Em audiência pública na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), o ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, lamentou o vazamento de informações sobre a investigação da Polícia Federal acerca da possível formação de cartel em licitações de metrô e trens em São Paulo e no Distrito Federal, conhecido como caso Siemens.
O Ministério Público (MP) do Estado de São Paulo pediu a suspensão imediata de dez contratos de reforma de 98 trens do Metrô, que totalizam R$ 2,5 bilhões. De acordo com o MP, os contratos estão com vício de ilegalidade. O Metrô tem 30 dias para tomar providências. Os contratos foram assinados entre 2008 e 2010
Criticado por ter pedido à Polícia Federal que investigasse as denúncias recebidas, o ministro afirmou que, se assim não tivesse feito, estaria cometendo o crime de prevaricação.
A audiência pública foi requerida pelo senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), por ter sido citado em notícias da imprensa, junto com outros parlamentares, como supostamente envolvido no caso Siemens. Segundo as notícias, o cartel dos trens repassava valores a empresas de consultoria suspeitas de intermediar o pagamento de propina a parlamentares de vários partidos.
O ministro disse que recebeu denúncias em um documento entregue a ele pessoalmente pelo deputado estadual Simão Pedro (PT-SP) e que enviou tudo para a Polícia Federal. Rebateu as críticas de deputados tucanos, que condenaram o seu comporamento no episódio, ele disse que cumpriu a lei.
- Eu fico às vezes pasmo com uma polêmica que, a meu ver, é absolutamente fora de propósito. Evidente que eu tenho de mandar à Polícia Federal. É isso que diz a lei. E o ministro da Justiça tem que cumprir a lei. Se eu não fizesse, seria acusado de prevaricação – exclamou.
O caso Siemens
Cardozo informou que a empresa Siemens tem sido investigada em vários países pela formação de cartel e pagamento de suborno a autoridades públicas. Segundo o ministro, diante da realidade mundial, a empresa decidiu adotar uma política de reparação desses erros, colaborando com as investigações.
No Brasil, a Siemens procurou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e propôs a realização de um acordo de leniência, pelo qual a empresa reconhece que praticou irregularidades e passa informações. Em troca, não é responsabilizada pelos ilícitos que denuncia, o que é chamado de 'delação premiada'. O ministro afirmou que, após esse acordo, foram feitas ações de busca e apreensão em várias empresas e que há outros procedimentos em curso no Cade também relacionados à Siemens.
Em seguida, Cardozo explicou que recebeu do deputado Simão Pedro uma denúncia por escrito, relacionada com o assunto. O ministro detalhou a entrega desse documento, que, segundo ele, foi feita pessoalmente em sua casa em São Paulo no dia 12 de maio.
O ministro não deu detalhes do documento, pois faz parte de investigação sigilosa em andamento na Polícia Federal. No entanto, disse que o material não é assinado e que a pessoa que o produziu narra os fatos, explica por que sabe dos fatos, cita o acordo de leniência entre a Siemens e o Cade, diz que tem mais informações a fornecer e que as repassaria às autoridades se obtivesse um cargo numa empresa na qual o governo tem influência.
- Posteriormente, há uma relação, ainda nessa parte, de políticos envolvidos. Alguns dos nomes mencionados me espantam. Inclusive há amigos aqui relacionados, amigos pessoais e pessoas que eu respeito imensamente – disse.
Cardozo disse que o documento traz uma tabela de nomes com as relações que manteriam com diretores e com políticos. Por fim, segundo o ministro, haveria ainda duas cartas, uma em inglês dirigida a “Dr. Jordan” e outra em português, dirigida a “prezados senhores”.
- A segunda carta tem vários pontos comuns com a primeira, mas tem novos dados que se harmonizam com a parte inicial do documento. Enquanto a carta em inglês relaciona 11 anexos, a carta em português relaciona seis anexos – revelou.
Esses anexos seriam documentos, fotos, planilhas, contratos e matérias de jornais. Como o documento não foi assinado, o ministro disse que recebeu uma recomendação de cautela por parte do deputado Simão Pedro e que, por isso, entregou o material nas mãos do diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daiello Coimbra, para que ele verificasse se o material tinha sentido e tomasse as providências cabíveis.
- E realmente a cautela me parece que se impunha necessária. Vazar documentos apócrifos prejudica investigações sigilosas e, além disso, pode prejudicar a honra e a imagem de pessoas que podem ser atingidas indevidamente, antes que uma investigação se realize – afirmou.
Quem entregou o dossiê
Segundo Cardozo, houve uma confusão relacionada a quem teria entregado o material à Polícia Federal, porque, durante o percurso do documento para a avaliação na Polícia Federal, um dos delegados se enganou e pensou que tivesse vindo do Cade.
- O Cade sempre faz um trabalho conjunto com a Polícia Federal. Porque o Cade apura cartel. A Polícia Federal, corrupção – explicou Cardozo.
O ministro esclareceu que não houve nenhuma operação da parte dele para blindar o Cade, embora não houvesse nenhum problema se o Cade tivesse obtido o material.
O questionamento sobre as denúncias terem vindo do Cade foi levantado pela imprensa pelo fato de o presidente do órgão, Vinícius Carvalho, ter trabalhado, em 2004, com o deputado Simão Pedro.
Suposta adulteração
O ministro também rebateu a versão de que dois dos anexos que estavam no material recebido do deputado teriam sido adulterados, e que a tradução teria sido mal feita. Cardozo afirmou que os documentos que estão em inglês e em português são diferentes, embora apresentem trechos iguais.
- Possivelmente foram baseados no mesmo texto, mas dirigidos a pessoas diferentes, ora com mais detalhes ora com menos. Isso é de uma evidência total – disse.
Cardozo acrescentou que pediu à Polícia Federal para examinar tudo, cabendo a ela determinar se houve fraude ou não.
Ele respondeu ainda às críticas do senador Aécio Neves (PSDB-MG), para quem o ministro não poderia mais chefiar a investigação.
- Seja como for, o ministro da Justiça não lidera, não coordena a investigação. Ele pode pedir, mas quem coordena é o delegado de polícia, que, nesse caso, já cuidava desse inquérito desde 2008, não foi escolhido por ninguém – afirmou.
Vazamento seletivo
O senador Aloysio Nunes disse que a polêmica em torno do caso aconteceu por causa do vazamento de documentos e que acabou atingindo a sua imagem.
- Eu me senti atingido por um vazamento de um documento cuja autoria não sei se já foi esclarecida, cujo suposto autor renegou em todo ou em parte o documento e, no entanto, meu nome está lá. Foi para o Jornal Nacional, foi para o Estado de S. Paulo – lamentou Aloysio Nunes.
Lamentando o vazamento, José Eduardo Cardozo falou que essa e outras situações relacionadas com o vazamento estão sendo apuradas e que os culpados, se forem identificados, serão punidos.Cardozo disse que o vazamento prejudica o mecanismo da delação premiada.
O senador José Agripino (DEM-RN) criticou o que achou ter sido uma intenção de vazamento seletivo contra o PSDB e o DEM, pois, apesar de outros partidos estarem envolvidos, apenas os dois foram ressaltados na imprensa.
- Nós estamos querendo que a investigação seja feita com isenção, em que esses vazamentos seletivos tenham a possibilidade de serem rebatidos – reclamou.
Os senadores Alvaro Dias (PSDB-PR), Cícero Lucena (PSDB-PB) e Aloysio Nunes pediram ao ministro que também investigue casos de cartel em outros estados. Alvaro pediu uma investigação sobre o cartel do leilão de Libra, que, segundo ele, deve ser o maior cartel do Brasil.
- Nós desejamos sim, completa, cabal e rigorosa investigação. Mas não só em relação a São Paulo. Não há por que estabelecer pesos diferentes entre o que ocorre igualmente em várias praças – disse o senador paranaense.
Aloysio Nunes citou casos de licitações de trens em Belo Horizonte e em Porto Alegre que indicariam a existência de cartéis. Cardozo lhe pediu para encaminhar ao ministério as informações de que dispõe, de maneira que elas possam ser investigadas.
Com informações da Agência Senado