, o Executivo e o Legislativo, que são poderes eminentemente políticos da República, eleitos pelo povo. E o outro bloco é das instituições que impedem o desgoverno, a polícia, o MP, os tribunais de Contas e o Judiciário. Enquanto essas instituições impeditivas de desgoverno funcionarem, a vaca não vai para o brejo. E, de fato, mais e mais o segundo bloco funciona bem. Você tem o Ministério Público que é o melhor do mundo. Você tem a imprensa no Brasil.
Enquanto as instituições do segundo bloco funcionarem, nós sairemos, sim, desse impasse. É uma questão de tempo”, afirmou.
Sobre a presidente Dilma, Ayres Brito é didático: “a presidente é figura central, é chefe do Poder Executivo. Aqui no Brasil é o seguinte: o Poder Executivo é muito forte porque o titular tem três chefias. Ele é chefe da administração pública, das atividades administrativas e dos serviços públicos. Exige-se dele que seja um gerente, mas ele não é só isso. Ele é chefe do governo. Não confundir governo com administração. No governo, ele não precisa da mediação da lei para agir. Por isso, o primeiro princípio do artigo 37, que cuida da administração pública, é a legalidade. Sem lei, o cargo de administrador está com o freio de mão puxado. Mas como governo, ele não precisa da lei. Por exemplo, ele não precisa da lei para vetar a lei, um projeto de lei. Ele é chefe de governo e só precisa da Constituição. E é chefe da administração pública, e aí precisa da Constituição. Mas ele também exerce uma terceira chefia. Ele é chefe de Estado, protagoniza as relações internacionais do Brasil. Chefe da administração, chefe do governo e chefe do Estado. É muito poder, é imperial. Aí você exige que o presidente seja um estadista, um governante e um administrador. Quando falha nas três, a coisa fica delicada. E parece que é a situação da Dilma. Já não se reconhece nela nenhuma das três qualidades. O que se espera de Dilma? Ainda nos marcos da Constituição, ela foi eleita para governar quatro anos. Foi eleita democraticamente. E o que se espera? O desafio dela é se reinventar.
Ela não está conseguindo fazer o que precisa, eu concordo. Mas, se ela não recupera o prestígio, decai da confiança do povo quanto às três exigências jurídicas para o titular do Poder Executivo, boa gerente, boa chefe de governo e uma estadista. Aí vêm as outras saídas igualmente constitucionais. Quais seriam? Renúncia, impeachment, sim. Acho que só cabe impeachment para os atos apurados no curso do mandato atual. O cargo é o mesmo, mas os mandatos são dois. Duas eleições, duas diplomações. Duas posses, dois exercícios. Então, ela só reponde por crime de responsabilidade, ensejador do impeachment, se ela cometer um daqueles crimes arrolados pelo artigo 85 no atual mandato. Mas ela está blindada? Não. Você tem a instância penal, a instância eleitoral e está com três processos na Justiça Eleitoral, tem a instância de contas.
O atual processo que ela enfrenta não é por crime de responsabilidade. É crime eleitoral. É preciso entender o seguinte: os crimes de responsabilidade, ali no artigo 85, são também comuns, são eleitorais, são infrações de contas, são infrações civis. Por exemplo, improbidade administrativa, as instâncias não se confundem. A Constituição aperta o cerco contra o governante infrator. Você tem a instância política, que é o impeachment, você tem a instância de contas, que é o TCU, você tem a instância penal, que é o Supremo Tribunal Federal. Você tem a instância civil, por exemplo, improbidade administrativa. Então, quando a gente diz que ela está livre do impeachment por atos praticados no primeiro mandato, as pessoas dizem: “Então, você está blindando a presidente”. Não confunda as coisas. Quanto a crimes de responsabilidade, ela só responde pelo que praticar no atual mandato. É por isso que a Constituição diz assim: artigo 85, são crimes de responsabilidade atos do presidente da República que atentem contra. Não é que atentaram. Se ela perder o cargo será pelo Poder Judiciário”, sentenciou.
Sobre a hipótese de o Congresso querer apear Dilma do Poder, o ex-ministro dos STF diz ser pouco provável: “somente se ela cometeu crime de responsabilidade no exercício do mandato. Ao que se sabe, ela não ocorreu nesses seis meses em crime de responsabilidade. Agora, ela está sujeita às outras instâncias de julgamento. Aí viria outra saída que está se cogitando. Seria o parlamentarismo. Aí uma discussão terá de ser travada.
Aí é preciso, como sempre, muita cautela. Vamos evitar precipitações. Via plebiscito parece que não seria possível. Quando a Constituição, nas disposições transitórias, disse que dentro de cinco anos haveria um plebiscito para o povo decidir sobre a forma de governo, República ou Monarquia, e sobre o sistema de governo, presidencialismo ou parlamentarismo, tudo faz crer, em uma análise fria e científica, que aquele ato suspendeu a cláusula pétrea da República e do presidencialismo. Foi uma vez só que se deu ao povo a oportunidade de falar sobre esse tema. Via plebiscito então não pode. E via emenda à Constituição? Se for realmente cláusula pétrea, também não.
Aí a renúncia que se apresentaria. Mas se ela não quiser renunciar, não pode ser forçada. É ato unilateral e espontâneo.
Sobre a permanência de Dilma no poder com todas as pressões que vem sofrendo, Ayres B rito fala em agonia: “serão três anos de agonia. A menos que outra saída apareça. O brasileiro é muito inventivo. Uma vez perguntaram a Mário Quintana: “O que é imaginação?”, e aí ele disse: “A imaginação é a memória que enlouqueceu”. Quando você esquece que tem memória, você se desacumula de conhecimento, se descarta dos preconceitos, a mente fica uma espécie de tábua rasa. Eu evoluo quando esvazio o meu armário de tudo quanto nele guardei. E evoluo mais ainda quando jogo o próprio armário fora. Só resta o vazio. O povo brasileiro tem essa capacidade impressionante.
Pode haver união de forças antagônicas para segurar esse sangramento. Quando se compreende que todos estão no mesmo barco, se ninguém tentar ajudar os timoneiros, o barco naufraga. A não ser, o espaço do fisiologismo, do salvacionismo, do golpe.
Quando a coletividade sente que é hora de fazer destino começa a raciocinar na linha do que disse o presidente Kennedy, em seu discurso de posse, em plena guerra fria. Ele disse: “Esse momento não é de perguntar o que os EUA podem fazer por ele. Cada cidadão tem que perguntar o que pode fazer pelos Estados Unidos”. Acho que esse momento chegou. O momento é de cada um perguntar o que pode fazer pelo Brasil.
As coisas estão se encaminhando naturalmente para um grande pacto nacional com a presidente Dilma no poder ou sem. Esse pacto virá”, sentenciou.
QUEM É CARLOS AYRES BRITO
Bacharel em Direito (1966), pela Universidade Federal de Sergipe, instituição da qual se tornaria professor, é mestre (1982) e doutor (1998) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Na sua trajetória profissional, ocupou, em Sergipe, os cargos de Consultor-Geral do Estado no governo José Rollemberg Leite (1975-1979), Procurador-Geral de Justiça entre 1983 e 1984, e Procurador do Tribunal de Contas do Estado. Em 1990, foi candidato a deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores, porém não foi eleito.
Em 2003, foi nomeado pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal, em virtude da aposentadoria do ministro Ilmar Galvão. Presidiu o Tribunal Superior Eleitoral no período de 6 de maio de 2008 a 22 de abril de 2010, sucedendo ao ministro Marco Aurélio e sendo sucedido pelo ministro Joaquim Barbosa. Foi considerado pela Revista Época um dos 100 brasileiros mais influentes do ano de 2009. Foi eleito presidente do STF em 14 de março de 2012, com posse no cargo em 19 de abril, onde permaneceu até 18 de novembro de 2012, quando completou 70 anos e, conforme a regra do artigo 40, § 1º, II da Constituição Federal, foi aposentado compulsoriamente.
Após deixar o STF, retornou à advocacia e tornou-se presidente da Comissão Especial de Defesa da Liberdade de Expressão da Ordem dos Advogados do Brasil.
É autor de diversas obras jurídicas e de poesia. Conferencista requisitado, é membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e da Academia Sergipana de Letras.