"Estamos correndo o risco de retroceder 30, 40 anos, quando uma indústria de defesa era a oitava do mundo e tinha conquistado mercados externos, mas se perdeu praticamente toda"
Por Edson Rodrigues
O gaúcho Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, 63 anos, é o chefe de 217 mil militares. Comandante do Exército desde o último mês de fevereiro, ele enfrenta duas das missões mais difíceis de uma carreira iniciada em 1967: o corte orçamentário que atinge os projetos definidos como estratégicos pela Força e a ausência de reajustes da categoria. “Corremos o risco de retroceder 30, 40 anos na indústria de defesa”, disse Villas Bôas. Durante entrevista ao jornal Correio Braziliense na manhã da última sexta-feira, o general também lamentou a defasagem dos rendimentos da tropa, principalmente se comparados aos de outras carreiras.
Villas Bôas teme que todos os projetos estratégicos — que incluem defesa antiaérea e cibernética, proteção das fronteiras, renovação da frota de veículos — se percam por falta de dinheiro. Ao longo de 90 minutos, no gabinete principal do Quartel-General do Exército, Villas Bôas falou pela primeira vez com um veículo de imprensa. Ele disse não haver chance de os militares retomarem o poder no Brasil, elogiou o ministro da Defesa, Jaques Wagner, e disse que o país precisa de uma liderança efetiva no futuro. “Alguém com um discurso que não tenha um caráter messiânico — e é até um perigo nessas circunstâncias. Alguém que as pessoas identifiquem como uma referência.”
O general exemplifica a profundidade dos cortes da caserna com um projeto específico: “o Guarani é um programa de longo prazo, de um custo total de R$ 20 bilhões. Íamos comprar 1.200 carros, mas, neste ritmo dos cortes orçamentários, de adquirir 60 carros por ano, vamos levar 20 anos. O ciclo de implantação não será concluído e já estará obsoleto. Atravessamos um período de 30 anos de penúria orçamentária. Com isso, o Exército foi se esgarçando, porque não é da nossa natureza dizer não. Se se estabelece que é necessário o cumprimento de alguma tarefa, vamos cumprir. Nós nos acostumamos a matar um leão por dia, mas perdemos a capacidade de pensar a longo prazo, estrategicamente. É uma reversão de uma expectativa extremamente positiva”, declarou.
O general falou, também sobre a questão dos vencimentos dos militares, que, no momento, não agradam á categoria: “nesse momento crítico, a questão dos salários é uma coisa forte... É um problema grave. Se colocarmos ou fizermos um ranking dos salários das polícias militares, o Exército estará no meio. Deveria estar no topo. É um parâmetro. O que o governo tem despendido para o pagamento de pessoal das Forças Armadas vem decrescendo em relação a outros setores. Já estávamos achatados, e agora a tendência é mais ainda, o que só se agrava, porque o aumento viria até janeiro do ano que vem escalonado. E já foi adiado por sete meses. É um esforço que está sendo realizado por todo o país, só que surpreende quando a gente vê categorias ganhando aumento substancial num momento como esse. Isso, claro, aumenta a frustração interna”, sentenciou.
Sobre as manifestações pedindo a volta dos militares ao poder, o general é enfático: “é curioso ver essas manifestações. Em São Paulo, em frente ao Quartel-General, tem um pessoal acampado permanentemente. Eles pedem “intervenção militar constitucional” (risos). Queria entender como se faz. Interpreto da seguinte forma: pela natureza da instituição, da profissão, pela perseguição de valores, tradições etc. A gente encarna uma referência de valores da qual a sociedade está carente. Não tenho dúvida. A sociedade esgarçou seus valores, essa coisa se perdeu. Essa é a principal motivação de quererem a volta dos militares. Mas nós estamos preocupados em definir para nós a manutenção da estabilidade, mantendo equidistância de todos os atores. Somos uma instituição de Estado. Não podemos nos permitir um descuido e provocar alguma instabilidade. A segunda questão é a legalidade. Uma instituição de Estado tem de atuar absolutamente respaldada pelas normas em todos os níveis. Até para não termos problemas com meu pessoal subordinado. Vai cumprir uma tarefa na rua, tem um enfrentamento, fere, mata alguém, enfim... não está respaldado. E aí, daqui a pouco, tem alguém meu submetido na Justiça a júri popular. Terceiro fator: legitimidade. Não podemos perder legitimidade. O Exército tem legitimidade por quê? Porque contribui para a estabilidade, porque só atua na legalidade. Pelos índices de confiabilidade que a sociedade nos atribui, as pesquisas mostram repetidamente, colocam as Forças Armadas em primeiro lugar. E, por fim, essa legitimidade vem também da coesão do Exército. Um bloco monolítico, sem risco de sofrer qualquer fratura vertical. Por isso as questões de disciplina, de hierarquia, de controle são tão importantes para nós. O Exército está disciplinado, está coeso, está cumprindo bem o seu papel.
NOSSO PONTO DE VISTA
O general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas foi correto em todas as respostas, fazendo questão de reforçar o papel das Forças Armadas na manutenção da democracia, mas, suas pontuações de problemas que atingem as forças armadas, redundam nas afirmações recentes de um graduado da Marinha, que confirmou o crescente descontentamento da tropa como o resultado de um descaso que já dura alguns anos e que vem desde o governo Lula, que iniciou uma série de cortes em investimentos na segurança do País. Segundo esse Almirante, os militares vêm enfrentando dificuldades até para a alimentação e uniformes, o que vem gerando um sentimento de frustração e abandono e colocando a tropa em estado de constante alerta.
A determinação do governo Dilma que tirou o poder dos militares em nomear, definir e concretizar ações referentes à tropa, também foi um “balde de água gelada” no bom-humor dos comandantes das três forças, pois tirou deles a autonomia tão importante e emblemática que os governos civis vinham mantendo “no fio da navalha”.
Analistas políticos não descartam a possibilidade de uma “insurgência branca” das Forças Armadas, que poderia começar por uma falta de posicionamento em relação á manutenção do estado democrático, até uma atitude de não subserviência, de desobediência aos desmandos governamentais para que a tropa seja respeitada e tenha suas necessidades e demandas, pelo menos, respeitadas.
Essa possibilidade pode ser facilmente notada nos últimos pronunciamentos e postagens dos militares.
Recomenda-se que o governo do PT preste bem atenção à esse “sinal amarelo” que está sendo, educadamente, dado pelas forças armadas, Pois, uma democracia só é interessante e duradoura a partir do momento em que se trate democraticamente das instituições e do povo e que se mantenha um grau de respeitabilidade à todas as instituições.
Em momentos de crise, o povo tende a apoiar tudo ou todos os que se mostrem dispostos a reaver seus direitos.
Quem viver, verá!