Juristas afirmam que Lula dificilmente poderá se candidatar em 2018, caso seja condenado em segunda instância
Por Mariana Schreiber - Da BBC Brasil em Brasília e jornal Folha de S.Paulo
Agora que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado a mais de 9 anos de prisão pelo juiz Sergio Moro por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do "tríplex do Guarujá", aumenta o risco de que sua intenção de se candidatar a presidente em 2018 seja barrada na Justiça Eleitoral. Isso vai depender do ritmo de seguimento do caso na Justiça e se a condenação será mantida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), para onde Lula deve recorrer contra a decisão de Moro. A Lei da Ficha Limpa prevê que pessoas condenadas em segunda instância não podem se candidatar - no entanto, se o TRF-4 manter a decisão de Moro, o petista poderá tentar suspender os efeitos da condenação com um recurso provisório em tribunais superiores, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) ou STF (Superior Tribunal Federal). Entenda abaixo quais os cenários possíveis para Lula em 2018.
Cenário 1: Lula não é julgado antes da eleição Se o julgamento do TRF-4 demorar e não for concluído antes da eleição de 2018, a mera condenação em primeira instância não é suficiente para impedir Lula de disputar o pleito.
Porém, dois juristas ouvidos pela BBC Brasil - o advogado Gustavo Badaró, professor de direito processual penal da USP (Universidade de São Paulo), e o advogado especialista em direito eleitoral Daniel Falcão, professor da USP e do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público) - consideram que há tempo suficiente para o tribunal regional concluir o julgamento do caso antes da eleição do próximo ano. Antes de apelar ao TRF-4 para tentar rever a condenação em primeira instância, a defesa do petista poderá apresentar "embargos de declaração" ao próprio Moro, questionando sua decisão. Com isso, Falcão calcula que um recurso de Lula à segunda instância chegaria ao tribunal regional no final de agosto. "Então TRF-4 vai ter mais de um ano (antes da eleição) para julgar isso. Tempo com certeza tem", disse.
Segundo levantamento do jornal Folha de S.Paulo realizado em fevereiro, o TRF-4 tem levado em média um ano e dez meses para julgar processos da Lava Jato - se esse ritmo for mantido, Lula não seria julgado até a eleição de 2018 e poderia concorrer. Ainda de acordo com o jornal, a ação que levou menos tempo para ser julgada após a sentença de Moro levou dez meses.
"Por toda repercussão do caso, eu imagino que o TRF-4 não vai simplesmente lavar as mãos e deixar para julgar depois da eleição. Até porque, para o próprio Lula seria ruim, do ponto de vista político, ir para a campanha com essa sobra de corrupto e lavador de dinheiro", acredita Badaró.
Na hipótese de Lula concorrer e ganhar a eleição, o julgamento no TRF-4 ficaria suspenso até o final do mandato presidencial, pois a Constituição proíbe o Presidente da República de ser processado por atos "estranhos ao exercício de suas funções".
Cenário 2: Lula é absolvido Se Lula for absolvido pelo TRF-4, fica livre para disputar a eleição de 2018, a não ser que venha a ser condenado em segunda instância em outro processo.
O petista é réu em mais quatro ações, alvo de uma denúncia da Procuradoria, que ainda está sendo avaliada por Moro, e investigado pela Polícia Federal em mais outros dois inquéritos.
Na ação que acaba de ser condenado, Lula é acusado de receber um apartamento no Guarujá (SP) em troca da promoção de interesses da empreiteira OAS junto à Petrobras, o que ele nega.
A decisão do TRF-4 sobre Lula é imprevisível. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, a turma que julga recursos de ações da Lava Jato é conhecida pela rigidez e ampliou a condenação de quase metade dos sentenciados por Moro.
No final de junho, porém, o tribunal regional derrubou uma decisão de Moro que condenava o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto a 15 anos e 4 meses de prisão, por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e associação criminosa. Nesse caso, os desembargadores do TRF-4 entenderam que as provas contra Vaccari são "insuficientes" e se basearam "apenas em delações premiadas".
Cristiano Zanin Martins, advogado de Lula, acusou Moro de se basear apenas no depoimento do empresário Leo Pinheiro, ex-presidente da construtora OAS.
"O juiz baseou sua sentença no depoimento de um corréu. Uma pessoa que vai a juízo interessada em destravar o seu processo de delação e sem o compromisso de dizer a verdade. Não havia sequer um acordo de delação. A sentença é ilegítima. Afronta a Constituição, os tratados internacionais e acreditamos que deva ser revertida em algum momento", disse, em coletiva a jornalistas.
Moro cita também em sua decisão contra Lula o depoimento do delator Delcídio do Amaral, ex-senador do PT, apontando que "os indicados aos cargos na Petrobras tinham uma obrigação de arrecadar propina para os partidos políticos, o que era do conhecimento, embora não em detalhes, do então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva".
Já o procurador da República do Distrito Federal Ivan Cláudio Marx pediu nesta semana o arquivamento de outra investigação contra Lula, por suposta obstrução de justiça, sob o argumento de que Delcídio pode ter citado Lula em seu depoimento apenas como forma de "aumentar seu poder de barganha" ao negociar um acordo de delação premiada.
Cenário 3: condenação no TRF-4 antes da confirmação da candidatura de Lula Os partidos têm até 15 de agosto de 2018 para registrar seus candidatos. Depois dessa data, a Justiça Eleitoral faz uma análise sobre se os indicados podem concorrer ou não.
No caso dos que concorrem à Presidência da República, a análise é feita diretamente pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e demora, em geral, de 20 a 30 dias.
Se a segunda instância confirmar a condenação de Lula antes da conclusão dessa análise, o TSE levaria em conta essa decisão e tornaria Lula inelegível, explicou à BBC Brasil uma fonte de dentro do tribunal.
Mas a defesa de Lula poderia tentar uma decisão provisória no STF e STJ suspendendo os efeitos de uma condenação em segunda instância até a conclusão do julgamento nesses tribunais superiores. Se conseguir essa liminar, a decisão também seria levada em conta pelo TSE, que poderia então liberar a candidatura de Lula.
Cenário 4: condenação no TRF-4 após confirmação da candidatura de Lula
Se uma eventual condenação em segunda instância ocorrer quando a candidatura de Lula já tiver sido autorizada pelo TSE, ainda assim ele ficaria inelegível, apurou a BBC Brasil.
No entanto, nesse cenário, a inelegibilidade só poderia ser confirmada pela Justiça Eleitoral após a eleição. Nesse caso, se Lula sair vitorioso, o questionamento sobre a legalidade da sua candidatura só poderia ser feito após a sua diplomação como presidente, o que ocorreria no final de dezembro de 2018.
Dessa forma, ele assumiria o cargo até o TSE concluir sue julgamento sobre a inelegibilidade.
Cenário 5: Lula é condenado pelo TRF-4 antes da eleição, mas recorre Se Lula for condenado no TRF-4, poderá recorrer da decisão aos tribunais superiores em Brasília (STF e STJ).
No entanto, esses julgamentos levariam tempo e não seriam concluídos antes da eleição de 2018, afirmam os juristas ouvidos pela BBC Brasil.
Dessa forma, a defesa do petista teria que tentar um liminar (decisão provisória) suspendendo os efeitos de uma eventual condenação na segunda instância.
Para Badaró, as chances de êxito em um pedido desse tipo seriam baixas. Como lembra o professor, o atual entendimento do STF é que a "presunção da inocência" acaba após a condenação em segunda instância, o que significa que o condenado tem que começar a cumprir imediatamente a pena, ainda que caibam recursos a outras instâncias.
Antes, a mera apresentação do recurso ao STF ou ao STJ tinha efeito "suspensivo", cancelando os efeitos da condenação em segunda instância até que o recurso fosse julgado. Hoje, isso não é mais automático e é preciso conseguir uma liminar de um dos tribunais superiores, seja de um dos ministros ou do colegiado.
"Não seria impossível (tentar a candidatura após eventual condenação pelo TRF), mas seria muito pouco provável conseguir. Depois da mudança do entendimento do Supremo Tribunal Federal (sobre a presunção da inocência), essas liminares têm sido muito raras", nota o advogado Gustavo Badaró. "Precisaria que o ministro, antecipando já em alguma medida o mérito do recurso, já concluísse de cara haver uma ilegalidade muito forte, evidente, na decisão do TRF-4, para que ele desse o efeito suspensivo da liminar", acrescentou.
Avaliação semelhante tem o advogado Daniel Falcão. Segundo ele, se houver condenação no TRF-4, "é muito pequena" a chance de reverter essa decisão.
"Acho muito pequena porque não é da tradição do STJ e do STF reverter essas condenações. Trabalhos estatísticos mostram isso, que a chance de um recurso especial ao STJ ou extraordinário ao STF reverter uma condenação é muito baixa. E, ao mesmo tempo, nem sei se daria tempo de chegar ao STJ ou STF o recurso antes da eleição."