"Esquema criminoso maléfico, pois prejudica população de baixa renda que paga tarifas"
Com Jornal do Brasil
O ex-governador do Rio Sérgio Cabral continuou a receber valores desviados no esquema de corrupção de transporte público rodoviário mesmo após ter deixado o governo. A informação consta da investigação do Ministério Público Federal, que acrescentou ainda que Cabral cobrava para conceder reajustes de tarifas de ônibus.
“Temos a informação de que Sérgio Cabral, mesmo após ter deixado o governo em 2014, manteve uma influência política decisiva e tinha muitos créditos a obter da Fetranspor, em razão das negociatas que ele fez durante o seu governo. Então, sempre que havia um reajuste, Sérgio Cabral recebia prêmios da Fetranspor e ele distribuía esses prêmios entre a organização criminosa dele. Importante dizer que esse é um dos esquemas criminosos mais antigos existentes no estado e, ao mesmo tempo, um dos mais maléficos, pois prejudica a população de baixa renda que paga tarifas além do que seriam as tarifas justas e adequadas, em razão do pagamento de vantagens indevidas a agentes públicos”, afirmou o procurador da República Eduardo El Hage.
“O objetivo dos pagamentos era que eles obtivessem benefícios fiscais e tarifários no transporte. Precisamos descobrir que atos de ofício foram esses feitos pelo Sérgio Cabral que geraram esse pagamento de propina no período. Os pagamentos permaneceram mesmo após o término do segundo mandato do Cabral, até a prisão dele em novembro de 2016”, detalhou o procurador da República no Rio de Janeiro José Augusto Vagos.
As empresas de ônibus do Rio distribuíram, de acordo com o Ministério Público Federal, cerca de R$ 500 milhões de propina para políticos entre 2010 e 2016. Deste total, R$ 260 milhões teriam sido pagos aos alvos da operação desta segunda-feira. Os R$ 240 milhões restantes foram pagos a autoridades com foro privilegiado, cujos nomes não foram revelados.
Segundo as investigações, através das propinas que eram pagas para o Tribunal de Contas do Estado (TCE) e para o Poder Executivo, os empresários ganhavam benefícios como a ausência de licitação, o reajuste do valor das passagens e isenções fiscais no IPVA e ICMS do diesel.
"Foi descoberta a participação de mais um agente público no esquema, que foi o Rogério Onofre [ex-presidente do Departamento de Transportes Rodoviários do Rio - Detro]. A ação dele atingia de forma direta as empresas que faziam transporte intermunicipal no Estado. Estamos investigando a concessão de aumentos dos preços de passagem acima do permitido. Por exemplo, quando uma passagem deveria ser reajustada em 2%, ele permitia um aumento de 7%", disse a procuradora Mariza Ferrari.
O procurador da República Leonardo Freitas destacou ainda que as descobertas da investigação não chegam a surpreender. "Os esquemas do senhor Sergio Cabral e dos seus liderados já passaram pela Secretaria de Obras, já passaram pela Secretaria de Saúde, agora estamos falando do setor de transportes. Portanto, nessa medida o que a gente tem a reconhecer desses fatos é que ele loteou toda a estrutura governamental, todas os contratos foram objetos de pagamento de propina pra sua realização", disse.
Prisão no aeroporto Apesar da operação, batizada de "Ponto Final", ter sido deflagrada nesta segunda-feira (3), o empresário do setor de transporte Jacob Barata Filho foi preso na noite de domingo. Sua prisão foi antecipada porque os agentes receberam informação de que o empresário embarcaria para Lisboa, em Portugal, no domingo. Ele foi preso na área de embarque do aeroporto.
De acordo com o delegado Antônio Beaubrun, há indícios de que Barata tentava fugir do país, pois seus familiares já estavam em Portugal e, quando foi preso, levava uma grande quantia de dinheiro em espécie. “Quando fizemos a prisão, ele estava com mais de R$50 mil reais em moeda estrangeira e tinha mandado a família para Portugal. Temos documentos de empresas dele em Portugal, mas não é oportuno divulgar quais são.”
Segundo o advogado de Barata Filho, o empresário faria uma viagem de rotina ao país europeu, onde tem negócios “há décadas e para onde faz viagens mensais”.
Delação de doleiro A operação desta segunda-feira foi deflagrada baseada com a delação premiada de Álvaro José Galliez Novis, o doleiro e operador financeiro da quadrilha de Cabral. Em depoimento, Novis informou que sabia dos pagamentos realizados para garantir benefícios relacionados às linhas de ônibus e tarifas. Novis afirmou que foi contratado pelo presidente do Conselho de Administração da Fetranspor, José Carlos Lavouras, para “recolher regularmente dinheiro de algumas empresas de ônibus integrantes dessa Federação, administrar a sua guarda e distribuir a diversos políticos”. As ordens para esses pagamentos, segundo Novis, eram dadas única e exclusivamente por Lavoura, de 1991 até 2016.
As investigações apontam que o dinheiro era recolhido nas garagens das empresas e contabilizado através de planilhas, nas quais constavam os nomes de Lavoura e Rogério Onofre, ex-presidente do Detro, e operadores financeiros de Cabral, como Carlos Miranda.
De acordo com as investigações, a empresa de transporte de valores Trans Expert era usada como ferramenta para lavagem e ocultação do dinheiro da propina. Teriam sido pagos R$ 260 milhões em propina. Entre 2010 e 2016, Sérgio Cabral teria recebido R$ 122 milhões. Já Rogério Onofre teria recebido R$ 44 milhões.
Os mandados de prisão preventiva têm como alvos Jacob Barata Filho (empresário do setor de transportes); Rogério Onofre (ex-presidente do Detro), Lélis Teixeira (presidente da Fetranspor), José Carlos Reis Lavoura (conselheiro da Fetranspor), Marcelo Traça Gonçalves (presidente do sindicato de ônibus), João Augusto Morais Monteiro (sócio de Jacob Barata e presidente do conselho da Rio Ônibus), Cláudio Sá Garcia de Freitas, Márcio Marques Pereira Miranda, David Augusto da Câmara Sampaio, Os mandados de prisão temporária têm como alvos Carlos Roberto Alves, Enéas da Silva Bueno e Octacílio de Almeida Monteiro.
Aproximadamente 80 policiais federais participaram da operação. Agentes também fizeram buscas nas cidades de São Gonçalo e Paraíba do Sul, no estado do Rio de Janeiro, e nos estados do Paraná e Santa Catarina.
Entre os que ainda estão foragidos está José Carlos Lavoura, que estaria em Portugal e Marcio Miranda, funcionário da ProSegur.