Por Cinthia Abreu
Casas derrubadas sem ordem judicial, ameaças, perseguições, corte de energia elétrica e de água, destruição de plantações, seguranças armados, agressão física, roubos, pistolagem e até morte. Os conflitos de terra ganham proporções cada vez maiores e a luta pelo direito à moradia e contra a violação de direitos humanos é uma constante no trabalho da DPE-TO – Defensoria Pública do Estado do Tocantins. Dados do DPAGRA – Defensoria Pública Agrária mostram que conflitos por terra crescem no Estado e os problemas tem chegado ao extremo, indo contra os princípios da dignidade humana. Somente neste segundo semestre de 2016, mais de 400 famílias no Estado estão sofrendo com ordens de desejo, o que atinge mais de duas mil pessoas. As principais áreas de conflitos agrários que estão mais sujeitas a despejos ficam nos municípios de São Bento do Tocantins, Campos Lindos e Aparecida do Rio Negro.
Próximo ao município de Aparecida do Rio Negro, na área da Fazenda Serra Dourada de 600 alqueires, por exemplo, vivem cerca de 80 famílias. Alguns deles chegaram ao local há quase 20 anos, instituíram famílias, construíram casas, criaram animais e cultivaram plantações para próprio sustento e geração de renda. Eles têm contra si uma ordem de despejo, desde 2014, mas as famílias alegam que nunca foram ouvidas no processo. Nesta semana a Justiça autorizou a remoção das famílias.
Ameaças
Porém, os conflitos não acontecem apenas no campo judicial. As famílias enfrentam, há cerca de três meses, ameaças por parte dos supostos donos das terras e seus seguranças. “Somos ameaçados frequentemente por pessoas que se dizem policiais. É de muita indignação para nós ver um acontecido desse e não poder fazer nada. Os caras chegam aqui aterrorizando e em momento algum eles se identificam. É um ato criminoso o que está acontecendo neste local. Eu já tinha tomado a decisão de desistir disso aqui porque a minha família está com muito medo, temos filhos pequenos, mas eu não vou largar a nossa terra porque isso aqui é o nosso sonho, é a nossa casa, e não vamos sair expulsos por pistoleiros”, conta o agricultor Etevaldo Lima de Sá.
Conforme explica o presidente da associação, Júlio César, as famílias sofrem ameaças e perseguições semanalmente. “Já tem uns três meses que os próprios seguranças, sem nenhum mandado judicial, aparecem aqui, cortam a energia elétrica, derrubam casas, retiram as famílias e frequentemente nos fazem ameaças. Sem falar dos constantes roubos de animais, móveis e eletrodomésticos em quase todas as casas da região”, descreve. Segundo ele, somente no mês de junho, 13 casas foram derrubadas no local e outras sete no mês de julho. Além disso, muitas famílias já deixaram o local por causas das ameaças.
Agressões
O aposentado Gessi Gonçalves, 63, conta que as ameaças são cercadas de agressões. “Vivem chamando a gente de vagabundos. Nós não somos vagabundos não, somos um grupo de trabalhador que vive lutando por sua terra. Somos um grupo que escolheu esse lugar para manter, para viver e é com esses braços aqui que eu trabalho por essa terra. Lá em casa tem mandiocal, tem água irrigada, tem plantação de banana. Eles nunca foram na minha casa para ver e mostrar para o juiz que ali tem um grupo de trabalhador, mas para atropelar os nossos direitos e forjar a nossa dignidade aparece”, conta emocionado o agricultor.
A dona de casa Gilvânia Lopes Inácio mora no local há 15 anos e criou os quatro filhos na área. Ela fica indignada com as constantes ameaças. “Eles estão brincando com dinheiro público, quantos postes de energia já tiraram da nossa área? Esse dinheiro eles tinham que usar nos hospitais, na saúde pública e não para ficar forçando a gente sair da nossa área. Porque eles não vieram no começo? Já moro com meus filhos aqui tem 15 anos e nunca apareceram. Gastei dinheiro, suor para fazer isso aqui e eles não podem aparecer do nada e apagar com uma borracha a minha história aqui não”, defende.
Sidélia Augusta Martins tem 65 anos e mora no local com o marido, 68, e quatro filhos. “Meu marido sofre com problema o coração, ele não pode nem ficar nervoso porque corre risco até de morrer. Quando foi num dia cedo da manhã, eu escutei aquele barulho dos homens chegando, fiquei muito angustiada, pedi ao Senhor que me desse força e fui conversar com eles. Meu marido foi parar no hospital, ficou 15 dias internado, e até hoje ele sofre do coração por conta desses nervosismos e medo de ser despejado”, declara.
Remoção
Por ser uma demanda coletiva, a Defensoria Pública acompanha o caso há três meses. Na manhã desta sexta-feira, o defensor público Pedro Alexandre Conceição, coordenador do DPAGRA, esteve em reunião pública com as famílias no local para anunciar que uma liminar foi deferida pela Justiça, autorizando a remoção das famílias. Com a presença de representantes da Prefeitura de Palmas, Incra, OAB-TO – Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Tocantins e Polícia Militar, o Defensor Público reforçou que impugnou a decisão e que, caso aconteça a remoção, ela deverá acontecer de forma pacífica e que os autores precisam disponibilizar a infraestrutura para isso, como caminhão para carregar os móveis, ônibus para famílias e ainda é necessário que se tenha um local para que tais famílias sejam abrigadas. “Esses tipos de ações são abusivas. Caso elas continuem a acontecer, as famílias devem comunicar à Defensoria Pública, para assim acionarmos as instituições competentes, e os responsáveis sejam inibidos desse tipo de postura”, complementa.
Ainda não há data definida para a remoção, porém, o Defensor Público reforçou que as famílias serão informadas com antecedência e que se exigirá a presença não só da Polícia Militar e Defensoria Pública, como também do Conselho Tutelar e de órgãos de proteção do idoso e de defesa dos direitos humanos. Antes disso, assistentes sociais da Prefeitura de Palmas irão elaborar um relatório social das famílias para identificar o perfil das famílias afetadas.
Tanto os autores da ação como integrantes do Poder Judiciário foram convidados a participar da reunião, mas nenhum representante compareceu. “A Defensoria Pública tem pedido para que se conheça a realidade dessas famílias, mas isso nunca aconteceu. A presença das instituições ligadas ao campo, e do Judiciário, por intermédio de seu juiz com competência para conflitos agrários, contribuiria em muito para o deslinde pacífico do conflito”, relata o Defensor Público.
Reunião
No município de Palmeirante, as famílias denunciam constantes ameaças de morte por parte dos pistoleiros. A denúncia foi feita em recente reunião na Defensoria Pública do defensor público Pedro Alexandre com os posseiros da Fazenda Malu, Associação São Francisco, Fazenda Lagoinha, Fazenda Paraná e Fazenda Nossa Senhora Aparecida, todas na região da Gleba Anajá. Segundo os moradores, alguns pistoleiros chegaram às chácaras portando armas de fogo, exigindo que os posseiros cavassem a própria cova no quintal para que fossem utilizadas pelos mesmos após o assassinato. Edivam Alves do Santos ocupava a Fazenda Lagoinha e conta que sua família foi removida à força do local. “Ele sempre se utilizam de pistolagem e força física nas remoções. Somos trabalhadores e não precisamos nos sujeitar a essas humilhações”, declara.