Depois de comemorar a volta aos holofotes como o homem forte do governo Dilma, Renan Calheiros tem sigilos bancário e telefônico quebrados pelo STF e pode começar 2016 obrigado a se encolher
Por Edson Rodrigues
Quando o presidente do Senado, Renan Calheiros, ressurgiu das sombras, na semana passada, “remodelando” o PMDB de acordo com as vontades do Palácio do Planalto, ele e sua “tropa” esperavam que fossem blindados pelos beneficiados em relação ás investigações da Operação Lava Jato e outros escândalos que assombram as madrugadas de Brasília.
Com o PT, estava tudo bem. Renan só esqueceu-se de combinar com o pessoal do STF. Uma reportagem da revista Época desta semana revela que o STF autorizou, no último dia 9, a quebra de seu sigilo bancário e fiscal no período de 2010 e 2014.
As evidências contra Renan são cada vez mais consistentes e graves. O petrolão é o escândalo que mais o assusta. Renan sustentou Sérgio Machado na Transpetro por 12 anos. De acordo com o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, por meio de Machado, Renan recebia propina pelos contratos da Transpetro.
Segundo despacho do ministro Teori Zavascki que autorizou a quebra do sigilo de Renan, um dos pagamentos veio do contrato de R$ 240 milhões para a construção de 20 comboios de barcaças. A licitação foi vencida em agosto de 2010 pelo consórcio Rio Maguari, formado pelo Estaleiro Rio Maguari, pela SS Administração e pela Estre Petróleo.
Ao longo da concorrência, as empresas que viriam a vencer a disputa fizeram doações para a direção estadual do PMDB de Alagoas, cujo responsável é Renan. Em seguida, o diretório repassava o dinheiro para a campanha de Renan. “Constata-se que em 19 de julho de 2010 ocorreram duas transferências para a campanha de José Renan Vasconcelos Calheiros, ambas no valor de R$ 200 mil perfazendo-se o total de R$ 400 mil correspondentes aos valores depositados pelas empresas que fraudulentamente venceriam a licitação em comento”, diz o documento do ministro Teori.
Um dia após a Catilinárias, estourou a Operação Positus, que investiga o Postalis, fundo de pensão dos Correios com deficit de R$ 5,5 bilhões. No centro dessa investigação está Fabrizio Neves. Ele era ligado ao PMDB e aproveitava sua conexão política com Renan para desviar recursos do fundo de pensão para contas b
ancárias de empresas sediadas em paraísos fiscais.
De acordo com novos documentos, foram realizadas ao menos cinco operações irregulares que geraram um prejuízo de R$ 61 milhões para o Postalis.
O esquema consistia em comprar no mercado papéis da dívida externa brasileira e revendê-los, em seguida, por um preço até 62% maior para o Postalis, segundo investigação da procuradora da República Karen Louise Kahn. Entre os que se deram bem também estão Adilson Florêncio da Costa, ex-diretor financeiro do Postalis, outro apaniguado de Renan, e Alexej Predtechensky, ex-presidente do fundo de pensão dos Correios ligado a Renan e ao senador Edison Lobão (PMDB-MA).
Procurado, o presidente do Senado, Renan Calheiros, diz que “suas relações com empresas públicas e privadas nunca ultrapassaram os limites institucionais” e que “já prestou as informações que lhe foram solicitadas e está à disposição para quaisquer novos esclarecimentos”. O senador ainda afirma que “jamais credenciou, autorizou ou consentiu que seu nome fosse utilizado por terceiros em quaisquer circunstâncias”. O Postalis disse, em nota, que está “à disposição das autoridades e tem todo o interesse de que os fatos investigados pela PF sejam esclarecidos com celeridade”. Fabrizio Neves está foragido e não foi localizado. Ele é procurado pela Interpol. Sérgio Machado diz por meio de sua assessoria de imprensa que foi indicado para a presidência da Transpetro pela direção nacional do PMDB e que sua permanência se deu em virtude dos bons resultados apresentados pela empresa. “Sobre a licitação, a equipe técnica do Tribunal de Contas da União atestou a lisura do procedimento licitatório e afirmou não haver ‘indícios de restrição ao caráter competitivo da licitação’”, diz.
BUMLAI CONFESSA
Outra bomba que vai estourar no colo do Palácio do Planalto esta semana são as primeiras confissões do pecuarista José Carlos Bumlai, agora réu na Lava Jato, em que ele abre o jogo sobre os empréstimos fraudulentos contraídos por ele destinados a abastecer as campanhas petistas, reveladas pela revista Istoé. Para os procuradores, é só o começo.
Para os policiais federais, as palavras de Bumlai, amigo do ex-presidente Lula preso em Curitiba desde novembro, representaram mais do que uma delação premiada. Soaram como uma confissão. Em mais de seis horas de depoimento, o empresário reconheceu tudo o que havia refutado na primeira vez em que foi ouvido pelos integrantes da Lava Jato. As revelações colocam Lula e o PT numa encalacrada. Sem titubear, o pecuarista admitiu ter contraído em 2004 um empréstimo irregular de R$ 12 milhões junto ao Banco Schahin e repassou ao PT, por meio de laranjas.
O dinheiro, ainda segundo Bumlai, tinha uma destinação: abastecer as campanhas petistas. Em especial, a do ex-presidente Lula, candidato a reeleição em 2006. Bumlai foi além. Confirmou que, como contrapartida, o Banco Schahim foi contemplado com um contrato de R$ 1,6 bilhão para fornecimento de navios-sonda para a Petrobras. Para possibilitar o desvio, o contrato foi superfaturado. O modus operandi, acrescentou o pecuarista, teria se repetido em outras transações envolvendo outros laranjas, sempre tendo como beneficiário final as arcas do PT. “A estrutura da Petrobras era do PT”, disse o empresário aos agentes da PF.
O depoimento do pecuarista implica sobremaneira Lula por algumas razões fundamentais. A principal delas: Bumlai nunca foi empreiteiro nem mantinha negócios com a Petrobras. Agiu sempre em favor e em nome do ex-presidente como uma espécie de laranja dele e do PT. Perguntado pelos policiais federais sobre a motivação do empréstimo, o pecuarista disse: “Não iria custar nada a mim. Quis fazer um favor. Uma gentileza a quem estava no poder”. E quem estava no poder na ocasião? Lula, o presidente que forneceu a Bumlai um crachá para que ele pudesse ter acesso livre ao seu gabinete. Em recente entrevista, o presidente da Associação dos Criadores do Mato Grosso do Sul, Jonathan Pereira Barbosa, dileto amigo de Bumlai, contou que Lula costumava ligar para o pecuarista atrás de favores. “Eu estava com Bumlai, tocava o telefone e quem era? O ex-presidente. Pedindo que fizesse favor, isso e aquilo. Zé Carlos, muito gentil, concordava”. Ainda segundo Jonathan Pereira, Bumlai era constantemente chamado para “resolver uns problemas” para Lula em São Paulo e em Brasília.
No círculo íntimo do presidente Lula, todos sabem que o empréstimo junto ao Banco Schahin não foi a única gentileza feita pelo pecuarista ao amigão poderoso. Alguns préstimos já são públicos. Em depoimento à Lava Jato, o lobista Fernando Baiano disse que a pedido de Bumlai repassou R$ 2 milhões para uma nora de Lula quitar dívidas pessoais. O fazendeiro ainda teria contribuído para aproximar o empresário Natalino Bertin, proprietário do Grupo Bertin, do clã Lula em meio às negociações para venda de uma fatia do frigorífico. A proximidade resultou em favores aos filhos de Lula. A pedido de Bumlai, Bertin disponibilizou um jatinho para os filhos do ex-presidente em São Paulo, entre 2010 e 2011.
As operações fraudulentas confirmadas pelo amigão de Lula foram trazidas à tona pela primeira vez em fevereiro deste ano. Àquela altura, Bumlai já era uma figura carimbada no Planalto, mas ainda pouco conhecida na cena política nacional. De lá para cá, foram lançadas luzes sobre suas incursões no submundo do poder. Ninguém duvida mais de que ele privava da intimidade do ex-presidente Lula. Agora sabe-se, por exemplo, que Bumlai esteve ao lado de Lula e sua família em momentos bem particulares. Nas buscas realizadas durante a Operação Passe Livre, batizada com esse nome numa alusão ao acesso facilitado do pecuarista ao gabinete presidencial, os agentes federais encontraram fotos que confirmaram a grande proximidade dos dois. Numa das imagens, Bumlai aparece com Lula e dona Marisa Letícia festejando o dia de Santo Antônio na Granja do Torto no início do primeiro mandato do petista. Quem conhece os códigos do poder sabe que a presença num evento desses revela uma intimidade capaz de abrir portas a negócios escusos. O material fotográfico foi encontrado num dos endereços do pecuarista no Mato Grosso do Sul. Também foi encontrado um cartão de apresentação com o brasão da República, em nome da ex-primeira-dama. Daí o peso e a importância das revelações do pecuarista para os investigadores da Lava Jato. A confissão de Bumlai fez alguns procuradores o tratarem como “o laranja de Lula”.
Em um dos trechos da confissão, Bumlai reavivou o caso Celso Daniel, confirmando outra revelação feita por ISTOÉ em fevereiro deste ano. O pecuarista afirmou ao delegado da PF que teve ciência, em 2012, depois de um depoimento de Marcos Valério ao MP, de que parte do empréstimo contraído por ele junto ao Banco Schahin – cerca de R$ 6 milhões – seria destinado a comprar o silêncio do empresário Ronan Maria Pinto, conhecido como Sombra. Pinto ameaçou comprometer a cúpula petista no assassinato do ex-prefeito de Santo André Celso Daniel, entre eles o ex-presidente Lula, e os ex-ministros José Dirceu e Gilberto Carvalho. Numa tentativa de conseguir uma delação premiada, Valério chegou a afirmar há três anos que o pecuarista intermediou operação para comprar o silêncio de Ronan. Agora, a PF cogita convocá-lo novamente para depor a fim de que esclareça melhor o caso.
A Receita Federal colheu indícios de que parte dos valores do empréstimo do Schahin a Bumlai pode mesmo ter sido direcionada a Ronan. Ele teria adquirido, em 2004, 60% das ações do Diário do Grande ABC S/A no valor de R$ 6,9 milhões. Para isso, recorreu a empréstimos e assumiu dívidas de terceiros junto às empresas das quais era sócio, a Rotedali Serviços e Limpeza Urbana Ltda. e a Expresso Nova Santo André. Tais dívidas ficaram sem quitação durante nove anos, conforme revelaram suas declarações. A suspeita levantada pela Receita é a de que esses empréstimos não teriam sido reais, mas destinados a dissimular a real origem de recursos utilizados na aquisição das ações. No dia posterior ao depoimento à PF, o pecuarista passou à condição de réu, após o juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato, aceitar denúncia da Procuradoria da República no Paraná. Também tornaram-se réus Maurício e Cristine Barbosa Bumlai, filho e nora do pecuarista. Ao fazer as primeiras confissões, o fazendeiro busca uma pena menor para si. Para os investigadores, ainda há muito mais a elucidar e o indiciamento da família Bumlai pode fazer com que um dos principais arquivos-vivos da era petista no poder resolva, em algum momento, contar tudo o que sabe.
Quem viver verá!