Lula (PT) viaja para a China nos próximos dias deixando para trás um país que começa a ficar cada vez mais longe do pacto de pacificação prometido por ele em campanha
Por Matheus Pichonelli
Os tempos de beligerância do governo Bolsonaro (PL) deixaram marcas, e não só um presidente do Banco Central com mandato fixo.
É contra Roberto Campos Neto que Lula e o PT disparam os primeiros petardos para terem algum controle sobre a política de juros. Na quarta-feira (22), ao decidir pela manutenção da taxa básica de juros 13,75% ao ano e registrar em ata que na próxima pode ser pior, o Comitê de Política Monetária indicou que não aceita pressão e está pintando para a guerra.
“Preocupante” foi a palavra mais doce que partiu de algum integrante do governo ou do PT após a nota do Copom. Veio do ministro da Fazenda, Fernanda Haddad.
Não é a única crise que Lula e sua comitiva deixarão por aqui antes da viagem —e antes dos primeiros cem dias de governo.
A mais recente diz respeito ao petardo desnecessário em direção a Sergio Moro (União Brasil-RJ), que saiu da irrelevância parlamentar para reivindicar o papel de heroi na mira dos vilões que combateu na Lava Jato. Tudo foi dinamizado após a revelação de que quem queria se vingar do ex-magistrado era o PCC —tudo isso em meio a um intenso ataque de facções criminosas no Rio Grande do Norte.
Foi o suficiente para que a oposição, nas cordas desde a revelação do caso das joias sauditas, retomasse fôlego para aproveitar a brecha e linkar o desaforo do presidente com o plano criminoso da facção paulista.
Jair Bolsonaro (PL) não perdeu a chance. Em suas redes, ele escreveu: “Em 2002 Celso Daniel, em 2018 Jair Bolsonaro e agora Sérgio Moro. Tudo não pode ser só coincidência. O Poder absoluto a qualquer preço sempre foi o objetivo da esquerda. Nossa solidariedade a Sérgio Moro, Lincoln Gakiya e familiares. A CPMI assombra os inimigos da democracia”.
As ilações não têm nada com nada, mas servem como gasolina para incendiar uma militância que já virava brasa desde pelo menos a tentativa frustrada de tomar o poder à força em 8 de janeiro.
Como se fosse pouco, Lula ainda assiste com as mãos amarradas a uma disputa entre Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e Arthur Lira (PP) sobre o rito das medidas provisórias, alteradas para acelerar votações durante a pandemia e hoje objeto de revisão. O chefe do Senado quer uma coisa; o da Câmara, outra. Enquanto tentam, até aqui em vão, chegar a algum consenso, a agenda governista segue parada, em banho maria, no Congresso.
É lá que os dirigentes do centrão descobrem que não serão assim tão controlados como prometia o petista em campanha. Eles seguem em postos-chave de ministérios, estatais, autarquias e já encontram brechas para atualizar, de outras maneiras, o orçamento secreto.
Não sem produzir rachas na própria base.
Em entrevista ao jornal O Globo, o ex-governador Cid Gomes, líder do PDT no Senado, afirmou que Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais, “está levando o presidente Lula para uma tragédia”. “Se a defesa dele é que o centrão volte a mandar no governo, como mandou nos mandatos do Bolsonaro e do Michel Temer, vai levar o Lula para o buraco. No governo Dilma o centrão só se revoltou porque não mandou tanto quanto queria”.
A análise parte de um integrante da base do governo e pode ser lida como prenúncio.
O mesmo alerta foi feito por Cid Gomes quando ocupava o Ministério da Educação, na gestão Dilma, e decidiu bater de frente com o centrão, na época capitaneado por Eduardo Cunha (MDB-RJ).
Cid caiu pouco depois e o centrão ganhou no muque. O resto é história.