Em um momento em que o Brasil enfrenta uma pandemia de Covid-19, que já matou 4.057 e tem outros 59.324 casos confirmados da doença em todo o país, que causou uma paralisação profunda no comércio e na indústria, redundando em milhares de desempregados e colocando o País à beira de uma grave recessão, o assunto que domina a mídia nacional é a queda do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro que, em seu anúncio de demissão voluntária, caiu atirando contra o presidente da República, abrindo uma crise constitucional sem precedentes na história do Brasil.
Por Edson Rodrigues e Luciano Moreira
Já vimos um presidente cair por causa de uma Elba, outra por “pedaladas” e um ex ser preso por causa de um apartamento, sendo que, se a Justiça apertasse mais um pouquinho, teríamos mais um, Michel Temer, salvo pela união do Congresso em uma “blindagem mútua”.
Agora, estamos bem próximos de ver mais um presidente cair, desta vez pelas revelações de um dos seus ministros de primeira-hora, homem escolhido para ser o símbolo de um governo que lutaria com unhas e dentes contra a corrupção, mas que sucumbiu ante o despreparo pessoal e familiar (por que não político, já que os “Bolsonaros –mirins” têm cargos eletivos).
TUDO MUDA
Se a bandeira inicial de Bolsonaro era um governo sem corrupção e sem os acordos e negociatas que trocavam cargos por apoio, hoje ele se vê obrigado a buscar entre os parlamentares quem aceita lhe dar apoio em troca de benesses. E, o pior, não escolhe nomes, partidos, muito menos vida pregressa na hora de garantir o apoio, no melhor estilo da “velha política”, que tanto combatia.
Sem Moro Bolsonaro perde a sua “bandeira” de combate à corrupção, os milhões de brasileiros agradecidos pelos resultados da Lava Jato, que repatriaram bilhões de reais aos cofres públicos e que passaram a apoiar Bolsonaro após a entrada de Moro no governo.
Bolsonaro precisava lembrar, antes de tentar humilhar Moro, que ele, Bolsonaro, já fazia parte da velha política e agiu como tal ao substituir o principal homem da Pasta de Moro sem levar em consideração as ponderações do ministro e, segundo juristas, cometeu crime ao incluir a assinatura eletrônica de Sérgio Moro na publicação da exoneração no Diário Oficial da União.
SÉRGIO MORO
Sérgio Moro ganhou enorme notoriedade nacional e internacional por comandar, entre março de 2014 e novembro de 2018, o julgamento em primeira instância dos crimes identificados na Operação Lava Jato que, segundo o Ministério Público Federal, é o maior caso de corrupção e lavagem de dinheiro já apurado no Brasil, envolvendo grande número de políticos, empreiteiros e empresas, como a Petrobras, a Odebrecht, entre outras.
Em 12 de julho de 2017, condenou o ex-presidente Lula a nove anos e seis meses de prisão, sendo essa a primeira vez na história do Brasil em que se condenou criminalmente um ex-presidente da República, decisão esta mantida em segunda instância.Sua atuação na condução da Lava-Jato rendeu-lhe prêmios e críticas.
Em novembro de 2018, aceitou ser Ministro da Justiça e Segurança Pública no governo do presidente eleito Jair Bolsonaro, tendo pedido exoneração do cargo na magistratura. Em 20 de novembro de 2018, foi nomeado Coordenador do Grupo Técnico de Justiça, Segurança e Combate à Corrupção do Gabinete de Transição Governamental e tomou posse como ministro em 1° de janeiro de 2019. O Ministério da Justiça acumulou responsabilidades do Ministério do Trabalho, que foi extinto no governo Bolsonaro, tais como as competências de concessões de cartas sindicais e fiscalização de condições de trabalho.
Ou seja, Moro era o “justiceiro” de Bolsonaro, o homem que “seguraria a bronca da corrupção” enquanto o Presidente trataria de governar o País. Mas, ao fim, o “casamento” entre Bolsonaro e Moro acabou de forma melancólica, na última sexta-feira (24), quando, em entrevista coletiva, Sérgio Moro anunciou sua demissão e sua saída do governo.
REFLEXOS
A saída de Moro “doeu” muito mais em Bolsonaro que no ex-ministro. Grande parte dos auxiliares militares de Bolsonaro anunciou seu descontentamento com a forma com que o presidente “deixou escapar” e já deixaram claro que devem deixar o governo (nunca houve unanimidade entre os militares sobre a escolha do General Mourão para vice-presidente).
Líderes de vários partidos com quem Bolsonaro vinha tentando conquistar apoio contra o presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia, já se colocaram em defesa de Moro.
Presidentes da Câmara Rodrigo Maia e do Senado David Alcolumbre
Mas, o pior, é que Moro sempre foi mais popular que Bolsonaro, em todas as pesquisas realizadas e, a ex-líder de Bolsonaro, Joice Hasselmann, líder do PSL, ex-partido do presidente, já lançou a campanha para que Moro se candidate à presidente da República em 2022.
PONTOS A PONDERAR
A questão, agora, é analisar se Moro cometeu algum crime ao “cair atirando” e revelar as tentativas de interferência de Bolsonaro no trabalho da PF.
"Do ponto de vista jurídico e democrático, é preocupante que alguém com conhecimento de fatos graves, só no momento que foi contrariado pessoalmente tenha falado a respeito", diz José Mário Wanderley, doutor em Ciência Política e professor da pós-graduação em Direito da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).
Mesmo assim, segundo Wanderley, não é possível afirmar que Moro cometeu crime de prevaricação ao não denunciar as supostas pressões sofridas, isso porque a mera intenção de Bolsonaro interferir na PF não caracterizaria crime - e, em teoria, Moro deixou o cargo assim que soube da troca do comando, ou seja, quando a intenção se materializou.
"Moro sabe que não pode acusar ninguém de crime sem ter provas, então, ele insinuou o suficiente para um julgamento político, para caracterizar infrações que poderiam fortalecer um pedido de impeachment [do presidente Jair Bolsonaro]", avalia Wanderley. Para o professor de direito da FGV-SP Rubens Glezer, também não houve crime por parte de Moro no episódio.
Já a respeito de Bolsonaro, os especialistas são unânimes ao dizer que, se comprovadas as alegações de Moro, o presidente teria cometido os crimes de obstrução de Justiça e de responsabilidade.
Bolsonaro teria cometido ao menos dois crimes, de obstrução de Justiça e de responsabilidade. Este último, vale dizer, a despeito do nome, a rigor, não é crime e se caracteriza mais como uma infração, que pode levar à perda do cargo político.
Para o professor de Direito Constitucional da Universidade de São Paulo (USP) Conrado Hübner Mendes, se Bolsonaro realmente trocou o comando da PF no contexto mencionado por Moro, o presidente cometeu crime comum, de obstrução de Justiça, e crime de responsabilidade.
Outra questão apontada pelo ex-juiz foi a publicação da exoneração no Diário Oficial com a sua assinatura como ministro da Justiça, sem que ele tivesse ciente disso. "Não assinei esse decreto", afirmou Moro. Além disso, Bolsonaro postou em rede social uma imagem do decreto em que grifa o trecho "exonerado a pedido", dando a entender que Valeixo pediu para sair e que sua demissão teria sido determinada por Moro, o que foi negado pelo ex-ministro da Justiça.
DESELEGÂNCIA
"O que Moro está fazendo aí já é um discurso de quem, a partir desse momento, entrou na oposição. Uma pessoa não passa tantos anos como juiz federal sem saber da técnica jurídica, sem saber o que está fazendo. Ele sabe muito bem. Ele é um enxadrista", conclui Wanderley, fazendo referência a uma possível disputa entre Moro e Bolsonaro na próxima eleição presidencial, em 2022.
O fato é que Moro não precisava ter mostrado as imagens das conversas que teve por aplicativo para a TV Globo. Foi um ato deselegante e que dá margens à outras interpretações sobre suas intenções.
Cabe a nós, meros mortais, aguardar os rumos que a saída de Sérgio Moro do governo de Jair Bolsonaro tomarão. Se o presidente consegue reverter essa situação ou se o ex-juiz federal será candidato a presidente em 2022.
Que Deus nos abençoe!