Caso o Congresso aprove a implantação do distritão para as eleições de 2022, cerca de 70% dos votos válidos para deputado federal podem ser desprezados, ou seja, não terão valor algum, equiparando-se aos nulos e brancos
Por Bruno Boghossian
Levantamento feito pela Folha com base na eleição de 2018 aponta que, se o distritão estivesse valendo naquele ano, 68 milhões dos quase 100 milhões de eleitores que escolheram um candidato a deputado federal teriam dado um voto sem nenhuma influência na distribuição das 513 vagas da Câmara.
Isso ocorreria porque, diferentemente do atual modelo, o proporcional, o novo sistema tem como uma de suas principais características o descarte da maior parte dos votos válidos.
No formato em vigor hoje, a distribuição de vagas na Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais é feita proporcionalmente à soma total dos votos recebida por cada partido —ou seja, entram na conta os votos dos eleitos, dos derrotados e os da legenda.
O principal objetivo desse modelo é aumentar a representatividade no Legislativo, fortalecer os partidos e refletir de forma mais fidedigna a vontade do eleitorado como um todo.
O distritão é um sistema majoritário. Isso significa que são eleitos os candidatos mais votados em cada estado ou município. Não existe voto na legenda. E os votos direcionados aos derrotados, além dos direcionados em excesso aos eleitos, não têm nenhum efeito.
Ou seja, em 2018 apenas a opção de 30 milhões de brasileiros que escolheram um candidato a deputado federal em todo o Brasil teria tido peso —um contingente de votos válidos que representa mais do que o dobro disso, vindo de 68,4 milhões de eleitores, seria descartado.
Derrotado já por duas vezes pela Câmara, nos últimos anos, o distritão voltou novamente à ordem do dia pela pressão de deputados que temem não conseguir se reeleger pelo atual modelo.
Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados
O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), deu impulso à discussão, que está em uma comissão especial, mas tem dado sinais de que pode ceder à pressão de dirigentes partidários que são contra a mudança.
Para valer em 2022, o novo modelo tem que ser aprovado e promulgado até o início de outubro pelo Congresso, com o apoio de pelo menos 60% dos deputados federais e senadores.
Especialistas apontam que o distritão enfraquece os partidos e fortalece o personalismo, com tendência de beneficiar políticos bem colocados e celebridades.
Os números de 2018 mostram o impacto dessa possível mudança. Caso o distritão fosse o sistema vigente naquela disputa, 16 milhões de votos dados pelos eleitores de São Paulo para deputado federal não teriam influência na escolha dos 70 parlamentares do estado.
O recordista Eduardo Bolsonaro (PSL), com 1.843.735 votos, e o 70º colocado, Abou Anni (PSL), com 69.256, teriam o mesmo peso na disputa.
No sistema proporcional, os 1.774.479 votos excedentes de Eduardo Bolsonaro entram na conta que define a distribuição de vagas para cada partido e ajudam a “puxar” outros candidatos da mesma sigla. No distritão, eles seriam desprezados.
Em 2018 houve uma onda nacional em torno da candidatura de Jair Bolsonaro, então no PSL, o que elevou o número de cadeiras do partido na Câmara dos Deputados. Se o distritão estivesse em vigor naquele ano, o PSL teria 10 vagas a menos. Na outra ponta, o PSDB teria 12 a mais.
O cientista político Jairo Nicolau aponta que o distritão reduz a representatividade do eleitorado na política.
“Eu voto em alguém que perdeu e não tenho uma repescagem para esse voto, para fazer com que ele tenha alguma representação. O distritão leva isso ao extremo. Se eu voto em alguém que não entrou, esse voto tem o mesmo peso de um voto nulo ou em branco”, diz.
Já Carlos Melo, professor do Insper, afirma que o país deveria esperar o resultado de reformas eleitorais recentes, como o fim das coligações —que dificultou a eleição de candidatos de partidos nanicos—, antes de votar novas mudanças.
Ele destaca que o distritão aumenta o personalismo nas eleições para Câmaras e Assembleias Legislativas.
“Favorece o BBB, a celebridade despolitizada, o cara que tem mais dinheiro ou que tem uma máquina por trás, uma igreja ou uma organização da sociedade civil. Mas prejudica muito a disputa entre iguais”, declara.
No modelo do distritão, o percentual de votos desprezados varia de estado para estado, a depender do desempenho dos candidatos.
No Distrito Federal, no Rio e em São Paulo, a lista de deputados eleitos seria formada com pouco mais de 20% dos votos válidos. Os demais não teriam influência na distribuição de vagas. Já no Tocantins, 45% dos votos válidos entrariam na escolha dos 8 deputados federais do estado.
Em 2018, o uso do distritão teria feito com que 64 das 513 cadeiras da Câmara mudassem de dono. Os principais beneficiários desse modelo seriam políticos veteranos, que acabaram ficando sem vaga com o sistema proporcional.
São os casos de Julio Lopes (PP-RJ), Leonardo Picciani (MDB-RJ), Marcus Pestana (PSDB-MG), Ronaldo Nogueira (PTB-RS) e Missionário José Olímpio (DEM-SP).
O distritão teria deixado de fora da Câmara candidatos que se beneficiaram dos votos dados em suas coligações e que não teriam votos suficientes para se eleger sozinhos.
Ficariam sem vagas Fábio Faria (PSD-RN), Celina Leão (PP-DF), Major Vitor Hugo (PSL-GO), Daniel Silveira (PSL-RJ), Orlando Silva (PC do B-SP) e Joenia Wapichana (Rede-RR).
Um dos argumentos a favor do distritão é a simplicidade de um modelo que elege apenas os mais votados, em comparação com o mecanismo complexo de distribuição de vagas do sistema proporcional.
O distritão também acaba com o fenômeno Enéas Carneiro ou Tiririca, grandes puxadores de voto que levaram para a Câmara colegas de partido com pequena votação.
Jairo Nicolau afirma que o argumento da simplificação do sistema não deveria ser suficiente para justificar a mudança.
“Muita gente não sabe que hoje o voto é agregado por partido e coligação; O voto é partidário, vai para uma cesta. De fato, o distritão é mais simples, mas a simplicidade é um fator lateral na escolha de um sistema eleitoral”, diz.
Carlos Melo afirma que “não há sistema perfeito”, mas diz que o distritão tem mais problemas do que virtudes.
“O voto proporcional, com todos os problemas que ele tem, traz a pluralidade da sociedade. Você respeita o poder que o partido teve. É bom saber que, quando você vota num deputado de um partido, mesmo que ele não se eleja, esse voto vai valer para um outro candidato desse mesmo partido. É um mal menor.”
No começo do mês um grupo de 35 entidades e especialistas lançou uma campanha para tentar barrar retrocessos na lei eleitoral, entre elas a adoção do distritão.
"No sistema majoritário, ocupam as cadeiras os candidatos individualmente mais votados, sem importar a quantidade de votos recebida pelo seu partido. Isso enfraquece os partidos, dificulta a representatividade de minorias no Parlamento e favorece os candidatos que já são muito conhecidos ou que têm dinheiro para fazer campanhas mais caras", diz manifesto feito pelo grupo.
Proporcional x distritão
Congresso avalia, mais uma vez, aprovar emenda à Constituição para alterar o sistema de eleição de vereadores, deputados estaduais e deputados federais
COMO É HOJE
Sistema proporcional
O eleitor vota em candidatos ou na legenda
As cadeiras são distribuídas com base na votação total do partido e de todos os seus candidatos, mesmo aqueles que não forem eleitos
Por isso, às vezes um candidato é eleito mesmo recebendo menos votos do que um concorrente. Basta ele pertencer a um partido que tenha reunido, no total, mais votos (na legenda e na soma dos candidatos)
PROPOSTA
Distritão
São eleitos os mais votados em cada estado
Por exemplo: em São Paulo, os 70 candidatos mais votados preenchem as 70 cadeiras do estado na Câmara
Os votos em candidatos não eleitos não influenciam a distribuição das cadeiras. Os votos dados em excesso aos eleitos também não —se um candidato recebeu 500 mil votos, mas bastariam 100 mil para se eleger, os 400 mil excedentes não têm peso
SE O DISTRITÃO ESTIVESSE VALENDO EM 2018
30,5% dos votos válidos elegeriam os 513 deputados
69,5% dos votos válidos não teriam nenhum peso nessa eleição
Com isso, 68 milhões de votos para deputado seriam desprezados
No Distrito Federal, 78% dos votos não teriam peso
No Acre, esse índice seria de 55%
Exemplos de parlamentares que teriam ficado sem vaga na Câmara:
Daniel Silveira (PSL-RJ)
Fábio Faria (PSD-RN)
Joenia Wapichana (Rede-RR)
Exemplos de parlamentares que teriam conseguido vaga na Câmara:
Missionário José Olimpio (DEM-SP)
Leonardo Picciani (MDB-RJ)
Ronaldo Nogueira (PTB-RS)