Durante seu voto a favor da declaração de que o ex-juiz Sergio Moro seja declarado suspeito para julgar o ex-presidente Lula, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes atacou Bretas e a Lava Jato no estado. "Não sei por que esse escândalo ainda não veio à tona, mas o que se fala em torno dessa 7ª Vara é de corar também frade de pedra", disse Mendes.
Por Laryssa Borges
O juiz Marcelo Bretas, titular da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, negou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ter atuado com parcialidade na Operação Lava-Jato e desafiou o advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho a apresentar provas contra ele – incluindo conversas e mensagens de texto que poderiam o incriminar. Nythalmar fechou um acordo de delação premiada com a equipe do procurador-geral Augusto Aras e acusou Bretas de negociar penas, orientar advogados, investigar, combinar estratégias com o Ministério Público, direcionar acordos, pressionar investigados, manobrar processos e até trabalhar para influenciar o resultado de eleições. VEJA teve acesso à íntegra dos anexos apresentados pelo advogado — os resumos dos segredos que o colaborador se compromete a revelar às autoridades – e agora também à defesa apresentada pelo magistrado tanto ao CNJ quanto ao Conselho da Justiça Federal (CJF).
Embora no acordo de delação fechado com a PGR Nythalmar tenha prometido apresentar provas de todas essas acusações que imputou ao juiz responsável pela Lava-Jato no Rio, o próprio Bretas desafiou, nos documentos entregues ao CNJ e ao CJF, o advogado a trazer a público as evidências que diz ter contra ele.
Em um dos anexos delação negociada com o Ministério Público Federal, Nythalmar afirma que um dos áudios em suas mãos “demonstra de forma inequívoca que o juiz responsável, juntamente com os membros da força-tarefa, montou um esquema paraestatal, ilegal de investigação, acusação e condenação”. Trata-se de uma conversa entre Bretas, o advogado e o procurador Leonardo Cardoso de Freitas, que atuava na força-tarefa da Lava-Jato no Rio. No áudio, cuja transcrição faz parte do material obtido por VEJA, o juiz diz a Nythalmar, advogado de defesa do empresário Fernando Cavendish, que havia sondado o Ministério Público sobre um acordo e, caso tudo saísse como combinado, poderia “aliviar” a pena do empresário. “O diálogo demonstra claramente que o juiz não só tinha ciência das colaborações antes de serem fechadas, bem como participava, negociava e intermediava com a ciência, participação e cooperação do MPF nas investigações, fato este gravíssimo”, acusa o delator. Marcelo Bretas, no entanto, apresenta outra versão. Para ele, Nythalmar levou a Augusto Aras “afirmações mentirosas e fantasiosas, que distorcem e inventam fatos para criar narrativa que atenda aos interesses do advogado mencionado”.
Segundo Bretas, no dia 7 de agosto de 2017, Freitas e Nythalmar o procuraram para afirmar que haviam fechado o acordo de delação de Cavendish e que, a partir daquele momento, o empreiteiro passaria a confessar os crimes de que era acusado. “Algum tempo depois”, diz o juiz, o advogado apareceu em seu gabinete para reclamar que o MP ainda não havia formalizado o acordo. “Nesse instante, ainda na presença do advogado Nythalmar Ferreira, fiz ligação telefônica para o procurador Leonardo Cardoso, em viva voz (teleconferência), solicitando ao mesmo, em palavras similares (pois não tenho como me recordar dos exatos termos que utilizei), que esclarecesse a demora no cumprimento do acordo que haviam anunciado anteriormente.
Aparentemente, foi essa a reunião, conversa a três, que foi objeto de gravação pelo advogado em questão. Durante essa mesma reunião, o procurador Leonardo Cardoso reiterou que mantinha o interesse no acordo de colaboração anunciado anteriormente, e apresentou algum motivo pela demora na formalização do mesmo”, diz o juiz em sua defesa. Ele não informa, porém, o que o procurador apresentou como justificativa para a demora na oficialização do acordo de colaboração de Cavendish.
Sobre a acusação do delator de que Bretas prometeu “aliviar” a pena do empreiteiro, o juiz afirma que “a referência feita a abrandamento de pena (...) e com a ressalva de que em razão do tempo decorrido não me recordo dos exatos termos, dever-se-ia à efetiva aplicação no caso, como determina a legislação regente, do acordo de colaboração premiada anteriormente anunciado”. A delação premiada de Fernando Cavendish, porém, só foi efetivamente formalizada por Nythalmar e pelo procurador Leonardo Cardoso de Freitas em 20 de novembro de 2018 e homologada em 16 de janeiro de 2019. “A conclusão única é a de que jamais participei de qualquer conversa ou reunião em que fossem tratados os termos do acordo de colaboração do acusado Fernando Cavendish”, disse.
Na defesa enviada ao CNJ e ao CJF, Bretas também rechaçou ter atuado para transferir investigações sobre o ex-presidente da Dersa, Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, de São Paulo para o Rio de Janeiro e afirmou que, ao contrário do que disse o delator, não há mensagens ou conversas que possam comprovar acusações de irregularidade contra ele. Também negou ter atuado, nas palavras do delator, em um “acordo informal” para livrar a ex-primeira-dama do Rio Adriana Ancelmo da Lava-Jato.
O acordo, conforme a versão apresentada por Nythalmar, teria ocorrido por volta de maio de 2018 e exigiria que Ancelmo e o ex-governador do Rio Sérgio Cabral abrissem mão de todo seu patrimônio e que o político assumisse seus crimes. No dia 8 de junho de 2018, em um interrogatório diante de Bretas, o juiz perguntou ao ex-governador: “O senhor teria interesse em entregar, abrir mão de bens pessoais pra suprir ou eventualmente ressarcir eventual dano?” A resposta de Cabral foi afirmativa.
Em outro trecho da defesa apresentada às Corregedorias do CNJ e CJF, Bretas nega ter tentado tirar o então candidato ao governo do Rio Eduardo Paes da vida política ou de ter trabalhado para influenciar as eleições de 2018 em prol do ex-juiz Wilson Witzel. Segundo Nythalmar, às vésperas do primeiro turno da disputa de 2018, em uma audiência com o juiz, um ex-assessor de Paes, então líder nas pesquisas de intenção de voto, acusou o candidato de envolvimento em fraude de licitações e recebimento de propina. O delator informou ter ouvido do próprio Bretas a revelação de que ele nutria antipatia pelo ex-prefeito e que “foi importante que a população fluminense soubesse quem era Eduardo Paes antes da eleição”.