A área de auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) pediu a entrada da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e da CGU (Controladoria-Geral da União) nas investigações para apurar se um cartel de empresas de pavimentação atuou para fraudar licitações da estatal Codevasf que somaram mais de R$ 1 bilhão.
Por Flávio Ferreira -O Estado de São Paulo
O requerimento foi feito em relatório de julho no qual os auditores apresentaram novas evidências da ação do cartel do asfalto em concorrências públicas durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
Enquanto a apuração caminha sem medidas restritivas contra as empresas, a gestão Lula (PT) continua reiniciando ou prorrogando contratos da empreiteira Engefort, a principal suspeita de liderar o suposto conluio entre as construtoras, jogando a execução de obras para 2024.
O mais recente aditivo favorável à Engefort foi assinado em meados de agosto.
A empreiteira nega irregularidades. Codevasf afirmou que os contratos foram firmados em exercícios anteriores e que os processos passaram por aprimoramentos.
No trabalho de julho, os técnicos do TCU avançaram no entendimento quanto à gravidade do caso e já vislumbram a possibilidade de exigir que as empreiteiras paguem pelos prejuízos decorrentes do cartel, além de serem proibidas de assinar contratos com o poder público.
O relatório configura mais um episódio do embate entre os auditores e o ministro do TCU Jorge Oliveira, que é relator dos casos que envolvem a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) na corte de contas.
Enquanto os técnicos do tribunal de contas já fizeram vários trabalhos apontando irregularidades em licitações da estatal, chegando a pedir a concessão de uma medida cautelar para impedir a assinatura de novos contratos, o plenário do TCU determinou que os auditores procurem "casos de sucesso" no modelo afrouxado de concorrências da Codevasf inflado no governo Bolsonaro.
Oliveira foi ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República de Bolsonaro antes de ser indicado pelo ex-presidente ao TCU.
Avenida Manoel Ribeiro em Imperatriz (MA), que recebeu pavimentação precária da Engefort, a empreiteira suspeita de liderar um cartel em licitações da estatal Codevasf - Adriano Vizoni-30.mar.22/Folhapress
A investigação sobre o cartel do asfalto começou com base em reportagens da Folha que mostraram que a Engefort havia passado a dominar as licitações da Codevasf, ganhando mais da metade das concorrências de 2021, e em parte delas era acompanhada por uma empresa de fachada registrada em nome do irmão de seus sócios, com o objetivo de simular disputa pelos contratos.
Segundo os auditores, na atual fase do caso, "aumenta-se a importância de o TCU contar com a expertise e aparato instrumental de outros órgãos da rede de controle, a fim de seguir aprimorando as análises, que podem desbordar em sanções de inidoneidade a diversas sociedades empresariais".
"Tal item justifica proposta de levar cópia do presente trabalho à Polícia Federal, à CGU e ao MPF, dentro de um esforço de atuação coordenada por parte do Estado", completa a auditoria.
O requerimento dos auditores apresentado em julho passado foi realizado dentro de um novo processo que tinha sido iniciado em outubro para investigar especificamente a suposta atuação do cartel. Ainda em 2022, no processo de origem das apurações, o TCU também determinou o envio do primeiro laudo produzido sobre a combinação de resultados à PF, ao Ministério Público e à CGU.
Procurada pela Folha para falar sobre a comunicação de outubro, a PF afirmou que "não se manifesta sobre eventuais investigações em andamento". O Ministério Público Federal informou que abriu apurações sobre o caso na Bahia. A CGU relatou que está atuando em duas frentes de trabalho, uma investigativa e outra referente a auditorias.
A diferença agora, com o novo pedido de julho, é que os técnicos querem o "compartilhamento de novas provas indiretas ou, principalmente, de provas diretas" com esses órgãos. Os auditores indicam que PF, Ministério Público e CGU têm mais meios investigativos para obtenção de provas que o TCU, e a partir de agora é fundamental que eles atuem para o aprofundamento das apurações.
O requerimento foi encaminhado ao ministro Jorge Oliveira em agosto para que ele decida os próximos passos do caso.
O relatório de julho da área técnica do TCU chamada AudUrbana contesta argumentos apresentados por Oliveira em voto da sessão de outubro do TCU que negou a concessão da medida liminar.
O trabalho recorda quatro fortes indícios da atuação do cartel já apontados no fim do ano passado.
O primeiro deles é que entre 2018 e 2021 houve grande queda no número médio de empresas participantes nas licitações. A diminuição foi de 18 para 4 construtoras.
O segundo está no fato de os descontos dados pelos licitantes ter caído de 30,5% para 5,30 % no mesmo período.
Outra situação suspeita é que a redução nos descontos ocorreu "mesmo diante de um salto expressivo no montante dos valores leiloados (de R$ 86,9 milhões para R$ 2,5 bilhões)".
Os auditores ainda indicam "o agravante de se estar sob um cenário de objeto executável por muitas empresas de engenharia, pois que as firmas atuantes nos anos anteriores, presume-se, não perderam o know-how e não se trata de uma tipologia de obra impactada decisivamente por avanços tecnológicos para tão curto prazo".
Em seguida, os auditores apresentaram vários novos cálculos relacionando dados econômicos das licitações.
Um dos estudos, por exemplo, mostrou que ocorreu um desconto 77,5% menor nas licitações consideradas suspeitas. "E ainda, se o lote foi suspeito, a probabilidade de se ter um desconto simbólico (menor do que 1%) é multiplicado por 43 vezes", de acordo com o exame.
Para os técnicos do TCU, as reportagens da Folha e os indícios de conluios em 2021 mostram " a hipótese de favorecimento ilícito por meio de fraudes e distanciamento do interesse público".
Ainda segundo o trabalho, "não se trata de uma possibilidade, mas de uma probabilidade crível, a hipótese de prática de atos colusivos" e "paira, além da dúvida razoável, a existência de indícios vários e relevantes acerca da colusão".
Codevasf e empreiteira dizem que cumpriram a lei nas licitações
Procurado por meio da assessoria de imprensa do TCU, o ministro Jorge Oliveira informou que "vai se manifestar apenas nos autos".
A empreiteira Engefort afirmou em nota que cumpriu a lei em todas as licitações e repudia "veemente quaisquer alegações de indícios formação de cartel, conluio e fraude".
"A Engefort Construtora não compactua com quaisquer ilicitudes", segundo a nota.
A Codevasf afirmou que "os contratos objeto de análise foram firmados em exercícios anteriores" e os processos da estatal em obras de pavimentação passaram por aprimoramentos nos últimos anos.
Segundo a empresa pública, todas suas licitações são feitas de acordo com a lei e "a prorrogação de contratos assegura a prestação de serviços em benefício de milhares de famílias".