"O Brasil não está em um beco sem saída, o cenário para o país não é fácil e A reforma da Previdência vai ser uma batalha difícil, mas estou otimista”, afirmou Fernando Henrique Cardoso
Da redação, com informações de “O Correio Braziliense”
Aos 85 anos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso mantém o otimismo com o Brasil e a disposição para pensar no futuro, embora admita que o cenário não é fácil. “O Brasil não está em um beco sem saída. Não vivemos a crise cambial que tínhamos quando eu era ministro da Fazenda. Mas, mesmo assim, a reforma da Previdência será a mais difícil das batalhas”, reconheceu, em entrevista ao Correio. “O foco, a meu ver, não deve ser fiscal. Deve ser o combate ao privilégio”, sugeriu.
FHC, que em outros momentos chamou o governo Temer de pinguela, defendeu a ênfase do peemedebista nas reformas — previdenciária e trabalhista. “O governo Temer vai se justificar historicamente pelo que ele conseguir fazer, não pela popularidade. Ele não foi eleito para ser presidente, ele foi vice.” O tucano participou ontem do Fórum: Resultados do 1º ano do exame toxicológico para motoristas profissionais”, promovido pelo Correio e patrocinado pelo Instituto de Tecnologias para o Trânsito Seguro (ITTS). Durante a entrevista, destacou que o Congresso aprovou, na noite de quarta-feira, uma lei importante — a reforma trabalhista. No seminário, alertou que a “modernidade vai desempregar muita gente. Mas também vai reempregar quem tiver talento, competência e educação”.
Presidente de honra do PSDB, ele admite que o momento político do país não é bom e que os atuais mandatários e ocupantes de cargos eletivos perderam a capacidade de diálogo com a população. “Eu sou institucional, acho que se você elege alguém que tem só política, depois não tem como governar.”
Essa incapacidade, agregada ao desgaste inevitável da Operação Lava-Jato, gera as dúvidas sobre quais serão os candidatos ao Planalto em 2018. “Quem estiver de pé ainda, nós não sabemos o que vai acontecer.” FHC é reticente quanto à defesa do surgimento de outsiders como candidatos, mas reconhece que a possibilidade existe. “Governar é um ato complexo, que exige não só capacidade de falar com a Nação, também falar com o Congresso e, ao mesmo tempo, fazer a máquina funcionar.”
Adversário vitorioso duas vezes nos embates presidenciais contra o ex-presidente Lula, FHC afirma que o petista não é imbatível. “Em 2002, quando ele venceu as eleições, houve uma junção da classe média com o dinheiro. Agora é muito mais difícil para ele penetrar nesses dois setores.” Confira os principais trechos da entrevista:
A política brasileira precisa de renovação?
Eu não gosto de dar conselho, porque é um pouco pretensioso. Se você olhar o que aconteceu no nosso sistema político, a gente perdeu um ponto de comunicação, as pessoas não prestam atenção, não acreditam. Não é só no Brasil, mas é mais amplo aqui. É preciso buscar um mecanismo de recomunicação. Tem que falar das coisas que estão interessando as pessoas. Eu assisti ao último debate da eleição presidencial de 2014. Eu tenho, lá no Rio, um motorista, não é do governo, é pago por mim, o carioca típico — eu sou carioca, mas não sou típico. Assistimos ao debate e, no final, perguntei a ele: “O que você achou?” Ele respondeu: “Gostei, né? Falaram deles, né? Não de nós”. Essa pequena diferença é tudo. Ou os políticos voltam a falar de nós, ou não conseguem se reconectar com a vida.
E o risco dessa renovação? Por que pode vir um aventureiro que fale diretamente com eles, mas que…
Pode, é um risco. É preciso correr riscos na vida, não tem jeito. O ideal é que as pessoas com mais experiência possam se reconectar com a população. Você não pode evitar um risco desse.
E o Trump ganhou com esse discurso de reconexão com os americanos.
Eu sou institucional, acho que se você elege alguém que tem só política, depois não tem como governar. Governar é um ato complexo que exige não só capacidade de falar com a Nação, como falar com o Congresso e, ao mesmo tempo, fazer a máquina funcionar.
"Governar é um ato complexo, que exige não só capacidade de falar com a Nação, como falar com o Congresso e, ao mesmo tempo, fazer a máquina funcionar”
A gente tem esse quadro?
As circunstâncias criam lideranças. Eu tenho que apostar nisso. E renovam lideranças também. Quando o presidente Itamar me colocou na Fazenda, eu estava fora do Brasil, era ministro do Exterior e feliz da vida. Eu achei que era uma insensatez dele e minha. Ministério das Relações Exteriores era muito mais confortável que o da Fazenda, principalmente com a inflação galopante. O que eu fiz? Tem que juntar gente, quem acha que sabe tudo vai quebrar a cara. Uma dificuldade que eu tive era que as pessoas que juntei, de alta competência técnica, achavam que não havia possibilidade de fazer muita coisa porque o Congresso estava sob a mira dos anões do orçamento, havia inquietação e era um governo de transição. Qual foi minha discussão com eles ali? Ou se faz nessas oportunidades, ou não acontece nada. Exatamente porque está tudo parecendo que está se desfazendo, que tem a possibilidade de fazer e nós fizemos, conseguimos. Eu acho que a situação brasileira, que tem todos os desalentos que se sabe, não é um beco sem saída.
Está pior do que quando o senhor assumiu?
Não sei dizer se está pior. É de outra natureza. Nós tínhamos um problema cambial que hoje não existe. Bem ou mal, o governo começou a tomar medidas para ajeitar a situação de descontrole financeiro. A economia não funciona só em função do que as pessoas que estão no poder decidem. Há ciclos. Nós aqui chegamos a um ciclo de baixa tão grande que a inflação não tem mais como não ceder, porque não tem demanda. Às vezes, são fatos alheios à vontade do governo que favorecem ou atrapalham. Eu tive vários que atrapalharam. Eu não acho que nós estamos em um beco sem saída desse ponto de vista econômico. É preciso abrir um espaço de esperança. Você não sai de situações de dificuldade sem lideranças que abram um espaço de esperança. E a esperança não depende só de quem está propondo, mas também de quem está ouvindo. E nem sempre a sociedade quer ouvir.
Essa dificuldade hoje é maior do que no passado?
Neste momento é grande, porque a sociedade ficou muito informada, fragmentariamente, tem informação. Aumentou a descrença em função do que a sociedade descobriu que havia. E a sociedade se fechou um tanto para ouvir.
Apesar de tudo, o ex-presidente Lula surge com 45% das intenções de voto. E há um certo receio, em alguns partidos, uma vez que ele consegue falar diretamente com uma parcela da população, que ele consiga ter um protagonismo maior em 2018.
Vamos admitir que haja a possibilidade. O ex-presidente Lula tem suas características impressionáveis, isso é inegável, mas depende de quem se oponha. O presidente Lula conseguiu avançar quando saiu do gueto e entrou na classe média. As pessoas que têm recursos acreditaram nele e juntou a classe média com o dinheiro e ganhou. Agora é muito mais difícil para ele penetrar nesses dois setores. Eu não acho que tenha que imaginar que é imbatível, mesmo que seja candidato, a situação mudou. Política depende sempre de quem é o outro.
"Em 2002, quando Lula venceu as eleições, houve uma junção da classe média com o dinheiro. Agora é muito mais difícil para ele penetrar nesses dois setores”
Quem é o outro?
Quem estiver de pé ainda, nós não sabemos o que vai acontecer. É prematuro, política muda tudo. Eu ia perder e ganhei, quando chegou em maio de 1994, eu chamei minha mulher e disse: “Vou cair fora, não tem jeito”.
O senhor chegou a pensar nisso?
Claro, eu não tinha recursos.
O PSDB vai se unir, enfim, em uma eleição como essa? O senhor defende prévias no partido?
Depende da circunstância. Porque, às vezes, a prévia divide e outras vezes une. Política não é receita, não é matemática. É preciso ver quem vai sobrar, quem vai ser candidato.
É melhor um candidato que já tenha sido candidato ou um nome novo?
As pessoas que têm nome nacional no Brasil foram presidentes ou candidatos. Isso não quer dizer que você não tenha a possibilidade de renovar, porque, senão, você não sai desse ciclo. De repente pode haver alguém que nunca tenha sido candidato. O problema do PSDB é que tem muitas pessoas com capacidade de se candidatar. O PT tem um só e olhe lá. A nossa dificuldade é a abundância de candidatos.
Reforma política, o senhor acha que é, primeiro, necessário e, segundo, possível?
Eu estou realista, meu partido é favorável ao voto digital e parlamentarismo. Neste momento, isso está muito distante da realidade. O que você pode fazer agora é a cláusula de barreira, proibição dos votos proporcionais e discutir abertamente o financiamento de campanha. Quem paga? Quanto custa? Quem tem direito a isso?
E tem o debate da lista fechada.
A lista fechada, hoje, não vai passar. A cláusula de barreira já foi aprovada pela Câmara mais de uma vez, foi o Supremo quem derrubou.
Previdência, o senhor acha que passa?
Essa vai ser a batalha mais difícil, porque está enraizada. Eu enfrentei e perdi por um voto, a idade mínima que na época era 55 e 60 anos. Por isso inventamos o fator previdenciário, que já caiu duas vezes. Isso mostra a força cultural da ideia de aposentadoria. Não é que as pessoas não queiram trabalhar, é que elas querem ganhar melhor.