De 2004 a 2015 receita extra foi de R$170bi, mas ineficiência nos gastos e corrupção exacerbada agravaram recessão
Por Edson Rodrigues
Seguindo o exemplo do Rio de Janeiro, governadores do Norte, Nordeste e Centro-Oeste ameaçam decretar calamidade pública, a partir desta semana, se a União não lhes conceder uma ajuda de R$ 7 bilhões. Minas Gerais esboçou a mesma intenção e o Rio Grande do Sul segue parcelando pagamentos. Para os especialistas em finanças públicas, a situação pré-falimentar dos Estados comprova que eles não apenas demandam ajuda emergencial para sobreviver à recessão: precisam de uma reestruturação urgente e profunda.
O contraditório é que a crise chega após um longo período de bonança. Nos últimos dez anos, os governos estaduais viveram uma espécie de “boom” das receitas. De 2004 a 2015, a arrecadação cresceu, em média, 41% acima da inflação – o que significou uma receita extra de R$ 170 bilhões, segundo estudo realizado pela consultoria Macroplan. Ocorre que as despesas avançaram mais: 50% acima da inflação. E o endividamento foi além: após um período sob controle, disparou e fechou 2015 em R$ 653 bilhões (veja gráfico). “Os Estados desperdiçaram a década,” diz Gustavo Morelli, diretor da Macroplan.
Pelo estudo, por exemplo, é possível saber que Sergipe investe por aluno quase o mesmo que São Paulo, mas a sua nota no Ideb foi caindo. Na década, Alagoas praticamente dobrou os investimentos em segurança, mas dobrou também a sua taxa de homicídios e hoje é o Estado mais violento do País. Numa demonstração de que gestão é tão ou mais importante que dinheiro, o Ceará, com baixos investimentos na reformulação do atendimento, reduziu pela metade a taxa de mortalidade infantil (leia mais abaixo).
A Macroplan cruzou informações de 28 indicadores, como déficit habitacional, taxa de desemprego, cobertura de saneamento, índice de transparência e até o trâmite de processos judiciais dos 27 Estados e Distrito Federal. A conclusão: “Pela quantidade de recursos disponíveis, os Estados tiveram melhorias muito heterogêneas e, em muitos casos, abaixo do esperado – precisam de uma agenda de reformas para avançarem”, diz Morelli. Essas reformas se tornam mais urgentes, avalia ele, porque, daqui para frente, o cenário é de restrição. A retomada do crescimento tende a ser mais lenta e o ajuste fiscal, com corte de gastos, inexorável: “Sem reformas, os Estados terão uma verdadeira década perdida daqui para frente”, diz.
TOCANTINS
É nessa tecla que O Paralelo 13 vem insistindo há tempos. Com uma industrialização menor que os demais estados e uma economia em gestação, para o mais novo estado do Brasil ficou mais difícil sobreviver ao momento econômico.
Não se podem negar os esforços do governo Marcelo Miranda, que, mesmo com o quadro nacional de recessão, vem conseguindo manter os pagamentos do funcionalismo em dia e conseguindo evitar o parcelamento dos salários, como em estados bem mais desenvolvidos.
Mas, com a greve geral, essa tarefa está tornando-se a cada dia mais difícil, pois a movimentação econômica cai, a arrecadação cai e a capacidade de investimentos vai por água abaixo.
A necessidade de cortes na própria carne, com demissões de servidores comissionados e terceirizados e enxugamento no número de secretarias fica cada vez mais latente e urgente.
Parte dessa mudança precisa incluir uma postura nova em relação à gestão financeira, dizem os economistas Vilma da Conceição Pinto e José Roberto Afonso, do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), que têm publicado pesquisas e artigos sobre o tema. “Quando a receita começou a cair, os Estados usaram de contabilidade criativa, ainda que legal, para maquiar os gastos: precisam voltar a aplicar rigorosamente a Lei de Responsabilidade Fiscal”, diz Vilma.
IMPOSTOS E REPASSES
Afonso lembra que ainda há uma crise estrutural a ser resolvida nas fontes de receitas dos Estados: o ICMS, principal imposto estadual, está “obsoleto” e perde espaço com a desindustrialização e a guerra fiscal. O Fundo de Participação dos Estados murcha. Também perderam com a municipalização do SUS, a criação de fundos, como o da educação básica, e até com mudanças nos royalties de petróleo. “Qual foi a solução? Se endividaram, patrocinados pelo próprio Tesouro Nacional. Não é por outro motivo que governadores do Nordeste reclamam, mas a principal reivindicação é se endividar de novo: é como um vício que não se consegue largar, ainda que se saiba que vai lhe matar”, diz Afonso.
José Wellington Dias, governador do Piauí, concorda que nem todo mundo faz o dever de casa e que há muito a reestruturar, mas reforça a necessidade de ajuda de curto prazo. “Norte e Nordeste têm uma grande dependência de repasses da União, que despencaram. Se nada for feito, em pouco tempo vamos estar igual ao Rio Grande do Sul, atrasando a folha e restringindo serviços básicos.”