Matéria compila despachos para argumentar quanto a medidas de censura que se apoiam em combater uma “suposta desinformação"
Com SBT
Na noite de quarta-feira (17), o Comitê Judiciário da Câmara norte-americana divulgou em relatório cerca de 81 decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE); grande parte delas sigilosas e assinadas pelo ministro Alexandre de Moraes — principal alvo do documento.
O intitulado “O ataque à liberdade de expressão no exterior e o silêncio na administração Biden: o caso do Brasil”, é uma série compilando decisões que, segundo os autores, comprovam a conivência de Joe Biden (Democrata) quanto a medidas de censura que se apoiam em combater uma “suposta desinformação".
Ao comitê, presidido pela oposição que busca reeleger Donald Trump (Republicano), as ações “se transformam inevitavelmente em silenciar oponentes políticos e pontos de vista desfavoráveis aos que estão no poder”, ou seja, partidos de esquerda.
No primeiro capítulo, com foco no Brasil (Canadá e França devem ser os próximos), o relatório de 541 páginas expõem decisões de derrubada de conteúdo ou delimitação de contas expedidas pelo ministro Alexandre de Moraes à rede social X (antigo Twitter).
“Esses exemplos de governos estrangeiros reprimindo a liberdade de expressão no exterior servem como um aviso severo aos americanos sobre as ameaças representadas pela censura governamental aqui em casa. Eles também ajudam a informar o trabalho legislativo do Comitê e do Subcomitê Selecionado para combater a censura governamental e promover a liberdade de expressão”, justifica Jim Jordan, republicano que assina o texto.
Mira: Alexandre de Moraes
A comissão acusa o ministro da Corte Suprema de “censurar” qualquer opositor com “uma plataforma” que critique o atual “governo de esquerda”, listando os nomes dos principais prejudicados pela dita “censura” de Moraes na plataforma. Dentre eles, estão o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), os senador Marcos do Val (Podemos-ES), Alan Rick (União Brasil-AC), os deputados Carla Zambelli (PL-SP) e Marcel Van Hattem (Novo-RS), mas também ex-parlamentares como Cristiane Brasil.
Em maioria, os textos apresentados reproduzem as decisões. Isto é, no documento só há o mando de derrubar contas na rede social sem estar acompanhada de uma fundamentação, apenas com a indicação dos perfis que precisam ser retirados do ar e possíveis valores de multa.
Argumentação: na narrativa, “em 2019, o Supremo concedeu a si mesmo novos poderes para atuar como investigador, procurador e juiz de uma vez em alguns casos". Uma referência ao inquérito aberto pelo então presidente da Corte, Dias Toffoli, em março de 2019, acerca de “notícias fraudulentas” que ofendiam ministros da Corte. Toffoli escolheu o ministro Alexandre de Moraes como instrutor do processo. O acúmulo das funções de juízo, investigação e vítima foi criticado por especialistas no mesmo ano.
Na concepção do documento, Moraes foi descrito como um "animal político" com esperanças de ser presidente do Brasil um dia. Ainda, sobre sua atuação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), é dito que ele “frequentemente emite ordens compelindo a censura de suposta desinformação sobre eleições”.
Que, com esses “novos poderes”, “ ordenou que plataformas de mídia social removessem postagens e contas mesmo quando muito do conteúdo não violava as regras das empresas e muitas vezes sem fornecer um motivo", alega o documento.
Acontece que a refutação do apresentado é difícil. A maior parte dos documentos segue em sigilo, apesar da Casa Legislativa norte-americana ter divulgado. Logo, só há a versão apresentada nas 541 páginas. Há a possibilidade de decisões não estarem completas. A reportagem do SBT entrou em contato com o STF (além do Itamaraty), mas ainda não obteve resposta. O espaço segue aberto.
“Os documentos e registros intimados revelam que, desde pelo menos 2022, o Supremo Tribunal Federal do Brasil, no qual Moraes atua como juiz, e o Tribunal Superior Eleitoral do Brasil, liderado por Moraes, ordenaram que a X Corp. suspendesse ou removesse cerca de 150 contas na popular plataforma de mídia social. Essas demandas de censura foram direcionadas especificamente a críticos do governo brasileiro: membros conservadores”, apresenta.
Multas: algo destacado por Jim Jordan é um possível abuso de poder na definição de valores a serem pagos caso as decisões não fossem respeitadas pelas plataformas. Frequentemente, essas ordens deram às empresas de mídia social apenas duas horas para cumprir as demandas de censura, caso contrário, enfrentam multas de até R$ 100 mil (cerca de US$ 20 mil) por dia de não conformidade. Na visão do apresentado, as multas prejudicam a continuidade dos trabalhos da X.
O relatório apresenta: 51 decisões do magistrado Alexandre de Moraes como membro do STF e outras 37 emitidas pelo TSE.
Musk x Moraes
A divulgação do documento acontece em meio ao embate entre Moraes e o dono do X, Elon Musk. No início de abril, o empresário disse que iria suspender as restrições aos perfis ordenadas por Moraes, alegando censura. No dia seguinte, Musk chamou o ministro de “Darth Vader do Brasil” e sugeriu que o magistrado sofresse um impeachment.
Na série de publicações, Musk ainda ameaçou retirar a empresa do Brasil. Pouco tempo depois, ele compartilhou um tutorial demonstrando como baixar VPN para mascarar o local de acesso do computador e, dessa maneira, poder continuar usando o X, caso a rede decidisse de fato deixar de operar em solo brasileiro.
As postagens chegaram até Moraes, que incluiu Musk no inquérito das milícias digitais e abriu um inquérito para apurar a conduta do bilionário. A ideia é investigar se há crime de obstrução à Justiça, “inclusive em organização criminosa e em incitação ao crime”.
Quem são os principais alvos, segundo a matéria, e por que tiveram as contas suspensas?
Entre políticos:
Jair Messias Bolsonaro (PL), 38º presidente do Brasil — cita representação da Coligação Brasil da Esperança (PT, PV e PC do B) contra o ex-presidente quanto ao uso irregular de propaganda na internet durante o pleito de 2022. Bolsonaro foi multado em R$ 20 mil por vincular crimes ao atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O antigo Twitter também foi multado: R$ 5 mil por dia de não cumprimento da ordem;
Marcos do Val (Podemos-ES), senador — investigado por obstruir investigações dos atos golpistas contra os três Poderes e divulgar documentos sigilosos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin);
Alan Rick (União Brasil-AC), senador — teve os perfis do Instagram e Twitter retidos. No 8 de Janeiro, o senador eleito do Acre fez uma postagem no Twitter dizendo que as manifestações pacíficas demonstravam indignação. Posteriormente teve os perfis reativados a pedido do presidente da Casa Alta, Rodrigo Pacheco (PSD-MG);
Carla Zambelli (PL-SP), deputada — foi suspensa das redes por mais de uma vez. Entre os documentos citados, justificam-se os atos de desinformação, ataques às estruturas da República, ministros do STF e falsas acusações;
Marcel Van Hattem (Novo-RS), deputado — teria atacado deliberadamente o sistema eleitoral e divulgado informações falsas sobre a Justiça Eleitoral;
Cristiane Brasil, ex-deputada — teve as contas bloqueadas no mesmo dia em que a Polícia Federal realizou uma operação contra seu pai, o também ex-deputado Roberto Jefferson. Jefferson recebeu os agentes a tiros e granadas, mas se entregou e foi preso;
Outros:
Guilherme Fiuza, jornalista — no início de janeiro de 2023, seus perfis nas plataformas Instagram, YouTube, Facebook e X foram bloqueados por ordem de Moraes, em relação ao inquérito das fake news;
Rodrigo Constantino, comentarista — a decisão teria partido do ministro do Supremo Alexandre de Moraes em inquérito sigiloso, que investigou a divulgação de discurso de ódio e antidemocrático;
Davi Sacer, cantor góspel — compartilhou uma publicação com o endereço do hotel em que magistrados do Supremo estavam em Nova York em 2022;
Ludmila Lins Grilo, juíza aposentada do TJMG — criticou a política de saúde implementada durante a pandemia, incluindo o uso de máscaras, além de expressar desaprovação pela atuação do STF. Em uma de suas postagens, referiu-se a Moraes e ao ministro Roberto Barroso como 'perseguidores-gerais da República';
Marcelo Rocha Monteiro, procurador de Justiça — foi alvo de investigação devido a suas manifestações políticas e por participar, bem como discursar, do ato pró-Bolsonaro ocorrido em 7 de Setembro de 2022 no Rio de Janeiro. Durante o evento, fez declarações sugerindo que os ministros do Judiciário estariam envolvidos em golpes, e também dirigiu críticas à Justiça Eleitoral.