Essa é a primeira vez, no entanto, que um ex-presidente se torna réu em um processo de golpe de Estado
Por Davi Valadares
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade de seus ministros, aceitou nesta quarta-feira, 26, a denúncia apresentada pela PGR (Procuradoria-Geral da República) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais sete pessoas por tentativa de golpe de estado. Com isso, Bolsonaro se torna o primeiro ex-presidente do Brasil réu em um processo desta natureza.
O ex-presidente foi denunciado como líder de uma organização criminosa que arquitetou e colocou em andamento um plano de golpe de Estado. Ele é apontado como o responsável por liderar a tentativa de impedir o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após as eleições de 2022.
Com a decisão do STF de acatar a denúncia, Bolsonaro se junta a outros cinco ex-presidentes vivos que viraram réus (por motivos diferentes):
O recebimento da denúncia não significa a culpabilidade prévia de nenhum dos denunciados. É o mero juízo de indícios mínimos e razoáveis de autoria que possibilitam a instalação da ação penal.
O recebimento da peça acusatória depende da materialidade dos crimes que está comprovada, mas não é uma cognição exauriente dos fatos. É o mero juízo de deliberação quanto à existência dos crimes, materialidade e indícios mínimos de autoria.
O que acontece agora?
Com a instauração do processo na Suprema Corte, é aberta a fase de 'instrução processual', quando o STF colhe as provas e depoimentos de testemunhas e acusados.
Depois, é realizado um novo julgamento, no qual os ministros decidem se os envolvidos são inocentes ou culpados. Em caso de inocência, o processo é arquivado.
Se os magistrados optarem pela condenação, os réus recebem penas de forma individual, conforme o envolvimento de cada um nos crimes. No caso de Bolsonaro, a pena máxima pelos crimes imputados ao ex-presidente pela PGR pode chegar a 46 anos, conforme a legislação.
Entenda abaixo os processos que tornaram os ex-presidentes réus.
Jair Bolsonaro (PL)
Em fevereiro, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, apresentou denúncia contra Bolsonaro e mais 33 aliados pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Em discurso firme durante sessão no STF, o procurador-geral buscou chamar a atenção para a gravidade do plano golpista e para o risco que ele representou à democracia do País. As provas consideradas mais contundentes foram citadas em diferentes passagens da manifestação, como a minuta golpista e o rascunho de discurso que seria lido por Bolsonaro após a deposição do presidente Lula.
Assim como na organização da denúncia, o procurador-geral conectou diferentes episódios que, na avaliação dele, culminaram no plano golpista. A cronologia tem origem em 2021. Ali teve início o discurso de "ruptura institucional" capitaneado por Bolsonaro, segundo o procurador-geral. Os fatos são encadeados até o 8 de Janeiro, o "ato final" do movimento golpista, segundo a linha do tempo traçada por Gonet.
O relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, disse na leitura do seu relatório que "integrantes do alto escalão" do governo federal e das forças armadas formaram o núcleo crucial da “organização criminosa”. “Deles partiram as principais decisões e ações de impacto social narradas na denúncia".
O ministro relator citou que a consumação do crime do artigo 359-M do Código Penal (tentar depor por meio de violência ou grave ameaça o governo legitimamente constituído) ocorreu por meio de sequência de atos que visavam romper a normalidade do processo sucessório.
“A peça acusatória da Procuradoria-Geral da República apresentou, em relação aos oito denunciados, os indícios mínimos e razoáveis de autoria que possibilitam a instalação da ação penal”, disse Moraes.
Michel Temer (MDB)
Michel Temer (MDB) foi réu em seis processos diferentes.
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Presidente do Brasil de 2016 a 2018, Michel Temer (MDB) foi réu em seis processos diferentes. Em um dos processos, Temer foi réu por corrupção passiva no caso da mala de R$ 500 mil da JBS. De acordo com denúncia do Ministério Público (MP), o ex-presidente recebeu por meio de um assessor uma mala do ex-executivo da J&F Ricardo Saud. Para o MP, os R$ 500 mil eram propina. O ex-presidente sempre negou.
A investigação ficou conhecida como o caso da "corridinha da mala". Embora tenha sido réu, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) decidiu encerrar o caso por falta de provas, e sem julgamento, em 2021. No ano passado, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), rejeitou um recurso do Ministério Público Federal (MPF) contra o encerramento da investigação.
Como no caso de Bolsonaro, os processos em que Temer se tornou réu foram abertos depois que o emedebista deixou a Presidência e perdeu o foro especial. A maioria dos processos, inclusive, foi aberto a partir das investigações do chamado Quadrilhão do MDB. Uma das acusações mais graves foi feita em 2017 pelo então procurador-geral da República Rodrigo Janot.
O chefe do Ministério Público Federal apontou Michel Tremer como líder de uma organização criminosa composta por correligionários, que teria atuado em diversos órgãos públicos, como Petrobrás, Furnas Caixa Econômica, Ministério da Integração Nacional e Câmara dos Deputados, em troca de propinas de mais de R$ 587 milhões.
Temer chegou a ser preso duas vezes, entre março e maio de 2019, em uma operação desmembrada da Lava Jato, por supostas irregularidades em contratos da empresa Eletronuclear. Em 2022, ele foi inocentado das acusações de corrupção.
Dilma Rousseff (PT)
Dilma Rousseff (PT) se tornou réu em 2018 no processo conhecido como “quadrilhão do PT"
Presidente entre 2011 e 2016, Dilma Rousseff (PT) se tornou réu em 2018 no processo conhecido como “quadrilhão do PT”. Ela respondeu por organização criminosa. Segundo denúncia apresentada em setembro de 2017 pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, Dilma teve participação em um esquema montado para coletar propinas de R$ 1,48 bi entre 2002 e 2016.
As vantagens teriam sido pagas em contratos da Petrobras, do BNDES e do Ministério do Planejamento. Em dezembro de 2019, no entanto, o juiz Marcus Vinicius Reis Bastos, da 12ª Vara Federal em Brasília, a absolveu. Em outubro do mesmo ano, o Ministério Público Federal já havia pedido absolvição sumária de todos réus por considerar que não havia "elementos configuradores da dita organização criminosa".
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
Lula, presidente da República, foi réu em pelo menos 10 ações penais na Justiça
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi réu em pelo menos 10 ações penais na Justiça. Os crimes que levaram o presidente a sentar no banco dos réus envolvem: lavagem de dinheiro, corrupção passiva, tráfico de influência e organização criminosa. Os casos ficaram conhecidos como "Quadrilhão do PT", o caso do Tríplex, do Sítio de Atibaia e do Instituto Lula.
No caso do Instituto Lula, o presidente foi acusado de usar o instituto para lavar R$ 4 milhões doados pela Odebrecht entre dezembro de 2013 e março de 2014. Segundo a denúncia, os valores — feitos formalmente por doações legais— foram repassados em quatro operações de R$ 1 milhão cada uma e tiveram como origem contratos fraudados da Petrobras.
Segundo a denúncia, Lula era "comandante e principal beneficiário do esquema de corrupção que também favorecia as empreiteiras cartelizadas", como a Odebrecht. A ação afirma que Lula "teria dado aval para que importantes diretores da Petrobras fossem nomeados para atender aos interesses de arrecadação de propinas em favor dele próprio e de outros integrantes do PT, PP e PMDB, com o envolvimento de outros funcionários públicos de elevado status na administração pública".
Lula também foi réu e condenado em segunda instância pela Justiça pela acusação de ter recebido propina da construtora OAS por meio da reforma de um tríplex em Guarujá (SP). A ação teve origem na Lava Jato, em Curitiba. Lula também foi réu acusado de corrupção e lavagem de dinheiro por meio de reformas e benfeitorias bancadas pelas empreiteiras OAS e Odebrecht na propriedade rural que ele frequentava no interior de São Paulo.
Condenado em última instância, Lula foi preso em abril de 2018, declarado inelegível e ficou na Superintendência da PF por um ano e sete meses. Em 2022, porém, todas as condenações foram anuladas pelo STF sob o entendimento de que o então juiz Sergio Moro foi parcial nas decisões e que Lula foi julgado fora da jurisdição correta.
José Sarney (MDB)
Presidente de 1985 a 1990, José Sarney se candidatou pela última vez aos 76 anos
José Sarney (MDB) assumiu a Presidência da República em 15 de março de 1985, após a internação de Tancredo Neves, eleito pelo colégio eleitoral. Presidente de 1985 a 1990, o ex-presidente também foi réu após ser denunciado pela Procuradoria-Geral da República em 2017, ao lado de senadores do MDB, acusado de receber recursos desviados de contratos da Transpetro, subsidiária da Petrobras.
Fernando Collor
Fernando Collor de Mello foi presidente entre 1990 e 1992
O ex-presidente Fernando Collor de Mello (1990 a 1992) também foi réu por algumas vezes. A mais recente foi em 2017, quando o STF aceitou uma denúncia contra o político na Operação Lava Jato e o tornou réu pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e comando de organização criminosa. Ele foi acusado de receber mais de R$ 30 milhões em propina por negócios da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras na venda de combustíveis.