Da coluna por Notas & Informações - Folha de São Paulo
Tem horas que o Supremo Tribunal Federal (STF) se esforça por ser parte do problema, e não da solução. Em vez de rejeitar liminarmente uma ação inepta – a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 7331, contra a Lei das Estatais (Lei 13.303/2016) –, a Corte, por decisão liminar do ministro Ricardo Lewandowski, suspendeu, no dia 16 de março, trechos da lei. Trata-se de afronta ao Congresso e à Constituição.
Proposta pelo PCdoB, a Adin 7331 questiona os dispositivos que restringem as indicações, para empresas estatais, de conselheiros e diretores titulares de alguns cargos públicos ou que tenham atuado, nos três anos anteriores, na estrutura de partido político ou em campanha eleitoral. A Adin 7331 constitui caso paradigmático de judicialização da política. Tendo perdido no Congresso, o PCdoB foi ao Judiciário tentar reverter a derrota.
Na Lei das Estatais, não há nada que fira a Constituição. O Congresso tem competência para definir critérios e restrições para os cargos nas estatais e empresas de economia mista. É matéria que cabe ao Legislativo decidir. No caso da Lei 13.303/2016, foi a própria política quem definiu os limites para a política. Como dissemos neste espaço (Cabe ao STF rejeitar a judicialização da política, 20/2/2023), “mais legítimo e constitucional, impossível”.
Pode-se discutir se o Congresso estabeleceu os melhores critérios, se eles são adequados às atuais circunstâncias, se a experiência de quase sete anos de vigência da Lei das Estatais recomenda manter as restrições originais ou alterá-las. Há todo um vasto campo de estudo, debate e negociação sobre o tema. No entanto, em razão do princípio da separação dos Poderes e, principalmente, do próprio princípio democrático, cabe ao Legislativo, e não ao Judiciário, realizar esse debate. Questões políticas devem ser resolvidas pelos representantes eleitos, e não por juízes.
Defender a Constituição não é apenas impedir que leis inconstitucionais continuem vigentes. É também assegurar que as leis constitucionais produzam, sem obstáculos e entraves, todos os efeitos que o Congresso estabeleceu. Por isso, a Lei 9.868/1999, que disciplina o processamento das Adins e da Ação Declaratória de Constitucionalidade (Adc), determina que “a petição inicial inepta, não fundamentada, e a manifestamente improcedente serão liminarmente indeferidas pelo relator”. No entanto, não satisfeito em não rejeitar liminarmente a ação, o relator ainda deu liminar contra a lei.
O caso explicita um ponto importante, que afeta diretamente o funcionamento do Estado Democrático de Direito. Assim como existem decisões do STF perfeitamente técnicas e corretas que desagradam profundamente a parte considerável da população – e faz parte do regime democrático exigir que todos respeitem essas decisões –, há também leis perfeitamente constitucionais que desagradam profundamente às opiniões e opções políticas de ministros do Supremo. E também faz parte do Estado Democrático de Direito exigir que todos, também os integrantes do Judiciário, respeitem essas leis.
O juízo sobre a constitucionalidade de ato do Legislativo ou do Executivo não tem nenhuma relação com o exercício de escolhas políticas. São outros critérios, outros fundamentos e outros procedimentos. É por isso que este jornal tem profundas ressalvas, por exemplo, ao “controle de constitucionalidade” baseado em negociações políticas mediadas pelo Supremo. É muito positivo que haja composição entre as partes em disputas judiciais sobre bens e direitos disponíveis. Mas o respeito à Constituição não é um valor que se negocia.
Em conformidade com sua missão de defender a Constituição, cabe ao plenário do STF rejeitar a liminar do ministro Lewandowski. Ao contrário do que possa parecer à primeira vista, a decisão não fortalece o Supremo. Ao invadir as competências do Congresso, ela torna o STF submisso às vontades do Executivo e de quem perdeu na política. Em respeito à sua própria autoridade, o Judiciário tem o dever de devolver a palavra ao Legislativo.