Autointitulado 'resistência democrática', grupo reúne deputados, senadores, juízes do Supremo Tribunal Federal e ministros do Tribunal de Contas da União
Por Laryssa Borges
Reservadamente, um grupo de deputados, senadores, juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) e ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) tem discutido o destino do presidente Jair Bolsonaro e cenários sobre como socorrer setores econômicos após a pandemia do novo coronavírus. Com o pedido de demissão do ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, e as duras acusações contra o presidente feitas pelo ex-juiz da Lava-Jato, o grupo apelidado de “resistência democrática” acredita que pode ganhar relevância nos debates sobre o futuro do país, discutir mais concretamente a viabilidade ou não de um processo de impeachment e influenciar tomadas de decisões para manter um mínimo de governabilidade.
Bolsonaro está convencido de que parte da classe política, com o apoio de magistrados do STF, tem providenciado armadilhas para enfraquecê-lo politicamente e retirá-lo do Palácio do Planalto. O presidente é conhecido por sua predileção por teorias conspiratórias, mas uma parcela nada desprezível de confabulações têm ganhado corpo na capital. A “resistência democrática” tem discutido temas como quem vai ser o próximo presidente da Câmara dos Deputados, o risco de se empoderar o vice-presidente Hamilton Mourão já em 2021, e a possibilidade de a Polícia Federal, agora sob o comando do ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem, abrir investigações aleatórias contra desafetos do presidente, como os governadores do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, de São Paulo, João Dória, e de Goiás, Ronaldo Caiado.
A estratégia do grupo para manter influência política passa pela manutenção do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) como presidente da Câmara dos Deputados. Antagonista de Bolsonaro na condução de políticas públicas relacionadas à pandemia, Maia tem feito consultas a ministros do Supremo sobre a viabilidade de se candidatar, mais uma vez, à chefia da Câmara, ainda que as regras internas da Casa não lhe permitam. O mandato do democrata como presidente termina em fevereiro do ano que vem, mas ele já começou costuras para levar à votação uma mudança interna no regimento que permita afastar a restrição atual. A medida inevitavelmente desaguaria em questionamentos no STF – daí a razão das sondagens prévias à Corte.
Nas metáforas presidenciais, Rodrigo Maia é um general sem tropa, mas que tem hoje em seu entorno um consórcio de partidos que circunstancialmente compartilham dos mesmos interesses, opostos aos de Bolsonaro. A “resistência democrática” acredita que, mesmo se Maia não conseguir se segurar na Presidência da Câmara em 2021, Jair Bolsonaro erra ao apostar suas fichas em políticos do chamado Centrão, que tem representantes como Arthur Lira, denunciado na Lava-Jato, Valdemar Costa Neto, pilhado no mensalão, e Roberto Jeferson, pivô do maior escândalo político do país pré-petrolão. “Qualquer deputado do Centrão aperta o botão do impeachment. Não precisa ser o Rodrigo”, disse a VEJA um dos integrantes do grupo.
Além da virtual permanência de Rodrigo Maia como presidente da Câmara, o grupo tem feito projeções de caos político para o presidente quando se avolumarem ainda mais as vítimas fatais do novo coronavírus e de desalento econômico quando estados e municípios, com caixas sobrecarregados para socorrer a área da saúde, não conseguirem honrar as despesas mais comezinhas, como salários de servidores e custos de funcionamento de hospitais. A avaliação corrente é a de que Bolsonaro antecipa para agora o embate com governadores e prefeitos em questões relacionadas ao coronavírus porque ainda detém cerca um terço de suporte do eleitorado.
O patamar, ainda que inviável para se levar adiante um processo de impeachment, garante a ele certo combustível para queimar no embate político-partidário antes de a crise provocada pela pandemia se tornar ainda mais aguda. A partir do próximo ano, com a economia em frangalhos e o país afundado em uma recessão de 5%, segundo cálculos do Fundo Monetário Internacional (FMI), a “resistência democrática” acredita que não seria mais possível para o presidente transferir responsabilidades para governadores como Witzel e Dória, favoráveis ao isolamento social e adversários de Bolsonaro na condução da crise provocada pelo coronavírus. “Como se diz na minha terra, tem uma hora que o problema é federal”, afirmou a VEJA um ministro que faz parte da tal “resistência democrática”