Fim dos combustíveis fósseis não está na mesa oficial; governo, contudo, tenta emplacar tema apesar de ação da Petrobras na Foz do Amazonas
Por Ana Isabel Mansur
A presidência brasileira da COP30 quer fazer da transição energética um símbolo de cooperação internacional, mesmo após o governo de Luiz Inácio Lula da Silva ter autorizado pesquisas para exploração de petróleo na Foz do Amazonas (leia mais abaixo).
Une-se ao desafio brasileiro o fato de a COP30 evitar colocar oficialmente na mesa de negociações a dependência dos combustíveis fósseis, um dos maiores responsáveis pelas mudanças climáticas.
A COP é a principal conferência global que discute o clima e, neste ano, ocorre em Belém (PA). O evento deve se estender na capital paraense até a próxima sexta-feira (21).
A cooperação entre países é um dos pilares da política externa de Lula. O discurso se fortaleceu após decisões unilaterais, como a do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de impor tarifas a produtos importados pelos EUA.
Com a COP30, entre as bandeiras do petista, o destaque ao multilateralismo somou-se à defesa da transição energética — movimento que consiste na substituição gradual de combustíveis fósseis, como o petróleo, para matrizes renováveis e sustentáveis, como a solar, eólica e hídrica.
Em meio a discordâncias sobre o fim da dependência de combustíveis fósseis, a liderança brasileira da COP30 quer emplacar a discussão paralelamente às mesas oficiais da conferência, como demonstração da “força” do multilateralismo.
A peça central da estratégia é a construção de um “mapa do caminho” para a descarbonização. O conceito de roadmap, em inglês, é usado em negociações para definir planos de ação com etapas, prazos e metas concretas em busca de um objetivo comum.
Na abertura da cúpula de líderes e na sessão inaugural da COP30, Lula se referiu ao mapa do caminho. Sem apresentar detalhes, o presidente afirmou ser necessário planejar a diminuição da dependência de combustíveis fósseis.
“Precisamos de mapas do caminho para que a humanidade, de forma justa e planejada, supere a dependência dos combustíveis fósseis, pare e reverta o desmatamento e mobilize recursos para esses fins”, ressaltou.
Em um dos eventos paralelos às mesas de negociação oficiais, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, reforçou o discurso de Lula. A ministra admitiu a complexidade do tema, mas frisou a importância de estabelecer o percurso citado pelo petista.
“O que nós queremos é que esse mapa seja a nossa bússola para superarmos a dependência dos combustíveis fósseis de forma justa, ordenada e planejada, fruto de um diálogo com todos, para que ninguém fique para trás”, destacou.
Discussão não oficial
Segundo o secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores, Mauricio Lyrio, o afastamento do uso de combustíveis fósseis é um processo necessariamente coletivo. Ele ameniza a “exclusão” do tema das mesas oficiais de negociação da COP30.
“Quando há necessidade de fazer um acordo entre quase 200 partes, é sempre um processo complexo, não dá para antecipar o resultado”, ressaltou, em coletiva de imprensa nessa segunda-feira (17).
O negociador afirmou que o mais importante, neste momento, é o chamado à ação feito por Lula nos discursos, e que o ritmo das negociações e da implementação será definido pela “vontade dos países”.
Para Lyrio, favorecer o multilateralismo implica acomodar interesses distintos, e o Brasil quer mostrar que essa convivência é possível.
A ministra Marina Silva reforça essa leitura. Para ela, Lula apresentou algo “altamente pragmático, ainda que seja para construir juntos”, sobretudo após décadas em que o debate climático avançou mais sobre regras do que sobre o enfrentamento direto da dependência global dos fósseis.
“Temos a chance de nos debruçarmos sobre o que é exercer uma transição justa e gradativa para sair da dependência dos combustíveis fósseis”, defendeu, também na coletiva de imprensa. A ministra descreveu o processo como a construção coletiva de “uma espécie de arca de Noé”.
Exploração de petróleo

Fim da dependência dos combustíveis fósseis não está entre os assuntos oficiais da COP30Fim da dependência dos combustíveis fósseis não está entre os assuntos oficiais da COP30
No último dia 20 de outubro, a Petrobras anunciou ter recebido licença do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para explorar petróleo na Foz do Amazonas.
A discussão sobre a exploração de petróleo na Margem Equatorial, faixa marítima que se estende do Rio Grande do Norte ao Amapá, divide o governo desde o início de 2023.
De um lado, estão a Petrobras e o Ministério de Minas e Energia; do outro, o Ibama, ambientalistas e o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.
A área de possível extração fica a cerca de 500 km da foz do Rio Amazonas e 175 km da costa, dentro de uma das cinco bacias da região. Segundo a Petrobras, a sonda de perfuração já está posicionada e a pesquisa para confirmar a existência de petróleo pode começar “imediatamente”.
A licença permite que a petroleira explore o primeiro poço em águas profundas, na bacia da Foz do Amazonas. A operação permitirá a perfuração de um poço em águas profundas pela sonda NS42.
Horas após a concessão, o Ministério do Meio Ambiente afirmou que a licença resultou de um rigoroso processo de análise ambiental feito pelo órgão desde 2014.
Em nota, a pasta comandada pela ministra Marina Silva informou que o procedimento envolveu a elaboração de estudos, além de três audiências públicas e 65 reuniões técnicas setoriais em mais de 20 municípios dos estados do Pará e do Amapá.
Os críticos alertam para riscos ambientais significativos da medida, enquanto os defensores do projeto apontam potenciais ganhos econômicos. O Ministério de Minas e Energia estima reservas de até 10 bilhões de barris, com possibilidade de gerar 350 mil empregos diretos e indiretos.
A Petrobras, por sua vez, fala em um potencial ainda maior — até 30 bilhões de barris. O governo classifica a região como o possível “novo pré-sal”. Sem a exploração, a estatal estima que o país poderá retornar à dependência de petróleo importado em cerca de 10 anos.