Ex-presidente recebeu a equipe do jornal O TEMPO e rádio Super 91,7 FM em seu escirtório em São Paulo. Na entrevista, ele falou sobre a terceira via, frisou que os integrantes do centrão foram eleitos pelo voto democrático e admitiu não ser possível governar sem maioria no Legislativo
Por MARINA SCHETTINI E RICARDO SAPIA / O Tempo
Foi em escritório amplo, de decoração sóbria e elegante, no sofisticado bairro Itaim Bibi, em São Paulo, que o ex-presidente Michel Temer (MDB) recebeu a equipe do jornal O TEMPO e da rádio Super 91,7 FM. Entusiasmado com sua volta ao cenário político, Temer se disse surpreso com a repercussão, inclusive econômica, de sua intervenção na crise institucional entre Planalto e Supremo. Falou sobre a terceira via e relembrou momentos polêmicos, como o impedimento de Dilma e o vídeo em que supostamente discutia pagamento de propina. O ex-presidente ainda frisou que é preciso respeitar o fato de os integrantes do centrão terem sido eleitos pelo voto democrático e admitiu ser impossível governar sem maioria no Legislativo. Confira abaixo a entrevista:
Presidente, vamos começar falando sobre o retorno do senhor à cena política, como um apaziguador. Ao longo da minha vida, eu sempre preguei a pacificação nacional. O que não significa que não possa haver divergência doutrinária, programática, administrativa e até ideológica, mas não pode haver o que há nos dias atuais, que é uma divergência quase física. Muitas vezes, as pessoas vêm me consultar, trocar ideias. E, quando posso, dou alguns palpites. Mas o interessante, na sexta-feira que antecedeu o 7 de Setembro, foi que recebi muitos pleitos no sentido de dizer, “olha, Temer, você poderia colaborar um pouco por essa distensão no país”. Eu disse “o que eu posso fazer?”. Absolutamente nada, mas veja que interessante como roda o universo. Na quarta-feira, dia 8, às 20h, o presidente me liga gentilmente para perguntar o que eu achei do movimento nas ruas. Eu disse: “o senhor levou muita gente para as ruas, agora seu discurso, se me permite dizer, não foi apropriado para um presidente da República, porque agredir um ministro do Supremo publicamente é muito equivocado, até para o país”. Ele disse que queria paz: “O senhor sabe que eu estou querendo paz, tranquilidade. E o senhor é muito amigo do ministro Alexandre (de Moraes), e eu queria transmitir essa mensagem de pacificação”. Naquela noite, eu converso com o Alexandre e digo: “olha, o presidente me ligou”. E o ministro disse: “você sabe que eu só decido juridicamente, eu não tenho nada contra o presidente, nem contra a família dele, nem contra os amigos”.
O senhor acredita que o recuo de Bolsonaro será duradouro ou foi apenas uma estratégia diante da repercussão ruim dos atos de 7 de Setembro? O que ele falou com Moraes na conversa que o senhor intermediou? Só me lembro de uma primeira parte, e é até aqui que posso contar, sobre uma brincadeira que ele fez com o ministro Alexandre. Ouvi-o (Bolsonaro) dizendo: “o ministro é corintiano, e eu sou palmeirense. É sobre a única coisa que vamos brigar”. Eu senti que a conversa foi cordial e que distensionou. Mas (a repercussão) veio logo, pois quando saí me mostraram já a reação da bolsa com um pico para cima e o dólar caindo. Acho que vai perdurar (a mudança de postura). Dias depois, ele (Bolsonaro) fez uma fala no Planalto sobre a união dos Três Poderes. E eu torço até para que isso perdure.
Por que a terceira via não deslancha? Tem algum nome com viabilidade? Essa história da terceira via, muito mais que homenagem ao eventual candidato, é uma homenagem ao eleitorado. O eleitorado entre dois polos, se ele não quiser um desses dois polos, ele tem opção. E eu percebo é que os pré-candidatos hoje estão se lançando como candidatos. A significar, portanto, que a chamada terceira via vai espalhar muitos votos. O que vai enfatizar a ideia da polarização. Digo e reitero: seria extremamente útil se tivesse outra opção. O povo pode escolher entre um dos polos. Foi eleito, pronto, acabou. Agora, para dizer quais dos nomes, são tantos que eu não sei quem poderia ser bem-sucedido.
O senhor acredita que ainda há tempo para construir uma aliança e apresentá-la ao eleitor para 2022? Tem tempo de sobra. A campanha eleitoral tem 45 dias, significando, portanto, que os candidatos a presidente serão lançados lá pelo fim de agosto, começo de setembro. Estamos a um ano das eleições. E, na política, isso eu aprendi com os mineiros, as coisas podem mudar de um dia para o outro. Você tem muito tempo para escolher um candidato. Volto a dizer: pelo cenário atual, acho difícil a escolha de um único nome. Mas, para ser coerente, eu preciso dizer que nada do que eu digo aqui está definido. Muita coisa está por acontecer.
A pesquisa mais recente do Instituto DataTempo mostra que o brasileiro quer mudanças na forma de conduzir o país. E um terço da população quer a chamada terceira via. Uma possibilidade de uma terceira via é uma vontade do eleitorado. Há alguns meses, eu percebi que partidos estavam conversando sobre pré-candidaturas a fim de ver, mais na frente, quem estaria mais bem colocado. Só que esses nomes já são conhecidos. Eu reitero que seria extremamente útil que tivesse outra opção. São tanto nomes que eu não sei quem poderia ser bem-sucedido. Tem outra coisa também: estamos há um ano da eleição, e isso não deve se concretizar.
O senhor aceitaria ser esse nome da terceira via para 2022? Isso não está no meu horizonte e acho difícil acontecer. Já fui três vezes presidente da Câmara dos Deputados, secretário, vice e presidente da República. Evidentemente, se um dia o Brasil inteiro viesse e dissesse “vamos colocar você lá”, aí muito bem, eu vou para o sacrifício, mas não está no meu horizonte.
Assim como o ex-presidente João Batista Figueiredo, o senhor disse, em outras palavras: “vocês vão sentir a minha falta”, e reapareceu agora, mais uma vez, em um momento difícil economicamente. Quando o senhor assumiu lá atrás, a esquerda chamava o senhor de “golpista”. O que foi mais difícil para o senhor: a prisão ou ser chamado de “golpista” durante o impeachment? Não foi uma prisão, foi um sequestro praticado pelo poder público, sem que houvesse um processo sequer formatado. Foi filmado, um espetáculo. Hoje eu dou risada disso, mas foi muito difícil. Quanto à oposição depois que eu assumi, achei natural. Quem perde o poder fica na oposição. Não há um protesto meu contra os protestos. Meu pensamento era o seguinte: se eu ficar me envolvendo com os acontecimentos (críticas), eles vão se agravar. Eu pensava que tinha pouco tempo para governar e queria trabalhar, e o brasileiro sabe o que eu fiz: teto de gastos públicos, reforma do ensino médio, modernização trabalhista, queda da inflação, queda dos juros. A oposição às vezes te indica até um caminho, ela é importante na democracia.
E o senhor acha que a população agora sente sua falta? Não sei dizer. Tem muita brincadeira, muitos memes, como “volta, Temer”. De fora, gente que acha que posso ser candidato, etc. Eu tomo isso como um reconhecimento ao meu governo. E era um reconhecimento que eu esperava que viesse historicamente, só daqui a dez anos, e que começou logo depois que eu saí do governo.
O senhor tem participado da costura para 2022 dentro do MDB? E como tem visto essa conversa com o ex-presidente Lula depois de tantos ataques relacionados ao impeachment da Dilma? O MDB sempre foi uma federação de líderes, mas não é de hoje, desde o começo foi assim. E há alguns deles que eram adeptos do ex-presidente Lula e que pelo jeito assim continuam. E outros não, outros são inimigos.
Em qual ala do partido o senhor se encaixa: na a favor ou na contra ligações com o ex-presidente Lula? Vocês conversaram depois do impeachment? Nós não conversamos. Eu conversava muito com ele antes, bem antes, mas depois não tivemos oportunidade de nos encontrar nem de conversar. Em nenhum momento. E eu espero que o MDB tenha candidato (à Presidência). E se me perguntarem de qual lado estou, vou responder que estou com o MDB.
O centrão é o maior inimigo do Brasil? Quem está no centrão não chegou lá por uma centelha divina, chegou lá por conta da única autoridade que tem poder no Brasil, que se chama povo. Então quem está no chamado centrão chegou lé por conta do voto popular. Portanto tem que ter respeito pela mensagem popular. Agora, o que se pode dizer é o seguinte: “mas quem está lá não deveria estar”. Se não devia estar, faça-se campanha para modificar. Esta é a fórmula. É a democracia.
Como o senhor enxerga essa forma de operar do centrão, esta troca por cargos em uma negociação quase que por projeto? O senhor acredita que isso traz benefícios para o país? Muita gente diz que o governo não deveria acolher indicações do chamado centrão. Mas no presidencialismo você precisa ter maioria parlamentar, senão você não governa. Você manda projetos de emenda constitucional, você manda projetos de lei, você edita medidas provisórias que têm que ser convertidas em lei. Quem é que faz tudo isso? É o Legislativo. Se você não tiver maioria parlamentar, você não governa. Ora bem, se você disser. E se você disse que esse pessoal do centrão não pode indicar ninguém, nem pode ter nenhum palpite, você, coerentemente, como presidente da República, teria que dizer o seguinte “eu não quero o voto dessa gente, essa gente não serve para nada”. E daí você começa já como presidente da República perdendo 120, 130 votos no Parlamento. Você acha que é possível uma coisa dessas? Não tem jeito, a não ser que você mude o sistema, “democracia não vale nada, só vale para mim. Eu sou autoridade suprema e ponto final”.
Não chegou a hora de o país mudar de rumo e virar um parlamentarismo? Essa é a grande reforma política que o Brasil precisa. Não necessariamente o parlamentarismo puro, nem o presidencialismo puro, eu prego o semipresidencialismo, que significa que a figura do presidente é significativa e que tenha funções relevantes, uma cópia do sistema português, no qual o presidente tem direito de veto e sanção. O governo praticamente se descola para o Parlamento, e a função de governar o país passa a ser do Legislativo. As vantagens são: acabar com os traumas dos impeachments, o Legislativo passar a ser executor e termos só dois partidos: oposição e situação.
O senhor viveu o momento do impeachment da Dilma, em 2016, e ajudou a impedir que isso acontecesse com Bolsonaro há pouco. Em que os dois casos se assemelham e em que eles se diferenciam? Eu não fiz isso, não tentei evitar o pedido de impeachment (de Bolsonaro). Nem estava na minha pauta. Se o Congresso quisesse, teria aberto o processo de impeachment, e eu não poderia mudar isso. Não me arrependi de nada, eu só cumpri a Constituição, que diz o seguinte “se o presidente da República renuncia, falece, qualquer coisa assim, se o cargo fica vago, quem ocupa o cargo é o vice. É que nós aqui, no Brasil, temos um absoluto desprezo pela figura do presidente da República. E a figura do vice é sempre muito desprestigiada, historicamente. E eu não sei se Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade ou não. O julgamento do impeachment é político, de conveniência e de oportunidade. E são coisas diferentes. No caso da senhora ex-presidente, foram pedaladas fiscais, e milhões de pessoas estavam nas ruas. Quem derruba presidente é o povo na rua.
Um dos momentos mais tensos do senhor enquanto presidente da República foi a divulgação do vídeo por Joesley Batista em que o senhor dizia ‘tem que manter isso’ em uma suposta alusão a pagamento de propina. O que o senhor quis dizer com essa frase? O senhor pensou em renunciar? Não pensei nisso um segundo sequer, pois, se tivesse falado ou se pensasse, provaria que eu teria culpa no cartório. Mas você não falou da frase antecedente, que cinco dias depois verificou-se que não existia. A frase era: “estou dando dinheiro para fulano de tal para manter o silêncio dele”. Daí eu disse “mantenha isso, viu”. Mas não era isso. A frase era “eu sou muito amigo de fulano, sabe que eu tenho longa amizade, eu estou de bem com ele”. Eu digo “mantenha isso”, o estar de bem com ele, não dar dinheiro. Isso foi descoberto. Cinco dias depois, quando foi divulgada a gravação. E tem mais uma coisa. A certa altura, a gravação foi desmoralizada pela Justiça. O procurador apresenta uma denúncia de cem páginas, e o juiz de primeiro grau, em oito ou dez páginas, diz que é absolutamente imprestável, não precisa ouvir ninguém. Não precisa ouvir acusado, não precisa ouvir testemunha. Não precisa mais nada. Eu absolvo sumariamente porque não há o que fazer neste caso. E essa decisão já foi até convalidada pelo Tribunal Superior. Isso só serviu para tentar destruir o país naquele momento e, mais, para uma coisa que eles obtiveram, que foi não deixar votar a reforma da Previdência, que eu iria votar em duas semanas. Foi uma coisa montada e até para tentar derrubar meu governo. Mas eu resisti, continuei a governar, continuei evitando a queda da inflação, dos juros. Continuei a ter um PIB positivo. Foi uma barbaridade cívica.