Servidores federais insatisfeitos com a previsão de reajuste salarial apenas para policiais em 2022 ameaçam deflagrar uma greve tão grande quanto as promovidas em 2012 durante o governo Dilma Rousseff (PT).
Por Fábio Pupo
Rudinei Marques, presidente do Fonacate (Fórum Nacional das Carreiras de Estado), afirmou nesta quinta-feira (23) que muitas categorias já se preparavam para mobilizações a partir de janeiro por aumento.
Segundo ele, o movimento estava tímido, porém agora o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) motivou uma reação mais enérgica.
"Bolsonaro pode reeditar a maior greve do serviço público, ocorrida em 2012, no governo Dilma, por cometer os mesmos erros. Visão fragmentária do Orçamento público e falta de diálogo", afirmou Marques.
O Fonacate representa carreiras típicas de Estado, a elite do funcionalismo. São servidores de áreas como a tributária, de arrecadação, de finanças, de segurança pública, de diplomacia, de política monetária e do Ministério Público.
As queixas contra a reserva de R$ 1,7 bilhão no Orçamento, aprovado na terça-feira (21), para beneficiar policiais têm se espalhado pelo Executivo e chegou até ao Judiciário —magistrados também querem aumento.
O movimento começou com a entrega de cargos de chefia na Receita. Reclamações já foram feitas também por servidores do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), peritos médicos, auditores agropecuários, entre outros.
Procurado, o Ministério da Economia afirmou que não irá comentar.
Segundo Marques, o reajuste para apenas algumas categorias pode ser o estopim para uma insatisfação acumulada com o governo também por outros motivos. O principal deles, disse, é interferência política em diferentes órgãos.
Ele citou como exemplo ingerência na Polícia Federal, no Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e no ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).
Marques disse que uma mobilização irá demandar esforço extra neste momento em que há servidores ainda em teletrabalho e pelas próprias dificuldades da pandemia, mas afirmou que o incômodo é grande, principalmente pelo privilégio dado a apenas algumas categorias.
"O governo está atravessado na garganta há muito tempo. Deixar os outros sem nada está incomodando e gerando indignação como eu não via havia muito tempo", afirmou.
As declarações se somam ao movimento iniciado na Receita, que até agora tem sido o mais expressivo. O Sindifisco (sindicato dos auditores) já registra mais de 600 entregas de cargo de chefia.
Congresso Nacional aprovou o aumento a pedido do presidente Bolsonaro
Além disso, 44 servidores entregaram os cargos de conselheiros do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, responsável por julgar disputas tributárias entre a União e contribuintes).
O órgão é uma espécie de tribunal da Receita. Com isso, a situação pode inviabilizar julgamentos a partir de janeiro, quando começam a ser decididos os recursos mais relevantes em questões tributárias.
"Entendemos que a situação atual se mostra incompatível com o exercício das nossas funções, pelo que solicitamos a dispensa do mandato que ora desempenhamos", afirmaram os servidores em carta pública.
Também houve 17 exonerações na Copei (Coordenação-Geral de Pesquisa e Investigação da Receita), órgão de combate à sonegação, lavagem de dinheiro e crimes financeiros.
Os servidores da Receita brigam contra o corte de custos no Fisco e a favor da regulamentação do chamado bônus de eficiência, que já é pago –mas com um valor fixo, independentemente da produtividade.
"O corte orçamentário na Receita será usado para custear aumento dos policiais", afirmou Kleber Cabral, presidente do Sindifisco.
A cúpula da Receita já teve conversas com representantes dos servidores para tentar acalmar a situação.
Foi dito que, tecnicamente, o montante previsto no Orçamento para reajustes não está carimbado para policiais e que, por isso, ainda há chance de os servidores do Fisco ficarem com parte dos recursos (eles demandam R$ 400 milhões).
No entanto, os servidores ainda estão céticos e seguem no movimento nacional. Segundo o Sindifisco, a entrega de cargos envolve o compromisso de que ninguém irá ocupar a posição.
Entre as possibilidades discutidas, também está a operação padrão na aduana, o desligamento dos projetos nacionais e regionais, e deixar de fazer o preenchimento de relatórios gerenciais.
A Anpprev (Associação Nacional dos Procuradores e Advogados Públicos Federais) afirmou que a concessão de reajustes apenas para servidores da segurança pública é injusta e negligencia mais de um milhão de servidores sem aumento.
"Como resultado dessa política salarial errática, será estabelecida uma assimetria injustificável", afirmou Thelma Goulart, presidente da Anpprev.
Ela criticou a reserva de R$ 16,5 bilhões para emendas de relator, usada para negociações políticas entre Planalto e Congresso, e o fundão eleitoral, para campanhas, com R$ 4,9 bilhões.
"Não falta dinheiro para reajustar as remunerações, só não há vontade por parte da equipe econômica do governo em fazê-lo", disse Goulart.
O presidente do Unacon Sindical (sindicato que representa os servidores da carreira de finanças e controle da Secretaria do Tesouro Nacional e da Controladoria-Geral da União), Bráulio Cerqueira, disse que o repúdio aumenta ao saber "que o arrocho não se trata de escolha técnica, mas arbitrária e injustificável".
Segundo ele, o movimento pode evoluir para uma paralisação. "Não há razão técnica para proteger apenas as remunerações de militares e dos colegas da segurança", afirmou.
Outras categorias ainda neste final de ano realizam assembleias para discutir eventual paralisação.
A Anffa Sindical (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários) lembrou que a categoria teve papel durante a pandemia e por isso se sente desprestigiada por não ter sido beneficiada.
"Durante o ápice da pandemia de Covid-19, os auditores garantiram a circulação de produtos agropecuários inspecionados e mais seguros para o consumo da população brasileira e para o mundo, evitando riscos de desabastecimento", afirmou a entidade, em nota.
Juízes já se manifestaram sobre o aumento só para policiais. Nesta quinta, a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) divulgou uma nota na qual afirmou que medidas são estudadas e ainda cobrou providências do chefe do Judiciário, ministro Luiz Fux, que preside o STF (Supremo Tribunal Federal).
"Esperamos uma efetiva atuação do chefe e dos órgãos de referência do Poder Judiciário, a quem cabe zelar pelo correto cumprimento das leis e do texto constitucional", afirmou Renata Gil, presidente da entidade.
Segundo ela, "é preciso valorizar o trabalho de todas e de todos que se dedicam às carreiras públicas".
"O Judiciário, durante todo o período da pandemia, marcado por sofrimento e incertezas, respeitou novos limites legislativos e atuou como garantidor dos diretores fundamentais e da democracia", afirmou.