Vice-presidente da Fiocruz diz trabalhar para não faltar vacina em agosto e setembro

Posted On Sexta, 14 Mai 2021 05:26
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Vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocuz, Marco Krieger Vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocuz, Marco Krieger

Biólogo Marco Krieger afirma que a instituição está negociando a compra de mais matéria-prima importada para garantir entregas até a liberação do imunizante produzido com insumo nacional pela Anvisa

 

Por José Fucs

 

O vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocuz, Marco Krieger, tem os números de entrega de vacinas contra a covid-19 na ponta de língua e a responsabilidade de monitorar todo o processo para antecipar possíveis problemas. Em entrevista ao Estadão, ele fala sobre a expectativa de fechar o contrato de transferência de tecnologia com a farmacêutica AstraZeneca ainda em maio e sobre o adiamento da entrega das vacinas que serão produzidas com insumo nacional.

 

Segundo Krieger deverá haver um gap de dois meses entre a entrega do último lote de vacinas produzidas com IFA (Insumo Farmacêutico Ativo) importado da China, prevista para julho, e o início da entrega do primeiro lote de vacinas fabricadas com IFA nacional, projetado agora para outubro. Para que a Fiocruz não deixe de entregar vacinas em agosto e setembro ao Programa Nacional de Imunização (PNI), ele afirma que está negociando a compra de mais IFA importado, que não estava prevista originalmente no cronograma. “Estamos trabalhando para ver se é possível cobrir esse gap com matéria-prima adicional de fora”, diz.

 

Há uma previsão de entrega de um total de 100,4 milhões de doses de vacina produzida com IFA importado pela Fiocruz até julho. Essa previsão será cumprida? O insumo necessário para isso já está no Brasil ou ainda falta alguma coisa para vir?

A gente deve receber todo o IFA até junho, mas demora um mês para liberar a vacina A gente até está batendo recorde de liberação, fazendo tudo em menos de um mês. Hoje, já está no Brasil o equivalente a 48 milhões de doses. Deste total, mais de 30 milhões de doses já foram entregues e tem mais 20 milhões que serão entregues com esse IFA. Basicamente, estamos já com metade do produto aqui, mais uma parte da outra metade já chegando neste mês e com uma capacidade de produção que nos deixa com confiança para que, em julho, a gente esteja muito próximo do compromisso das 100,4 milhões de doses com IFA importado. Temos 14 embarques previstos no nosso contrato e existe a possibilidade de haver mais um, por causa de rendimento. De qualquer forma, vamos receber mais dois lotes em maio e chegar a 10 dos 14. As liberações estão acontecendo. Mesmo com todos os problemas, esses lotes que estão faltando já estão produzidos e só não foram liberados porque depois ficam em controle de qualidade. A gente já sabe que o nosso contrato já está produzido, metade da matéria-prima já está aqui. Agora, para não exagerar nas expectativas otimistas, eu vou dizer que, hoje, a gente tem garantidas 50 milhões de doses para as quais o IFA já está no Brasil. Se chegar tudo, hoje temos uma capacidade de produção que excede a quantidade de matéria-prima que está disponível. A questão é que existe uma crise de matéria-prima no mundo. Então, a gente está num cenário que não depende apenas de nós.

 

Há ainda mais 8 milhões de doses prontas da Índia, de um total de 12 milhões contratadas. Quando isso deve chegar?

Elas não foram contratadas do ponto de vista orçamentário. O que aconteceu foi que, com o atraso na chegada do IFA (da China) que estava prevista para ocorrer em janeiro e com a situação dramática da pandemia no País naquele momento, principalmente em Manaus, a AstraZeneca sinalizou, como um sinal de boa vontade, que tinha 20 milhões de doses do Instituto Serum e poderia nos ceder metade disso, com o compromisso de chegar até abril, que também foi frustrado. Depois, acabaram dando 12 milhões de doses, das quais chegaram 4 milhões. Hoje, como a situação na Índia piorou muito, nem tenho muitas expectativas de que esse compromisso vai ser honrado tão cedo. Até porque o cenário inverteu. Hoje, o mundo está tentando ajudar a Índia, apesar de eles terem uma capacidade de produção espetacular. O cenário está muito complexo. Por sorte, o Brasil se preparou para produzir as vacinas aqui, porque estamos numa diplomacia de vacinas, uma coisa bem complicada, em que precisamos ver ainda como vai ser o desdobramento.

 

Em relação ao segundo semestre, a Fiocruz se comprometeu a entregar mais 110 milhões de doses com IFA nacional de agosto a dezembro. Só que, até agora, a assinatura do contrato de transferência de tecnologia, que está sendo negociado há meses, ainda não aconteceu. Em que medida isso pode afetar o cronograma?

Essa situação é inédita também em termos de negociação. Na pandemia, como esse processo tinha um componente de saúde global, ele teve um tratamento diferenciado pelas duas partes em relação a informação. Nós temos os nossos grupos técnicos reunidos desde agosto, discutindo os detalhes da tecnologia. Esse fluxo de informações nunca tinha acontecido antes na assinatura de um contrato desse tipo. Tanto que nós recebemos o certificado técnico e operacional em boas práticas da Anvisa e temos uma planta industrial pronta para produzir a vacina, porque toda as informações de transferência de tecnologia foram disponibilizadas para isso. Até o momento a não assinatura do contrato não teve impacto no nosso processo, mas é claro que essa situação tem de ser resolvida de uma forma séria, porque se não vai começar a impactar. Nós temos de resolver isso, porque se não vamos ficar sem essa ferramenta para o enfrentamento da pandemia.

 

Por que o contrato de transferência de tecnologia não foi assinado até agora?

Nós não conseguimos fazer antes, porque um contrato desse tipo costuma demorar um ano para ser negociado. Nós, em um ano, vamos fazer a internalização da tecnologia. O time técnico da Fiocruz tem que rever o contrato e em janeiro estava trabalhando nos registros. Nós fizemos dois pedidos de registro, cada um com mais de 10 mil páginas, e os dois foram aprovados. Não dá para pedir para esse pessoal parar de fazer o registro para cuidar do contrato. Depois, essa turma se envolveu no desenho da planta industrial, nas instalações, nos equipamentos. Vieram pessoas de fora para dar os certificados de que a gente precisava para obter o segundo registro. Foi um registro emergencial, um registro de produto definitivo em março e o certificado de boas práticas de fabricação em abril. Isso era prioridade em relação ao contrato de transferência de tecnologia, até porque o fluxo de informações e a medida de parceria estavam bem estabelecidos.

 

Agora, a nossa prioridade é fechar o contrato em maio, se tudo der certo. A produção do IFA nacional vai nos livrar do último nível de incerteza que a gente está tendo. No segundo semestre, em algum momento, vai ser viável a gente ter o domínio tecnológico total para produzir uma nova geração de vacinas no País. Isso vai ser uma coisa muito importante também. Pode haver intercorrências, mas até agora a gente conseguiu fazer a obra, em um mês instalar os equipamentos e no outro receber o certificado da Anvisa.

 

A construção da planta industrial, a instalação dos equipamentos, a linha de produção, tudo isso já está pronto mesmo?

Já foi tudo até certificado pela Anvisa. Talvez tenha tido um ruído nisso também. Nós temos dois projetos. Lançamos uma nova fábrica de processamento final que vai ficar pronta daqui a três anos. É outro projeto que vai se beneficiar também dessa revolução tecnológica que a gente está vivendo agora. Além disso, adaptamos uma área que nós tínhamos, num prédio já pronto, compramos todos os equipamentos, com as informações recebidas da AstraZeneca. A instalação dos equipamentos não significa colocar o fio na tomada. Teve de vir empresa de fora, para fazer o que a gente chama de “qualificação do funcionamento do equipamento”. Fizemos isso para a linha de produção e para a linha de purificação. Essa área toda está pronta. Ficou espetacular. A Anvisa esteve lá nos visitando na última semana de abril e nesta segunda-feira (10 de maio) saiu publicado no Diário Oficial o certificado de boas práticas. Então, esse ponto passou. Já temos a área 100% preparada e já certificada pela Anvisa.

 

A Fiocruz só consegue mesmo iniciar a produção de vacina com IFA nacional depois da assinatura do contrato?

Talvez, não. Nós estamos tentando ver se conseguimos antecipar, para a gente não perder tempo, mas é um problema. A assinatura do contrato envolve dois níveis: o negocial, que está quase delimitado, e o processual. Nós precisamos submeter o contrato à Procuradoria, avaliar uma série de questões legais. A gente tem um paper work para fazer, assim como a AstraZeneca, que vai ter de submeter o contrato a Oxford. Não é um projeto comercial clássico. Existe, ainda, a suspensão de royalties. Não é quebra de patente é suspensão. Nós negociamos isso seis meses atrás. Oxford abriu mão dos royalties. A AstraZeneca, também. Quando passar a pandemia, vamos pagar pela tecnologia, como pagamos em outros casos. Agora, ninguém sabe quanto tempo vai durar a pandemia. Quando Oxford assinou o contrato com a AstraZeneca em abril do ano passado, eles colocaram que, em julho deste ano, estaria tudo resolvido. Era uma expectativa que eles tinham. Provavelmente, vai ser outra expectativa frustrada. Quando começou esse processo o nosso conhecimento de coronavírus era Sars (Síndrome Aguda Respiratória Grave) e Mers (Síndrome Respiratória do Médio Oriente). Achamos, pelo que a gente sabia, que ia ser um tipo de pandemia muito grave, mas restrito no tempo e no espaço. Nós não tínhamos ideia do que está acontecendo e isso faz parte de todas as questões que a gente comentou.

 

A expectativa, então, é que esse contrato esteja concluído até maio, é isso? Tirando aqueles trâmites legais, isso depende basicamente de vocês agora?

É uma negociação nossa com a AstraZeneca e ela tem de negociar com Oxford. Não dá para abrir mão de certas coisas que infrinjam direito de terceiros, porque eles têm um contrato com Oxford e nós temos de seguir a legislação brasileira de propriedade intelectual, que não é a mesma que eles têm, mas estamos muito próximos da definição.

 

De 0 a 100, qual a probabilidade de que isso deve ser realmente concluído ainda em maio?

A gente até tem uma data prevista antes do fim de maio para poder fazer esse movimento. Mas até pelo histórico de frustração de expectativas vou usar a 5º Emenda americana e não vou me pronunciar sobre isso, para que não seja usado contra mim depois. Mas é muito grande a probabilidade de isso ser feito ainda em maio, porque a gente precisa começar a produção neste mês para poder ter uma articulação melhor da entrega das vacinas. A gente está fazendo várias modelagens e vários cenários de articulação entre a chegada dos últimos lotes de IFA importado e o início da produção de vacinas com IFA nacional, inclusive com eventual importação de IFA adicional da Índia, para garantir o maior fluxo possível de vacina para a população brasileira. Então, é muito importante que o contrato seja assinado em maio, para não atrasar o processo. Eu até falei que iria tentar, mas na prática a gente não pode começar a produção sem assinar o contrato. O que eu quis dizer é que, com tudo acertado e tudo feito, faltando apenas o detalhe da cerimônia, digamos assim, é possível que gente possa iniciar a produção.

 

No segundo semestre, o compromisso da Fiocruz era entregar essas 110 milhões de doses produzidas com IFA nacional de agosto a dezembro, mas já se falou de um possível adiamento para setembro e agora para outubro. Isso vai acontecer mesmo com a assinatura do contrato e o início da produção em maio? Se a entrega começar em outubro, isso vai comprometer a meta do segundo semestre?

São duas questões interligadas, mas distintas. A nossa expectativa é começar a produzir em maio, mas as vacinas não poderão ser liberadas antes de a gente fazer a alteração do local de fabricação do nosso registro sanitário. Para isso, temos de fazer cinco produções: duas de pré-validação, para avaliação interna de Bio-Manguinhos (Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos, vinculado à Fiocruz), e três de validação, para a Anvisa. Como nós temos duas linhas de produção, dá para fazer isso em paralelo. Mesmo assim, são necessários 45 dias para o crescimento celular mais uns 30 dias de controle de qualidade. Então, nós estamos trabalhando com a perspectiva de iniciar a liberação das vacinas em setembro ou outubro. Não dá para antecipar mais. By the book, isso aí ficaria para julho do ano que vem. Isso não quer dizer que só vamos começar a produzir em outubro. Tudo que tivermos produzido de maio a setembro, 15 milhões de doses por mês, será liberado de uma só vez no momento em que a gente tiver o registro. Ate setembro, serão 60 milhões de doses. Saindo o registro, a gente libera isso no mesmo dia. É claro que a produção de maio será menor, mas em junho já vamos estar no nível e em julho, agosto e setembro vamos estar com carga máxima, sem poder entregar ainda, porque estaremos trabalhando ainda para o registro. Agora, a gente nem começou a produzir ainda as vacinas com IFA nacional. Então, não posso assumir essa responsabilidade com esse número.

 

Se a liberação de vacinas com IFA nacional só deve começar em outubro e se a entrega de vacinas com IFA importado está prevista para acabar em julho, o que vai acontecer em agosto e setembro? A Fiocruz vai ficar dois meses sem entregar vacinas?

Se tudo der certo e nós conseguirmos honrar o nosso compromisso de entregar 100,4 milhões de doses com IFA importado até julho, teremos um gap. Estamos trabalhando para ver se é possível cobrir esse gap com matéria-prima adicional de fora. A gente está muito preocupado com o segundo semestre, mas neste momento estamos absolutamente focados nas entregas do primeiro semestre e no fechamento do contrato, para poder articular todo esse projeto que, como você pode perceber, tem uma complexidade inédita. Nós nunca fizemos nada parecido com o que está sendo feito neste momento, mas a partir do segundo semestre, outros atores vão entregar números mais importantes.