Motoristas de caminhão que participaram da paralisação de 2018 criticaram as medidas anunciadas nesta terça-feira (16) pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas
Por Heloísa Negrão
Caminhoneiros não descartam novas paralisações. Segundo lideranças, as principais reivindicações da categoria —cumprimento do tabelamento do frete e redução do preço do diesel— não foram contempladas no anúncio de hoje.
Para a CNTA (Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos), as medidas anunciadas não dissolvem as tensões na categoria.
O governo de Jair Bolsonaro (PSL) anunciou nesta terça-feira (16) uma linha de crédito de R$ 500 milhões para a categoria. Também prometeu melhorias nas estradas e a construção de pontos de descanso em rodovias federais.
"Nada do que o ministro da Infraestrutura anunciou nos ajuda. É um avanço conseguir pegar dinheiro no BNDES a baixo custo? É. Mas hoje, mais da metade dos caminhoneiros está com o nome sujo no Serasa. Nós vamos conseguir pegar esse crédito?", questiona Wanderlei Alves, o Dedéco, de Curitiba (PR).
O valor será disponibilizado para profissionais da área de transporte rodoviário pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Alves diz que não representa toda a classe. "Eu tenho os caminhoneiros que estão comigo. E faço parte de um grupo com outros amigos, que têm outros caminhoneiros com eles. Isso faz uma rede de mais de um milhão de caminhoneiros."
Para o motorista, haverá novas paralisações. "O pessoal está eufórico. Vai parar dia 21 de maio. Isso se não parar antes, se houve aumento do diesel", afirma.
Sobre a linha de financiamento, Alves diz que os motoristas não estão conseguindo pagar as parcelas dos caminhões e por isso estão com o nome sujo.
Segundo Daniel Reis de Oliveira, o Queixada, que faz parte do mesmo grupo de Alves, há muitos motoristas que não conseguem pagar os financiamentos por causa do baixo valor pago dos fretes e preço alto do diesel.
"As agências estão lotadas de carro de gente que não conseguiu pagar. Não resolve sair liberando mais financiamento para quem já está endividado", diz.
Ariovaldo Junior Almeida, diretor do Sindicato dos Caminhoneiros de Ourinhos, interior de São Paulo, chamou de "esmola" o crédito oferecido.
"É melhor do que nada, mas é esmola. Trinta mil reais não dá para 15 pneus. O caminhoneiro precisava de uma linha de crédito de R$ 200 mil", afirmou.
A Abcam (Associação Brasileira dos Caminhoneiros) afirmou que não irá se pronunciar sobre as medidas anunciadas pelo governo.
Em nota, a CNTA afirma reconhecer "o esforço do governo e se mantém positiva com a postura aberta ao diálogo desta gestão".
A entidade também cobra a fixação de um preço mínimo para os fretes e fiscalização.
“São medidas importantes, que beneficiam o caminhoneiro e o valoriza como profissional. Porém, ainda aguardamos uma resposta sobre nosso principal anseio, que é o cumprimento da lei do piso mínimo do frete”, diz o presidente da entidade, Diumar Bueno.
Segundo a nota da associação, a tabela "garante que o profissional autônomo tenha condições mínimas de se manter no mercado mesmo com as oscilações dos seus insumos e regula toda a negociação da contratação de frete".
ENTENDA
As ações divulgadas pelo governo Bolsonaro:
Financiamento: linha de financiamento do BNDES no total de R$ 500 milhões para cobrir custos de manutenção e compra de pneus caminhoneiros autônomos (que possuírem até dois veículos por CPF) poderão ter acesso a uma linha de crédito de até R$ 30 mil no banco de fomento para gastos com manutenção o governo não informou a partir de quando isso estará disponível
Obras: destinar R$ 2 bilhões do Orçamento ao Ministério da Infraestrutura para obras prioritárias em estradas, em especial manutenção de rodovias o Palácio do Planalto informou que foram descontingenciados R$ 2 bilhões do Orçamento previsto para a pasta que serão investidos para a conclusão em obras prioritárias, como a pavimentação da BR-163 desse valor, R$ 900 milhões irão para a recuperação da capacidade da malha rodoviária brasileira
Apoio: construção de pontos de paradas e apoio para caminhoneiros nas estradas; é uma demanda antiga da categoria uma melhoria de infraestrutura nas estradas para que os profissionais tenham ponto de apoio para repouso, banho e refeições; o governo se comprometeu a incluir a construção desses locais nas próximas concessões de rodovias que forem feitas e a pedir que concessionários adotem esse padrão nos trechos que já administram
Tabela do frete: maior rigor para fiscalização do cumprimento do valor do frete o governo prometeu criar mecanismos para garantir garantir o cumprimento do preço do frete e formas de facilitar a contratação do trabalho de caminhoneiros autônomos não foram divulgados detalhes
Cooperativas: estímulo à cooperativas por meio de aplicativos e desenvolvimento de Tecnologia da Informação, incentivar a criação de cooperativas que possam melhorar a vida dos profissionais autônomos o Ministério da Infraestrutura estuda mecanismos de que isso seja feito
Desburocratização: desburocratização transporte de cargas por meio de certificado eletrônico (processo está em andamento no ES, deve ser ampliado para todo o país) um modelo que unifica procedimentos eletronicamente e está sendo adotado no Estado do Espírito Santo deve ser replicado para os demais estados do país. Não há prazo para que isso ocorra
Cartão-combustível: medida anunciada pela Petrobras que pode garantir crédito para caminhoneiros gastarem com combustível
Petrobras divulgou a criação do cartão e seu funcionamento e de que forma isso vai ajudar a mitigar o impacto do preço do diesel será anunciado ainda pela petroleira
São Paulo, Rio de Janeiro e outras 1.300 cidades acharam agrotóxicos na rede de abastecimento. Dados do Ministério da Saúde revelam que a água do brasileiro está contaminada com substâncias que podem causar doenças graves
Ana Aranha, Luana Rocha, Agência Pública/Repórter Brasil
ESPECIAL: POR TRÁS DO ALIMENTO
Um coquetel que mistura diferentes agrotóxicos foi encontrado na água de 1 em cada 4 cidades do Brasil entre 2014 e 2017. Nesse período, as empresas de abastecimento de 1.396 municípios detectaram todos os 27 pesticidas que são obrigados por lei a testar. Desses, 16 são classificados pela Anvisa como extremamente ou altamente tóxicos e 11 estão associados ao desenvolvimento de doenças crônicas como câncer, malformação fetal, disfunções hormonais e reprodutivas. Entre os locais com contaminação múltipla estão as capitais São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Manaus, Curitiba, Porto Alegre, Campo Grande, Cuiabá, Florianópolis e Palmas.
Os dados são do Ministério da Saúde e foram obtidos e tratados em investigação conjunta da Repórter Brasil, Agência Pública e a organização suíça Public Eye. As informações são parte do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua), que reúne os resultados de testes feitos pelas empresas de abastecimento.
Os números revelam que a contaminação da água está aumentando a passos largos e constantes. Em 2014, 75% dos testes detectaram agrotóxicos. Subiu para 84% em 2015 e foi para 88% em 2016, chegando a 92% em 2017. Nesse ritmo, em alguns anos, pode ficar difícil encontrar água sem agrotóxico nas torneiras do país.
Embora se trate de informação pública, os testes não são divulgados de forma compreensível para a população, deixando os brasileiros no escuro sobre os riscos que correm ao beber um copo d’água. Em um esforço conjunto, a Repórter Brasil, a Agência Pública e a organização suíça Public Eye fizeram um mapa interativo com os agrotóxicos encontrados em cada cidade. O mapa revela ainda quais estão acima do limite de segurança de acordo com a lei do Brasil e pela regulação europeia, onde fica a Public Eye.
O retrato nacional da contaminação da água gerou alarde entre profissionais da saúde. “A situação é extremamente preocupante e certamente configura riscos e impactos à saúde da população”, afirma a toxicologista e médica do trabalho Virginia Dapper. O tom foi o mesmo na reação da pesquisadora em saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Pernambuco, Aline Gurgel: “dados alarmantes, representam sério risco para a saúde humana”.
Entre os agrotóxicos encontrados em mais de 80% dos testes, há cinco classificados como “prováveis cancerígenos” pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos e seis apontados pela União Europeia como causadores de disfunções endócrinas, o que gera diversos problemas à saúde, como a puberdade precoce. Do total de 27 pesticidas na água dos brasileiros, 21 estão proibidos na União Europeia devido aos riscos que oferecem à saúde e ao meio ambiente.
A falta de monitoramento também é um problema grave. Dos 5.570 municípios brasileiros, 2.931 não realizaram testes na sua água entre 2014 e 2017.
Coquetel tóxico
A mistura entre os diversas químicos foi um dos pontos que mais gerou preocupação entre os especialistas ouvidos. O perigo é que a combinação de substâncias multiplique ou até mesmo gere novos efeitos. Essas reações já foram demonstradas em testes, afirma a química Cassiana Montagner. “Mesmo que um agrotóxico não tenha efeito sobre a saúde humana, ele pode ter quando mistura com outra substância”, explica Montagner, que pesquisa a contaminação da água no Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), de São Paulo. “A mistura é uma das nossas principais preocupações com os agrotóxicos na água”.
Os paulistas foram os que mais beberam esse coquetel nos últimos anos. O estado foi recordista em número de municípios onde todos os 27 agrotóxicos estavam na água. São mais de 500 cidades, incluindo a grande São Paulo – Guarulhos, São Bernardo do Campo, Santo André e Osasco – além da própria capital. E algumas das mais populosas, como Campinas, São José dos Campos, Ribeirão Preto e Sorocaba. O Paraná foi o segundo colocado, com coquetel presente em 326 cidades, seguido por Santa Catarina e Tocantins.
Os especialistas falam muito sobre a “invisibilidade” do efeito coquetel. As políticas públicas não monitoram a interação entre as substâncias porque os estudos que embasam essas políticas não apontam os riscos desse fenômeno. “Os agentes químicos são avaliados isoladamente, em laboratório, e ignoram os efeitos das misturas que ocorrem na vida real”, diz a médica e toxicologista Dapper.
Com estudos indicando grave risco à saúde, Brasil usa agrotóxicos que foram proibidos na Europa. As empresas que vendem os químicos aqui são dos mesmos países que baniram as substâncias em seus territórios
Projeto de lei pode banir o termo “agrotóxico”, mas seu criador diz que substituição por “defensivos agrícolas” ou “fitossanitários” é tendenciosa
Por isso, ela lamenta, as pessoas que já estão desenvolvendo doenças em decorrência dessa múltipla contaminação provavelmente nunca saberão a origem da sua enfermidade. Nem os seus médicos.
Questionado sobre quais medidas estão sendo tomadas, o Ministério da Saúde enviou respostas por email reforçando que “a exposição aos agrotóxicos é considerada grave problema de saúde pública” e listando efeitos nocivos que podem gerar “puberdade precoce, aleitamento alterado, diminuição da fertilidade feminina e na qualidade do sêmen; além de alergias, distúrbios gastrintestinais, respiratórios, endócrinos, neurológicos e neoplasias” (Leia a íntegra das respostas do Ministério da Saúde).
A resposta, porém, ressalta que ações de controle e prevenção só podem ser tomadas quando o resultado do teste ultrapassa o máximo permitido em lei. E aí está o problema: o Brasil não tem um limite fixado para regular a mistura de substâncias.
Essa é uma das reivindicações dos grupos que pedem uma regulação mais rígida para os agrotóxicos. “É um absurdo esse problema ficar invisível no monitoramento da água e não haver ações para controlá-lo”, afirma Leonardo Melgarejo, engenheiro de produção e membro da Campanha Nacional Contra os Agrotóxicos e Pela Vida “Se detectar diversos agrotóxicos, mas cada um abaixo do seu limite individual, a água será considerada potável no Brasil. Mas a mesma água seria proibida na França”.
Ele se refere à regra da União Europeia que busca restringir a mistura de substâncias: o máximo permitido é de 0,5 microgramas em cada litro de água – somando todos os agrotóxicos encontrados. No Brasil, há apenas limites individuais. Assim, somando todos os limites permitidos para cada um dos agrotóxicos monitorados, a mistura de substâncias na nossa água pode chegar a 1.353 microgramas por litro sem soar nenhum alarme. O valor equivale a 2.706 vezes o limite europeu.
O risco das pequenas quantidades
Mesmo quando se olha a contaminação de cada agrotóxico isoladamente, o quadro preocupa. Dos 27 agrotóxicos monitorados, 20 são listados como altamente perigosos pela Pesticide Action Network, grupo que reúne centenas de organizações não governamentais que trabalham para monitorar os efeitos dos agrotóxicos.
Mas, aos olhos da lei brasileira, o problema é pequeno. Apenas 0,3% de todos os casos detectados de 2014 a 2017 ultrapassaram o nível considerado seguro para cada substância. Mesmo considerando os casos em que se monitora dez agrotóxicos proibidos no Brasil, são poucas as situações em que a presença deles na água soa o alarme.
E esse é o segundo alerta feito por parte dos pesquisadores: os limites individuais seriam permissivos. “Essa legislação está há mais de 10 anos sem revisão, é muito atraso do ponto de vista científico” afirma a química Montagner. “É como usar uma TV antiga, pequena e preto e branco, quando você pode ter acesso a uma HD de alta definição”.
Ela se refere a pesquisas mais recentes sobre os riscos do consumo frequente e em quantidades menores, um tipo de contaminação que não gera reações imediatas. “Talvez certo agrotóxico na água não leve 15% da cidade para o hospital no mesmo dia. Mas o consumo contínuo gera efeitos crônicos ainda mais graves, como câncer, problemas na tireoide, hormonal ou neurológico”, alerta Montagner. “Já temos evidências científicas, mas a água contaminada continua sendo considerada como potável porque não se olha as quantidades menores”, afirma.
Em resposta a essa crítica, um grupo de trabalho foi criado pelo Ministério da Saúde para rever os limites da contaminação. “Estamos fazendo um trabalho criterioso”, afirma Ellen Pritsch, engenheira química e representante da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental no grupo. Segundo ela, pesquisas internacionais e regulações de outros países estão sendo levados em conta. Criado em 2014, a previsão é que os trabalhos sejam concluídos em setembro.
Pelo menos 144 cidades detectaram o mesmo pesticida de modo contínuo durante os quatro anos de medições seguidos, segundo os dados. Mais uma vez, São Paulo é o recordista desse fenômeno de intoxicação. Especialistas ouvidos pela reportagem apontam o uso de pesticidas na produção de cana de açúcar como a provável origem para a larga contaminação do estado. “A cultura da cana é a que tem mais herbicidas registrados. Como São Paulo é um dos maiores produtores de cana, isso justifica sua presença elevada [de pesticidas na água]”, afirma Kassio Mendes, coordenador do comitê de qualidade ambiental da Sociedade Brasileira da Ciência das Plantas Daninhas.
O diuron, um dos principais herbicidas usados pelo setor, foi detectado em todos os testes feitos na água dos mananciais das regiões onde mais se cultiva cana no estado, segundo dados de 2017 da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). A substância é uma das apontadas como provável cancerígena pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos.
De quem é a responsabilidade?
Depois de contaminada, são poucos os tratamentos disponíveis para tirar o agrotóxico da água. “Alguns filtros são capazes de tirar alguns tipos de agrotóxicos, mas não há um que dê conta de todos esses”, afirma Melgarejo. “A água mineral vem de outras fontes, mas que são alimentadas pela água que corre na superfície, então eventualmente também serão contaminadas”.
O trabalho preventivo, ou seja, evitar que os agrotóxicos cheguem aos mananciais, deveria ser primordial, afirma Rubia Kuno, gerente da divisão de toxicologia humana e saúde ambiental da Cetesb. “O esforço deve ser na prevenção porque o sistema de tratamento convencional não é capaz de remover os agrotóxicos da água”, afirma.
É grande o debate sobre a complexidade em se enfrentar o problema, mas é difícil encontrar quem está assumindo a responsabilidade.
A reportagem procurou as secretarias do Meio Ambiente, Agricultura e Saúde e Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) para entender quais ações são tomadas no estado com o maior índice de contaminação. As respostas foram dadas pela Sabesp e pela assessoria do meio ambiente com informações técnicas sobre o monitoramento. Nem as secretarias nem a empresa esclareceram o que está sendo feito para controlar ou prevenir o problema. (Leia a íntegra das respostas da Sabesp e da Secretaria do Meio Ambiente)
O Ministério da Saúde diz que a vigilância sanitária dos municípios e dos estados deve dar o alerta aos prestadores de serviços de abastecimento de água para que tomem as providências de melhoria no tratamento da água. “Caso os dados demonstrem que o problema ocorre de forma sistemática, é preciso buscar soluções a partir da articulação com os demais setores envolvidos, como órgãos de meio ambiente, prestadores de serviço e produtores rurais”, diz a nota enviada pelo órgão.
Questionado sobre quais ações estão sendo tomadas, o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), que representa os produtores de agrotóxicos, fez uma defesa sobre a segurança dos pesticidas. Em nota, o grupo afirma que a avaliação feita pela Anvisa, Ibama e Ministério da Agricultura garante que eles são seguros ao trabalhador, população rural e ao meio ambiente “sempre que utilizados de acordo com as recomendações técnicas aprovadas e indicadas em suas embalagens”.
O sindicato afirma que a aplicação correta dos produtos no campo é um desafio e atribui a responsabilidade aos trabalhadores que aplicam os pesticidas. “O setor de defensivos agrícolas realiza iniciativas para garantir a aplicação correta de seus produtos, uma vez que alguns problemas estruturais da agricultura como a falta do hábito da leitura de rótulo e bula e analfabetismo no campo trazem um desafio adicional de cumprimento às recomendações de uso”.
Ao contrário do que ocorre em outros países, no Brasil as empresas que produzem agrotóxicos não se envolvem com o monitoramento da água, que é custeado pelos cofres públicos e pelas empresas de abastecimento.
Em Santa Catarina, que está entre os três estados com maior contaminação, o Ministério Público Estadual chamou a responsabilidade de prefeituras, secretarias estaduais, concessionárias de água, agências reguladoras e sindicatos de produtores e trabalhadores rurais. A iniciativa partiu dos resultados de um estudo inédito que encontrou agrotóxicos na água de 22 municípios. “Alertamos todos os órgãos públicos e privados envolvidos para buscar soluções, é preciso aplicar medidas corretivas para diminuir os riscos dos cidadãos”, diz a promotora Greicia Malheiros, responsável pela investigação. A iniciativa teve início em março desse ano e ainda não tem resultados.
Mais do que remediar a contaminação da água, a coordenadora técnica do estudo, a engenheira química Sonia Corina Hess, defende a proibição do uso dos pesticidas que oferecem maior risco. Das substâncias encontradas em seu estudo no estado catarinense, sete estão proibidas na União Europeia por oferecer risco à saúde humana. “Tem que proibir o que é proibido lá fora, tem que proibir o que é perigoso. Se faz mal para eles porque no Brasil é permitido?”, questiona.
Perigoso na Europa, permitido no Brasil
O controle da água feito pelo Brasil também está distante dos parâmetros da União Europeia. Com o objetivo de eliminar a contaminação, o continente fixou a concentração máxima na água em 0,1 micrograma por litro – valor que era o mínimo detectável quando a regulação foi criada.
Para descobrir como a água do Brasil seria avaliada pelo padrão europeu, a organização Public Eye classificou os dados fornecidos pelo Ministério da Saúde segundo o critério daquele continente. Alguns dos agrotóxicos mais perigosos ultrapassaram os limites europeus em mais de 20% dos testes. Entre eles, o glifosato e o mancozebe, ambos associados a doenças crônicas, e o aldicarbe, proibido no Brasil e classificado pela Anvisa como “o agrotóxico mais tóxico registrado no país, entre todos os ingredientes ativos utilizados na agricultura”.
O glifosato é o caso mais revelador sobre as peculiaridades do Brasil na regulação sobre agrotóxicos. Classificado como “provável carcinogênico” pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, órgão da Organização Mundial da Saúde, o pesticida está sendo discutido em todo o mundo. Há milhares de pacientes com câncer processando os fabricantes nos Estados Unidos – e vencendo nos tribunais – além de protestos e petições pedindo a sua proibição na Europa. Não há consenso, entre as agências reguladoras, sobre sua classificação. No Brasil, que oficialmente colocou a substância em revisão desde 2008, o Ministério da Agricultura liberou novos registros para a venda de glifosato no início deste ano. O pesticida passou a ser vendido em novas formas, quantidades e por número maior de fabricantes.
Nos testes com a água do país, a controversa substância foi a que mais ultrapassou a margem de segurança segundo o critério da União Europeia: 23% dos casos acima do limite. Pela lei brasileira, o glifosato foi um dos que menos soou o alarme: apenas 0,02% dos testes ultrapassaram o nosso limite.
“Isso é um escândalo de saúde pública. Nós colocamos o limite alto, lá na estratosfera, e aí comemoramos que temos uma água segura”, questiona a pesquisadora Larissa Bombardi, professora de geografia na Universidade de São Paulo e autora de um atlas que compara a lei brasileira e europeia no controle dos agrotóxicos. Seu estudo revela como nossos limites chegam a ser 5 mil vezes mais altos que os europeus. O caso mais grave é o do glifosato: enquanto na Europa é permitido apenas 0,1 miligramas por litro na água, aqui no Brasil a legislação permite até 500 miligramas por litro.
Como o glifosato é o agrotóxico mais vendido no país, e também o que tem o limite mais generoso para presença na água, Bombardi lança suspeitas sobre os critérios usados: “no caso do glifosato é realmente difícil encontrar justificativa científica, parece ser mais uma decisão política e econômica”. O pesticida foi o mais consumido em 2017 no Brasil com 173 mil toneladas vendidas, segundo o Ibama. O volume corresponde a 22% das estimativas de vendas para esse químico em todo o mundo no mesmo ano – o que faz do Brasil um importante mercado para as fabricantes, entre elas as gigantes Syngenta e a Monsanto – comprada pela Bayer no ano passado.
Limites generosos
A larga diferença entre os limites fixados pela União Europeia e pelo Brasil é um dos principais argumentos dos críticos do uso da substância no Brasil. “Essa diferença só pode se dar por dois motivos. Ou porque nossa sociedade é mais forte, somos seres mais resistentes aos agrotóxicos. Ou mais tola, porque estamos sendo ingênuos quanto aos riscos que corremos”, provoca Melgarejo, da Campanha Contra os Agrotóxicos.
A engenheira química Ellen Pritsch, representante da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental no grupo de trabalho que reavalia os limites dos pesticidas na água, discorda. Para ela, os atuais limites são seguros e foram fixados com embasamento científico. “O critério brasileiro é dez vezes menor do que o efeito que geraria problema. Então, mesmo que seja encontrado um percentual acima esse valor, ainda assim seria menor [estaria abaixo do risco]”, afirma.
Antes de aprovar os registros dos agrotóxicos, as empresas fabricantes entregam estudos com testes feitos com animais em laboratórios. O Sindiveg, sindicato da indústria de fabricantes de pesticidas, defende que esses estudos são o suficiente para avaliar os riscos das substâncias. “São estudos de bioconcentração em peixes e micro-organismo, algas e organismos do solo, abelhas, microcrustáceos, peixes e aves”, afirma nota enviada pelo Sindiveg em resposta às perguntas da reportagem.
A principal reivindicação dos grupos que fazem campanha pelo controle dos agrotóxicos é por mais restrição e até pela proibição de alguns dos pesticidas hoje aprovados no país, como a atrazina, o acefato e o paraquate, que são campeões de venda no Brasil, mas proibidos na União Europeia.
Mas o governo aponta na direção oposta. A responsável pela pasta da agricultura, ex-líder da bancada ruralista Tereza Cristina, foi presidente da comissão especial na Câmara que aprovou, em junho passado, o Projeto de Lei que propõe agilizar a aprovação de novos agrotóxicos no país. Apelidado pelos críticos como o “PL do veneno”, já gerou grande polêmica, sendo criticado em uma carta assinada por mais de 20 grupos da comunidade científica.
Sem previsão de conseguir maioria no Congresso para aprovar o PL, a estratégia parece ter mudado. Desde o início do ano, o Ministério da Agricultura publicou novos registros para 152 agrotóxicos, uma velocidade recorde de 1,5 aprovações por dia. Chamada para esclarecer as liberações em audiência na Câmara na última terça-feira (9), a ministra disse que “não existe liberação geral” e que longos processos de aprovação só atrasam o agronegócio brasileiro. Ela chamou de “desinformação” os estudos que apontam os riscos dessas substâncias e, usando o mesmo argumento do sindicato dos produtores de agrotóxicos, declarou que as intoxicações ocorrem devido ao modo como os trabalhadores aplicam as substâncias. Um dia depois da audiência, o governo aprovou a comercialização de mais 31 agrotóxicos no Brasil
A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), de censurar os sites da revista Crusoé e O Antagonista reacendeu no Senado a pressão para se criar a comissão parlamentar de inquérito para investigar integrantes das cortes superiores, a chamada CPI da Lava Toga
Por Daniel Carvalho
Senadores reagiram depois que veio a público a notificação do site, nesta segunda-feira (15), da decisão de Moraes, que determinou a retirada do ar da reportagem e de notas publicadas na semana passada sobre uma menção ao presidente da corte, Dias Toffoli, feita em um e-mail pelo empresário e delator Marcelo Odebrecht.
"Se alguém tinha dúvidas sobre a urgência da CPI das cortes superiores, os ministros confirmam a sua necessidade. E quem via risco à democracia na atuação do Executivo agora precisa se preocupar também com outro lado da Praça dos Três Poderes, de onde se avolumam as ações autoritárias.", disse o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), autor dos dois requerimentos para criação da CPI.
A decisão de Moraes, que atendeu a um pedido de Toffoli, é de sexta-feira (12), no âmbito de um inquérito aberto pelo STF em março para apurar fake news e divulgação de mensagens que atentem contra a honra dos integrantes do tribunal.
A multa por descumprimento é de R$ 100 mil por dia. Moraes também determinou que os responsáveis pelos sites prestem depoimento em até 72 horas.
Segundo a reportagem de Crusoé que motivou a ação do Supremo, Marcelo Odebrecht enviou à Polícia Federal, no âmbito de uma apuração da Lava Jato no Paraná, esclarecimentos sobre menções a apelidos encontrados em seus emails. Uma das menções, de acordo com o delator, era a Toffoli.
"A decisão de censura à Revista Crusoé, imposta pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, utilizando-se do já absurdo e ilegal 'inquérito' instaurado pelo presidente da corte, Dias Toffoli, agride violentamente a democracia e a liberdade de imprensa", disse Vieira em nota.
"É profundamente lamentável que justamente aqueles que deveriam ser os guardiões máximos da Constituição Federal usem do abuso de poder para inibir investigações e manter o status de impunidade. Deveriam respeitar o cidadão brasileiro e responder às diversas denúncias que se acumulam há anos, sem a devida apuração", afirmou.
A CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado decidiu na última quarta (10) pelo arquivamento da CPI da Lava Toga. A palavra final será do plenário, mas o tema ainda não foi pautado.
A comissão analisou parecer sobre o recurso apresentado à CCJ pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
À época, ele disse entender que o requerimento apresentado por Alessandro Vieira não reunia os pressupostos constitucionais e regimentais de admissibilidade e determinou seu arquivamento.
No entanto, para não ter que arcar sozinho com o peso político de sua decisão, Davi resolveu ele mesmo recorrer à CCJ.
"Este país está vivendo tempos estranhos e isso é mais um motivo para esta Casa instalar a CPI da Lava Toga e analisar os pedidos de impedimento dos ministros do STF", reagiu nesta tarde o senador Reguffe (sem partido-DF).
"Não cabe censura nesse país. Não cabe o Supremo Tribunal Federal agir com corporativismo nesse caso. Se há uma matéria errada, se há uma injustiça, que se reponha a injustiça, que se entre na Justiça, que se busque uma indenização. Há uma série de meios com que se pode fazer isso, inclusive na própria Justiça. Agora, o Supremo Tribunal Federal, porque um dos seus passou a ser alvo de uma matéria, agir assim, não me parece que esse é o melhor meio para a sociedade", disse o senador.
"Será que este Congresso Nacional não vai ser solidário ao jornal digital O Antagonista, à revista Crusoé, à imprensa? Vai permitir que isso aconteça e ninguém aqui vai se rebelar? Ninguém aqui vai se solidarizar pelo menos? Porque amanhã poderá ser um de nós", disse o líder do PSB no Senado, Jorge Kajuru (GO).
O senador Oriovisto Guimarães (PODE-PR) condenou a censura, mas disse acreditar que este episódio não garantirá a instalação da CPI.
"Não tenho dúvida de que esta CPI será arquivada porque era a opinião do presidente e foi majoritária esta opinião na CCJ", afirmou.
"Lastimo profundamente que esta medida tenha sido tomada. Isso é censura e já vivemos censura. Agora é censura feita pelo Judiciário? É o fim da picada. Contraria o mais básico princípio da democracia, que é a liberdade de imprensa. É muito ruim que isso aconteça. E isso já foi divulgado, todo mundo já sabe. O ministro tem que se defender publicamente. Pra que censurar? Não leva a nada esta censura", afirmou Guimarães.
Denúncia acusa ex-governador de improbidade administrativa por não ter declarado à Justiça Eleitoral os repasses da Odebrecht na campanha de 2014
Por iG São Paulo
O ex-governador de São Paulo terá R$ 39,7 milhões de seus bens bloqueados pela Justiça de São Paulo. A decisão publicada nesta segunda-feira (15) partiu do juiz Alberto Alonso Muñoz, da 13ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo. Cabe recurso.
O juiz atendeu a um pedido do Ministério Público de São Paulo que alega que Geraldo Alckmin tenha recebido R$ 7,8 milhões da empreiteira Odebrecht durante a sua campanha à reeleição como governador de São Paulo em 2014.
A denúncia do MP acusa o ex-governador de improbidade administrativa por não ter declarado à Justiça Eleitoral os repasses da Odebrecht, o que caracteriza o crime de caixa 2.
Na decisão, o magistrado também bloqueia os bens de de Marcos Antônio Monteiro, da construtora Odebrecht, Luiz Bueno Júnior, Benedicto Barbosa da Silva Júnior, Fernando Migliaccio da Silva e Hilberto Mascarenhas Alves da Silva. Todos estão ligados à Odebrecht.
Juíza do Trabalho de Mato Grosso diz que seguiu regra da reforma trabalhista ao ordenar pagamento, pois funcionário perdeu ação contra patrão
Renato Jakitas, O Estado de S.Paulo
Uma ação trabalhista movida contra uma concessionária de caminhões no interior de Mato Grosso transformou-se em dor de cabeça inesperada para o vendedor Maurício Rother Cardoso, ex-funcionário da empresa e autor do processo. Ele ingressou na Justiça em 2016 queixando-se, entre outras coisas, de reduções salariais irregulares e do cancelamento de uma viagem prometida pela concessionária como prêmio para os melhores funcionários. No fim, quase todos os pedidos foram negados pela Justiça e, de quebra, foi condenado a pagar R$ 750 mil em honorários para o advogado do ex-empregador.
Na sentença, assinada em 7 de fevereiro de 2018, a juíza do Trabalho Adenir Alves da Silva Carruesco, da 1ª Vara de Trabalho de Rondonópolis (MT), fundamentou sua decisão com base na nova regra de sucumbência, prevista no artigo 791-A da reforma trabalhista, que passou a vigorar em novembro do ano passado. Segundo a nova lei, quem obtiver vitória parcial na Justiça do Trabalho deve pagar os honorários advocatícios da outra parte, relativos aos pedidos que foram negados dentro do processo. O valor da sucumbência pode variar de 5% a 15% do valor total solicitado.
Entre descontos indevidos em comissões de venda, benefícios não pagos e compensações por danos morais, o vendedor pedia pouco mais de R$ 15 milhões. A juíza condenou a empresa ao pagamento de R$ 10 mil de indenização pelo cancelamento da viagem à cidade de Roma, prêmio que havia sido prometido ao empregado. No demais, inocentou a concessionária Mônaco Diesel de todos os outros questionamentos e fixou o valor da sucumbência em 5% do valor atribuído à causa.
Na sentença, a magistrada justifica sua decisão afirmando que a reforma trabalhista foi publicada em 14 de julho de 2017 e apenas passou a vigorar em novembro. Segundo ela, tempo suficiente para que os envolvidos no processo, tanto o ex-funcionário quanto o ex-empregador, reavaliassem os riscos do processo. “Esse período (da aprovação da nova CLT até sua implementação) foi de intensas discussões, vários seminários, cursos e publicações de obras jurídicas. Portanto, houve tempo mais que suficientes para os litigantes, não sendo razoável alegar efeito surpresa”, escreve a juíza.
Futuro. Procurado, Maurício Rother Cardoso prefere não falar. Segundo seu advogado, João Acássio Muniz Júnior, o vendedor está “desolado, e muito preocupado com o futuro”. Ele afirma que não tem como pagar os R$ 750 mil e tem receio de que a repercussão negativa do caso tenha impactos na carreira profissional. “Ele está desempregado desde setembro de 2016, quando foi demitido da concessionária, e com problemas financeiros para as contas do dia a dia”, diz o advogado.
Muniz explica que foi contratado pelo vendedor “para tentar salvar o processo”, uma vez que Maurício Cardoso já tinha consciência de que perderia na Justiça. “Ele entrou com processo antes da reforma trabalhista, que instituiu a regra da sucumbência na Justiça Trabalhista. E é nisso que vamos trabalhar para reverter a decisão da juíza”, afirma o advogado, que ainda tem esperança que derrubar a sentença contrária da Justiça Trabalhista em segunda instância. “Houve um erro em pedir tanto dinheiro. Esse era um processo de R$ 3 milhões, R$ 4 milhões. Mas R$ 15 milhões foi demais”, resume.
Para advogado trabalhista Sólon Cunha, sócio do escritório Mattos Filho e professor da Fundação Getúlio Vargas, o caso resume o espírito da nova lei trabalhista, que segundo ele tenta contornar algumas imperfeições na relação entre funcionários e empregadores. “Não é por má fé, mas o advogado que representa o trabalhador tem por hábito pedir alto pela indenizações, sabendo que lá para frente pode ter um acordo entre as partes e até ter a cifra reduzida nas instâncias superiores”, afirma o especialista.
Cunha aponta que, quando o empregado entra no processo pela Justiça gratuita, sem condições de arcar com os cursos do processo, o magistrado pode definir até quanto o autor do processo consegue pagar em sucumbência. “Nesse caso de Mato Grosso, o que o funcionário ganhou da empresa como indenização pela viagem será destinada para o honorário de sucumbência. Mas se o reclamante entrar pela Justiça comum, sem o beneficio da gratuidade, o advogado da outra parte passa a ser credor dele e, no último caso, o nome da pessoa pode ir parar no Cadin (Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal).