Presidente afirma que TSE não respondeu a quesitos enviados por militares a convite da Corte e anuncia que ministro da Defesa vai tratar do assunto
Por Felipe Frazão e Eduardo Gayer
Depois de lançar no ar um enigma sobre algo que acontecerá para "nos salvar" nos próximos dias, o presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou à carga sobre a confiabilidade do voto por urnas eletrônicas no País. Em transmissão ao vivo pelas redes sociais, nesta quinta-feira, 10, Bolsonaro disse que as Forças Armadas identificaram "dezenas de vulnerabilidades" no sistema de votação e cobrou uma resposta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
"Nosso pessoal do Exército, da guerra cibernética, buscou o TSE e começou a levantar possíveis vulnerabilidades. Foram levantadas várias, dezenas de vulnerabilidades. Foi oficiado o TSE para que pudesse responder às Forças Armadas. Passou o prazo e ficou um silêncio. O prazo de 30 dias se esgotou no dia de hoje. Isso está nas mãos do ministro Braga Netto (Defesa) para tratar desse assunto. E ele está tratando disso e vai entrar em contato com o presidente do TSE. E as Forças Armadas vão analisar e dar uma resposta", afirmou o presidente na live.
Bolsonaro disse que no Brasil "todo mundo quer" eleições auditáveis, com contagem pública de votos, assuntos já superados pelos legisladores. Afirmou também que a eleição tem de ser resolvida "em dois turnos", porque "não pode terminar e ter dúvida".
"O que queremos são eleições limpas, transparentes, que possam ser auditadas. É o mínimo que se espera do processo eleitoral. Porque ninguém acredita em pesquisa. Não vai ser uma ou outra pessoa que vai dizer que vai ser como ela quer, que não deve satisfação", insistiu o presidente.
Em seguida, Bolsonaro fez uma provocação ao ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE. Disse que ele elogiou as eleições recentes em Portugal, mas omitiu que o voto lá ocorre por meio de cédulas "em papel", enquanto no Brasil "tem pessoas que operam as máquinas e daí o problema existe".
No ano passado, por iniciativa da base do governo, o Congresso votou e rejeitou uma proposta para adoção do voto impresso. A votação coincidiu com um inédito desfile de blindados na Praça dos Três Poderes, desviados de uma operação de adestramento da Marinha, o que soou como intimidação aos parlamentares. Mesmo derrotado, o presidente ignorou a decisão do Legislativo e continuou sua cruzada lançando suspeitas nunca comprovadas sobre o sistema de urnas eletrônicas.
Como revelou o Estadão, o ministro da Defesa, Braga Netto, chegou a ameaçar, em recado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a realização das eleições deste ano, caso o voto impresso não fosse aprovado na Câmara.
A participação das Forças Armadas na preparação das eleições, da forma como ocorre hoje, é inédita. Ela se dá a convite do TSE. Os militares sempre prestaram apoio logístico e segurança à votação, mas não participaram, no ano passado, de uma rodada de testes das urnas.
Na prática, o tribunal tentou aplicar uma vacina para se antecipar aos reiterados questionamentos à legitimidade das urnas difundidos por Bolsonaro e à ameaça feita por ele de não reconhecer o resultado, caso seja derrotado. Essa participação, porém, já dá margem para distorções e até questionamentos de pesquisas de intenção de voto, que indicam cenários com probabilidade de derrota do presidente.
O Estadão apurou com oficiais da ativa que o Exército fez questionamentos técnicos ao TSE sobre o funcionamento e a cadeia de custódia das urnas eletrônicas, para tentar subsidiar o tribunal com melhorias de segurança. Os quesitos foram enviados por escrito, elaborados pelo Centro de Defesa Cibernética. O teor é sigiloso. Entre eles há algumas perguntas sobre onde ficam armazenadas as urnas antes da distribuição aos locais de votação, que tipo de conectividade elas têm, que pessoas têm acesso e como e onde é feita a totalização dos votos.
Cauteloso, Bolsonaro atribuiu as informações à "mídia", de forma genérica. O presidente é investigado no Supremo Tribunal Federal (STF) por suspeita de vazar informações de um inquérito sigiloso da Polícia Federal sobre ataque hacker à Corte, ocorrido em 2018, a fim de desacreditar a confiabilidade das urnas. A PF concluiu que Bolsonaro cometeu crime de violação de sigilo funcional.
Na live em que faz prestação de contas do seu mandato, Bolsonaro disse que as pesquisas de intenção de voto mostrando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na dianteira são "uma farsa".
Ao lado de Bolsonaro, o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, afirmou que o governo do PT "aparelhou a máquina estatal e causou prejuízo à população como um todo." "O que existe hoje é uma narrativa da imprensa que quer fazer crer que já existe esse clima de 'já ganhou'. A população brasileira vai se lembrar do que ocorreu no governo do PT, que se notabilizou pelo assalto ao erário público. Os que se esqueceram serão lembrados na eleição", atacou.
Ao lançar o mistério sobre algo que ocorrerá para "nos salvar", Bolsonaro fazia comentários sobre ditaduras, mas, depois, não deu mais explicações. Um ministro que despacha diariamente com o presidente, no Palácio do Palácio, disse que não tinha a menor ideia sobre o que ele falava.
"Qual a diferença de uma ditadura que vem pelas armas, como Cuba e Venezuela, e a que vem pelas canetas? Nenhuma. Vocês sabem o que está acontecendo pelo Brasil. Eu acredito em Deus. Nos próximos dias, vai acontecer algo que vai nos salvar no Brasil", disse Bolsonaro a simpatizantes, na manhã desta quinta-feira, 10, em frente ao Palácio da Alvorada.
Bolsonaro afirma reiteradamente que o Brasil vive um momento de corrosão de liberdades individuais, com medidas de combate à pandemia de covid-19 tomadas por governadores e prefeitos e avalizadas pelo Supremo Tribunal Federal.
Além disso, o STF e a Justiça Eleitoral têm adotado medidas para combater a propagação de fake news e atos antidemocráticos. O presidente já criticou medidas tomadas pelo TSE em relação ao aplicativo Telegram por falta de compromisso da plataforma com a redução de notícias falsas.
Na mesma conversa com seus apoiadores, nesta quinta-feira, 10, Bolsonaro voltou a fazer declarações de cunho eleitoral. "O voto para presidente é importante, o para vereador, também é", destacou.