Não se pode competir com quem tem renda garantida, independentemente de produtividade, preço e clima
Por Kátia Abreu
Realizamos nesta semana, na sede da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), em Brasília, seminário com a participação de especialistas em comércio internacional, diplomatas e técnicos do setor público. O objetivo foi analisar a nova Lei Agrícola norte-americana, em vigor até 2018, bem como a nova PAC (Política Agrícola Comum) da União Europeia, que vale até 2020, e o impacto de ambas no agronegócio brasileiro.
Os primeiros resultados foram tão alarmantes que decidimos criar um observatório para acompanhar a implementação das novas políticas, especialmente no caso da soja, do milho, do açúcar, do algodão e dos lácteos, produtos mais afetados pelos mecanismos distorcivos dos subsídios. A continuar tamanha distorção, tudo indica que teremos de abrir um novo painel na OMC (Organização Mundial do Comércio).
A experiência indica que tanto a Farm Bill norte-americana quanto a PAC europeia geralmente destinam amplos subsídios a seus produtores rurais, que alteram as condições de mercado em prejuízo dos demais produtores mundiais. As duas legislações têm sido contestadas na OMC, inclusive pelo Brasil, com frequente sucesso.
Nas novas legislações agrícolas, os subsídios não perderam relevância. Apenas evoluíram para novos formatos. No caso europeu, foram abandonados os antigos subsídios para produtos específicos que protegiam a produção de bens com custos acima dos preços de mercado. Em seu lugar, veio a ajuda em forma de um pagamento único por propriedade, com base num valor por hectare --cerca de ¬ 250 em média, dependendo do país.
Assim, uma propriedade rural de cem hectares, independentemente do tipo de atividade ali exercida --produção de leite, de trigo, ou hortaliças, por exemplo--, faz jus a um pagamento anual de ¬ 25 mil, equivalentes a quase R$ 82 mil.
A renda do produtor rural europeu, portanto, é a soma do valor da produção que vende no mercado mais o pagamento do subsídio governamental. Para ter uma ideia do valor envolvido, a verba para subsídios é de ¬ 60 bilhões anuais, equivalentes a 37% de todo o Orçamento da União Europeia.
No caso dos EUA, a nova Farm Bill praticamente concentrou a política de subsídios num seguro sobre a renda do produtor. Em cada ano agrícola, o produtor tem à sua disposição um seguro que garante sua renda contra quebra na produção ou queda nos preços, ficando-lhe assegurada uma indenização que cobre 86% da renda prevista, com base e nos preços esperados. Em se tratando do algodão, a cobertura do seguro vai a 90% da renda.
Como o preço de um seguro com tamanha cobertura é necessariamente alto, o governo norte-americano paga 65% do valor do prêmio. Sobra apenas um terço para o produtor americano pagar, de forma a ter assegurada sua renda, mesmo diante dos piores eventos naturais ou das mais difíceis condições dos mercados.
Já no Brasil, o seguro de renda praticamente não existe. O valor seria altíssimo e o governo não contribui para esse tipo de cobertura. A ajuda fica restrita à proteção em casos de problemas climáticos.
Além disso, o brasileiro não recebe um único real para conservar as APPs (Áreas de Preservação Permanente), enquanto nos EUA o produtor receberá em média, neste ano, US$ 177 por hectare.
Na Europa, estima-se que o valor dos subsídios contribua com 14%, em média, da renda rural. Nos EUA, essa contribuição gira em torno de 5% a 7%, podendo chegar a valores muito mais elevados em caso de grandes secas ou recessões. Como os subsídios norte-americanos estão concentrados em poucos produtos, na prática o valor triplica. Chega a 19% da renda dos cotonicultores e, no caso do milho e da soja, a 17% e 15% da renda, respectivamente.
Não vamos mais aceitar esse absurdo internacional! Não se pode competir com quem tem renda garantida, independentemente da produtividade, dos preços e do clima.
KÁTIA ABREU, 52, senadora (PMDB/TO) e presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), escreve aos sábados na Folha de S.Paulo.