A crise provocada pelo novo coronavírus está aprofundando a desigualdade de renda no país
Julana Elias, do CNN Brasil
A atividade dos trabalhadores informais sofreu impactos muito mais intensos por conta da pandemia do novo coronavírus do que a dos empregados que têm carteira assinada. É o que mostram os dados do mercado de trabalho do segundo trimestre divulgados nesta quinta-feira (6) pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os números também dão indícios de que a perda do trabalho foi maior entre os profissionais com os salários menores e com menor grau de instrução. Isto porque, apesar de uma queda sem precedentes no número de pessoas empregadas, o salário médio dos que restaram trabalhando subiu.
“Como as demissões foram maiores entre os informais, que ganham menos, a média salarial de quem ficou melhora”, disse o diretor de políticas macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), José Ronaldo Souza Júnior.
Em todos os grupos houve gente perdendo integralmente o trabalho ao longo do segundo trimestre, mesmo que em intensidades diferentes: empregados, autônomos e empresários. Apenas um grupo foi na contramão: o de servidores públicos, que aumentaram os seus quadros em 6% na comparação com o primeiro trimestre do ano.
Entre os trabalhadores contratados pelo regime da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), 9% dos empregados foram dispensados. Já entre aqueles que são empregados de alguma empresa, mas sem o registro formal em carteira, a redução foi de 21,6%, ou mais que o dobro do que os colegas CLT.
Resultado? O salário médio de quem sobrou trabalhando, no regime CLT, subiu 1% (para R$ 2.294) na comparação com o primeiro trimestre. Entre os empregados sem registro, este aumento foi de 5,7% (para R$ 1.585).
No total, a média do rendimento dos brasileiros que conseguiram manter seu trabalho ao longo do segundo trimestre de 2020, os três piores meses da pandemia no país, foi de R$ 2.500. É um aumento de 4,6% na comparação com o primeiro trimestre e de 7% ante o mesmo trimestre em 2019, já considerada a inflação do período.
“Isso indica um efeito seletivo na demissão, o desemprego salvou os mais bem remunerados, enquanto aqueles com menor qualificação e menor qualidade do trabalho foram dispensados”, disse o economista Jorge Jatobá, sócio da consultoria Ceplan e ex-secretário de Emprego e Salário do Ministério do Trabalho.
A maior fragilidade dos trabalhadores informais também apareceu entre empregados e empregadas domésticas: 14% dos que tinham carteira assinada foram demitidos, enquanto 24% foram dispensados entre os que não tinham o vínculo.
Foi entre os domésticos sem carteira e os empregados também sem carteira do setor privado que aconteceram as maiores demissões em massa da pandemia: nos dois grupos, mais de 20% deles perderam o emprego no segundo trimestre.
“A medida que possibilitou a flexibilização dos contratos de trabalho foi essencial”, disse Souza, do Ipea, mencionando o programa do governo federal que permitiu às empresas reduzirem temporariamente a jornada e o salário de seus funcionários.
O programa vale apenas para os empregados com carteira assinada, que recebem também um complemento do seguro-desemprego durante o período de redução para complementar a renda. “Se não fosse por isso, teria havido demissão em larga escala”, afirmou Souza.
Os dados da pesquisa do IBGE levam em consideração apenas o que os profissionais ganharam com seu trabalho e serviços prestados. A renda de outras fontes, como o auxílio emergencial de R$ 600, distribuído a mais de 50 milhões de pessoas ao longo desses meses, não é considerada.
10% dos autônomos sem trabalho
A perda do trabalho também foi bastante acentuada para autônomos e empreendedores.
No total, o número de profissionais que atuam por conta própria, como prestadores de serviços, caiu 10,3% tanto na comparação com o contingente total do primeiro trimestre quanto com o do segundo trimestre do ano passado.
Entre os empregadores, a redução também foi próxima dos 10% nas duas bases de comparação.
“Neste momento, o informal foi o mais enfraquecido”, disse o analista de mercado de trabalho da LCA Consultores, Cosmo Donato. “Ele depende diretamente das pessoas circulando e não tem nenhuma das garantias da CLT.”
“São pessoas que vendem seus produtos na rua”, disse Jatobá, da Ceplan. “Elas não conseguiram botar seu produto na rua, deixaram de procurar trabalho porque não acham que vão encontrar ou por simples medo de serem contaminadas e foram para casa.”