“A imprensa é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceia..." Machado de Assis.
Do jornal O Girassol
Por mais experiência que um político tenha, sempre acaba caminhando na mesma direção. De início percorre passos que atravessam os caminhos da humildade, mas logo aceleram em direção ao mundo das vaidades cercado de bajuladores e sanguessugas que estão ali para lhe aplaudir e promover a sensação de êxtase em uma realidade paralela onde tudo está aparentemente bem. Esses parasitas têm na maioria das vezes históricos questionáveis do ponto de vista moral e ético. Servindo apenas para esticar o tapete vermelho que garantem os seus interesses pessoais.
Acompanho a trajetória política do governador Wanderlei Barbosa (Republicanos), desde o início de sua vida pública como vereador de Palmas. No parlamento municipal, o agora governador “Curraleiro” era sempre o alegre e brincalhão que percorria os corredores da Câmara Municipal de Palmas e mesmo em plenário não perdia a oportunidade de fazer alguma graça. Sempre tratava a todos com distinção e até mesmo os adversários não eram poupados de seu bom humor e respeito. Diferente do passado, o governador tem demonstrado que mudou e não foi para melhor. Graças aos bajuladores e fofoqueiros de plantão, Wanderlei Barbosa tem demonstrado irritação e intolerância, principalmente em relação às opiniões de cunho político contraditórias a sua gestão divulgadas pela imprensa local. E quando aqui falo de imprensa deixo claro que não é aquela parcela que se autointitula de “veículos de comunicação” com o objetivo de extorquir o governo com denuncismo.
Em uma publicação na Folha de São Paulo em 09 de fevereiro de 1997, o renomado jornalista Celso Pinto aborda, em um artigo com o título “O Presidente e a Imprensa”, sobre o discurso do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para uma plateia de jornalistas e donos de veículos de comunicação no Encontro Anual de Entidades Jornalísticas em Porto Alegre. Diante de um tema delicado e escorregadio foi perguntado ‘Quais os limites dentro dos quais a imprensa deve exercer seu poder de crítica ao governo?’. Em resposta, o presidente Fernando Henrique Cardoso foi muito além do protocolar ao afirmar que ‘A liberdade de imprensa, a seu ver, é vital para a democracia, especialmente numa sociedade de massas, como a contemporânea, onde as expectativas de melhoria de vida são, ao mesmo tempo, amplas e fragmentadas. Nesse contexto, o papel nobre da imprensa seria o de traduzir essas aspirações fragmentadas da sociedade em demandas políticas. Aos partidos caberia transformar essas aspirações meio caóticas numa visão global de mundo.’
Na mesma abordagem o ex-presidente FHC fala que o papel legitimo da imprensa é o que ele chamou de ‘fator irritante’, com suas críticas aos governantes, ao fazerem o papel de oposição quando ela não existe, e ao levantar temas que não estão colocados no plano político.
Transcrevo aqui parte do artigo em que o ex-presidente e intelectual FHC responde sobre os limites do poder de irritação da imprensa e seu entendimento como homem público. “E qual o limite para o uso legítimo do poder de irritação da imprensa?”. A “boa-fé” segundo o presidente. Com boa-fé, a crítica irritante deve ser engolida como válida. Mas quem deve julgar o grau de boa-fé numa crítica irritante? O próprio governo? A sociedade? Quando os jornais passaram, por exemplo, a pedir a cabeça do ex-presidente Collor, estavam sendo irritantes de boa ou má-fé?
O presidente lembrou que o governo, os políticos e a imprensa devem exercer seu poder sem arrogância e sem supor que podem agir sozinhos. Deveriam caminhar para uma convivência harmônica, não no sentido de estar de acordo, mas sim de ouvir o argumento do outro, e quando for o caso ceder pelo argumento. “E mesmo que não seja só pelo argumento, que seja pela compreensão do momento e da necessidade de esperar um pouco para dar outro passo adiante'', argumentou.
Mas quem exatamente é capaz de definir que o momento indica a necessidade de se esperar para dar outros passos? Tanto os políticos quanto a imprensa podem, de boa-fé, achar exatamente o contrário e que o momento é de dar novos passos, não de harmonizar. Nesse caso, qual a fronteira para a imprensa usar de forma democrática, não arrogante, e de boa-fé, seu poder de irritação?
Ninguém discute as credenciais impecáveis do presidente enquanto um democrata. O que sua análise mostra é que o conceito de liberdade de imprensa sofre do mesmo problema do conceito de democracia. Quanto menos adjetivados e qualificados eles forem, melhor”.
No momento em que se encontra o Tocantins, de agitação política e administrativa com a ocorrência de eventos que sacudiram o Palácio Araguaia e todas as suas estruturas de poder, é necessário que haja o fortalecimento e respeito por um dos principais pilares da democracia que é a imprensa. E aqui não estou defendendo a imprensa picareta que utilizando de artifícios pressiona governos por faturamento através de chantagens. Falo aqui que o governador precisa se reconectar com a comunicação do estado que ele governa. Os seus colaboradores precisam acima de tudo rever seus conceitos em relação ao papel da imprensa, de criticar e mostrar aquilo que num raio de 100 metros à sua volta não é mostrado pelo aparato da comunicação institucional. Costumo dizer que o governante inteligente e astuto precisa afastar da sua circunferência os bajuladores pois só assim conseguirá ouvir a voz e os anseios do povo para o qual governa.
Em um estado onde a grande maioria da população é carente, o governo deve evitar excessos de exposição e ostentação, e é seu dever prestar contas à sociedade de tudo que está acontecendo dentro do seu gabinete e de sua equipe. Viagens internacionais com extensa comitiva, com divulgação de fotos em lugares luxuosos ferem os olhos daqueles que nem têm o que comer. O lindo e rico Tocantins ainda é um lugar de pobreza em que a maioria da sua população vive no limite de suas necessidades.
Governador Wanderlei Barbosa, o Tocantins que o senhor governa tem uma população que vive em luto imensurável, seja pela família que enterrou uma mãe com o bebê na barriga por falta de assistência médica na Maternidade Dona Regina, seja pelas três vidas sucumbidas no fundo do Rio Tocantins na fatídica tragédia da Ponte JK. Tragédia esta que deixou cidades vivendo o caos. E sobre esta catástrofe anunciada eu afirmo categoricamente que todos são culpados. Todos sabiam que aquela estrutura estava colapsada. Os únicos inocentes nesse capitulo triste da nossa história estão sepultados e três deles nas profundezas do Rio Tocantins, com suas falas que só podem ser ouvidas no choro dos seus familiares e na voz da imprensa.
Em relação ao tema liberdade de imprensa, que nos últimos dias no Tocantins, tem sido alvo de insatisfação e críticas por parte de integrantes do governo trago aqui o depoimento não apenas do ex-presidente FHC, mas também a fala do controverso ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), pelo qual esse jornalista e uma gigante parcela da imprensa brasileira não nutre nenhuma admiração devido à forma desrespeitosa e truculenta com que tratou a imprensa. Mesmo não conseguindo um bom relacionamento com os profissionais da imprensa o ex-presidente Bolsonaro, em uma fala confusa durante cerimônia de entrega do Prêmio Marechal Rondon, distinção do Ministério das Comunicações que reconhece o trabalho de pessoas e instituições para o setor falou "A nossa liberdade de imprensa, com todos os seus defeitos, tem que persistir. Com todos os seus defeitos, é melhor ela falando do que calada", afirmou. Mesmo não dando detalhes do que considera “defeitos dessa liberdade”, o ex-presidente que passou quatro anos do seu governo em atritos com a imprensa deixou claro que é melhor a imprensa falando do que calada.
O jornalista Gomes que escreve este artigo concluiu o curso de comunicação social e artes na Universidade Estadual da Paraíba com habilitação em jornalismo. Aprendi no ambiente acadêmico que além do informativo, investigativo, o jornalismo opinativo é a “menina dos olhos” no vasto universo que abrange o papel da imprensa. Tenho certeza que todas as faculdades de jornalismo espalhadas pelo Brasil e mundo ensinem isso. O que seria da história do Tocantins sem os ricos artigos de opinião do saudoso amigo Salomão Wenceslau que de forma bem-humorada chamava a atenção dos governantes e figuras importantes do Judiciário com puxões de orelhas no seu Dedo de Prosa. O que seria da história recente do Tocantins sem os artigos de opinião dos amigos Cleber Toledo, Roberta Tum, Edivaldo Rodrigues, Edson Rodrigues, Luiz Armando, Antônio Oliveira e tantos outros cuja memória me falha nesse momento. O que seria da sociedade tocantinense que não consegue falar o que pensa sem a escriba desses que têm os olhos voltados para os problemas do povo.
Diante do momento delicado que passa a comunicação do Tocantins no que tange a sua liberdade, desejo que o governador Wanderlei Barbosa enxergue e faça sua equipe ver a imprensa do seu estado não como inimigos do seu governo e sim com o ver dos olhos que podem alcançar o que ele não consegue ver. Assim como a vida o poder é transitório. Todo governo tem início, meio e fim. Que a vaidade não faça com que seu governo deixe de ver e ouvir o clamor dos necessitados e o choro dos enlutados. Desejo que o seu governo não carregue e não termine com a marca indelével do cerceamento à liberdade de imprensa.
Se vivo estivesse, Salomão Wenceslau diria no seu lirismo poético e jornalístico que no Gongomé o seu povo repetiria o que disse Machado de Assis “A imprensa é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que ameaça"
“E, pois é. É isso aí” (SWR)
Wibergon Estrela Gomes – Editor do Jornal O Girassol com 25 anos de atuação ininterrupta no Tocantins.