Por Modesto Carvalhosa
Os partidos políticos, em conformidade com o artigo 44, V, do Código Civil, são pessoas jurídicas de Direito Privado. Não têm eles, portanto, status de entidade pública.
Os partidos são constituídos e dissolvidos de acordo com as regras de Direito Civil. O fato jurídico de arquivarem seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para a consecução de suas finalidades eleitorais, não altera sua natureza de agremiações de Direito Privado. O artigo 17, parágrafo 2.º, da Constituição de 1988 dispõe que “os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral”.
Não obstante, os partidos políticos recebem do Estado brasileiro, mensalmente, recursos do Fundo Partidário, uma fabulosa verba orçamentária de bilhões de reais para construírem suas sedes, cobrir as passagens aéreas e despesas gerais de seus dirigentes, pagar, sem nenhum limite, os advogados que defendem os seus próceres das fraudes eleitorais e dos crimes de corrupção, tudo regulamentado pela infame Lei n.º 13.877, de 2019.
E a Constituição federal ainda permite aos nossos “patrióticos” partidos o acesso gratuito ao rádio e à televisão, o que custa ao Estado bilhões em despesas tributárias decorrentes das deduções dos respectivos custos arcados pelas emissoras.
Essas enormes apropriações privadas de recursos públicos estão previstas na Constituição de 1988. Mas os retrógrados e corruptos políticos profissionais que dominam o Brasil desde o governo Sarney, liderados pelo famigerado “Centrão”, resolveram aumentar geometricamente esses benefícios particulares, não mais por meio de norma constitucional, mas diretamente, mediante lei ordinária. Assim é que as nossas agremiações políticas, em face da restrição imposta ao uso dos caixas 1, 2 e 3, outrora alimentados pelas empreiteiras, promoveram em 2017 uma lei em causa própria que permite “compensar” essa lamentada perda de recursos criminosos. As empresas foram formalmente impedidas de “financiar” as campanhas eleitorais dos partidos por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), sob o correto fundamento de que pessoa jurídica não é eleitor.
Temerosos de não mais continuarem a enriquecer com a grande corrupção que sempre ocorre na época das (re)eleições, a casta política votou unida – situação e “oposição” – a Lei n.º 13.487, de 2017, sancionada sem vetos pelo presidente da República. Trata-se de uma lei inconstitucional, que legaliza a corrupção, ao criar o chamado “Fundo Especial de Financiamento de Campanha”, com a sigla FEFC. Assim, não podendo mais contar com os bilhões das empreiteiras, as nossas oligarquias políticas resolveram assaltar diretamente o Tesouro Nacional para garantirem a reeleição de seus imutáveis quadros.
Ademais, essa infame lei assegura a hegemonia e o monopólio dos grandes partidos, que, do bolo bilionário – elevado a R$ 5,7 bilhões em 2022 – receberão muito mais do que as dezenas de agremiações fisiológicas pequenas e nanicas. Estas devem se contentar com uns poucos milhões, ao passo que, no ano que vem, as duas maiores siglas – PT e PSL – receberão R$ 1,2 bilhão. Em consequência, os pequenos partidos de aluguel terão de compensar a sua inferioridade na grande orgia do dinheiro público vendendo, a preço de ouro, às agremiações hegemônicas os seus segundos e minutos na propaganda eleitoral “gratuita”.
Isto posto, é flagrante a inconstitucionalidade da lei infame que instituiu o fundo eleitoral para o grande assalto ao Tesouro em favor dos partidos e de seus eternos candidatos à reeleição.
De acordo com o referido artigo 17, parágrafo 3.º, da Constituição federal de 1988, a única fonte de recursos públicos atribuível aos partidos políticos é o Fundo Partidário. Somente uma emenda constitucional poderá alargar o leque de privilégios financeiros para os partidos com recursos públicos. Acontece que o execrável fundo eleitoral foi criado por uma simples lei ordinária, no duplo sentido de termo – jurídico e semântico.
Além da inconstitucionalidade formal, decorrente da falta de emenda constitucional, há uma insanável inconstitucionalidade material nesse sumidouro de dinheiro público. Isso porque ele está sendo abastecido por 30% de recursos que devem ser aplicados nas áreas da saúde, da educação, da habitação e do saneamento básico dos Estados e dos municípios, conforme o artigo 23 da Constituição federal de 1988.
Esse desvio é absolutamente inconstitucional, pois causa danos irreparáveis e permanentes à coletividade: retira de fundos vinculados aos serviços públicos essenciais recursos para o uso e gozo dos políticos profissionais e de suas agremiações. Por todas essas iniquidades, típicas da corrupção legalizada que impera em nosso país, essa lei que instituiu o fundo eleitoral recebeu a repulsa de 90,7% do povo brasileiro.
ADVOGADO. É AUTOR, ENTRE OUTRAS PUBLICAÇÕES, DE ‘UMA NOVA CONSTITUIÇÃO PARA O BRASIL’ (2021, EDITORA LVM)