Texto beneficia Alcolumbre e Maia, é vedada pela Constituição proposta precisa de 49 votos no Senado
Por Marcos Strecker
Está na Constituição. Os presidente da Câmara e do Senado não podem ser reeleitos no meio da mesma legislatura. A regra é clara e visa evitar a perpetuação de grupos de poder no Congresso. Mesmo assim, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM), está em uma cruzada escancarada para achar uma brecha que permita sua recondução. Na Câmara, Rodrigo Maia divulgou que não tinha interesse em um novo mandato para a presidência da Casa. Mas os dois foram flagrados em um voo nada republicano, em 19 de agosto, quando foram a São Paulo se encontrar com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O objetivo era encontrar uma manobra capaz de perpetuar o poder dos dois no Congresso. A eleição das duas casas legislativas vai ocorrer em fevereiro de 2021, mas desde já o jogo da sucessão, que impactará a segunda metade do mandato de Bolsonaro e pode selar o destino do seu governo, mobiliza Brasília.
A raposice de Alcolumbre ilustra a importância da norma. Ele se aproximou abertamente de Jair Bolsonaro nos últimos meses, defendendo seus interesses no Legislativo e buscando apoio para o seu pleito. Com isso, irritou os colegas, que também desejam uma recomposição de forças. Contra a atual cúpula, que é liderada por dois nomes do DEM, o PTB entrou no STF com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que visa impedir a ação continuísta e deve ser julgada nos próximos meses. Dez parlamentares do grupo Muda Senado protocolaram uma petição a essa ADI no dia 31, reforçando que tanto as normas dos regimentos internos do Senado e da Câmara quanto a Constituição vedam a reeleição na mesma legislatura para as Presidências das Casas. Para o grupo, só uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) poderia alterar as regras do jogo. O senador Alessandro Vieira (Cidadania), líder do Muda Senado, diz que a manobra pode abrir um precedente perigoso. “Pode-se rasgar a Constituição e dar um terceiro e quarto mandatos para o Bolsonaro, como ocorre na Venezuela.”
Para amparar sua esparrela, Alcolumbre conseguiu que o Senado enviasse ao STF uma manifestação defendendo o direito de reeleição. Assinado pelo Secretário-Geral da Mesa do Senado, Luiz Fernando Bandeira de Mello, o documento sustenta que a emenda constitucional que permitiu a reeleição de Fernando Henrique Cardoso em 1997 alterou o “princípio constitucional” da reeleição, o que valeria também para as duas Casas do Congresso.
“É um parecer frágil, fazendo uma analogia com Executivo. Alega-se que a alteração para o Legislativo não ocorreu na época por falta de clima político”, protesta Vieira. O senador aponta uma obviedade que nem precisaria ser reafirmada. Se a Constituição for sempre reinterpretada a partir da composição de forças em Brasília e de forma tão leviana, a própria ideia de uma lei maior perde o sentido. Outro parecer, da Advocacia-Geral do Senado, argumenta que cabe ao Congresso, e não ao STF, avaliar questões internas, utilizando o princípio da separação dos poderes.
“Permitir a recondução abre um precedente perigoso. Pode-se rasgar a Constituição e dar um terceiro e quarto mandatos para Bolsonaro, como na Venezuela” Alessandro Vieira, senador© Roque de Sá “Permitir a recondução abre um precedente perigoso. Pode-se rasgar a Constituição e dar um terceiro e quarto mandatos para Bolsonaro, como na Venezuela” Alessandro Vieira, senador
Dúvidas com STF
O temor é que o STF adote uma decisão política, deixando a definição para o próprio Legislativo. Atualmente, além do ministro do STF Alexandre de Moraes, seu colega Gilmar Mendes, que é o relator da ação do PTB, tem auxiliado a encontrar uma saída jurídica que favoreça os demistas. “Seria uma decepção. Mais uma, aliás”, diz Vieira. A possibilidade é real. A corte já abriu uma brecha em 1999, permitindo a reeleição de uma legislatura para a outra. A partir disso, o falecido Antônio Carlos Magalhães conseguiu sua recondução no Senado, e foi seguido, depois, por Michel Temer e pelo próprio Rodrigo Maia na Câmara. O atual presidente da Câmara também conseguiu autorização da Justiça para ser reeleito após um mandato-tampão, em 2017. As atuais lideranças não foram as primeiras a lutar pela mudança. Em 2004, uma PEC sobre o assunto foi rejeitada. Na época, tentavam se manter no cargo João Paulo Cunha (PT), na Câmara, e José Sarney (MDB), no Senado.
Há uma ironia na movimentação de Alcolumbre. Para chegar à presidência do Senado, no ano passado, ele usou o argumento da renovação para se contrapor ao então poderoso senador Renan Calheiros. “Até 2019, Alcolumbre nem existia no mapa da política. Hoje, é um aliado umbilical e financeiro do presidente”, diz Vieira. Já Maia tem agido nos bastidores. Os colegas apontam que os atuais presidentes se apresentam como garantidores da democracia e da estabilidade. É fato que Maia assumiu um papel importante de moderação diante da falta de rumo e dos ataques do governo Bolsonaro. Também é possível que a renovação abra espaço para a ascensão do Centrão, que se tornou crucial para o presidente. O líder do bloco fisiológico, Arthur Lira (PP), conta com o seu apoio entusiasmado. Mas abrir a possibilidade de um acordo ao arrepio da Constituição para eternizar a cúpula de um dos Poderes pode exatamente dar munição para futuras investidas do mandatário, que não mostra apreço pela democracia. Respeitar as regras e garantir transparência para o jogo político são fundamentais para o amadurecimento institucional, tão ameaçado atualmente.