Especialistas avaliam que resultados mostram esquerda em transformação e partidos de centro com bom desempenho, com DEM em destaque
POR VICTOR FUZEIRA
TÁCIO LORRAN
Em um ano atípico, marcado pela pandemia do novo coronavírus, o 1º turno das eleições municipais de 2020 começou a desenhar, segundo especialistas consultados pelo Metrópoles, mudanças no cenário político: PSol e PDT ganham força junto à esquerda, com o PT enfraquecido; o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e aliados perdem corpo, com resultados abaixo do esperado e diminuição do apelo da chamada “antipolítica”; e o bloco de partidos de centro surge como uma alternativa à polarização desenfreada de 2018, com destaque para o DEM, que elegeu três prefeitos de capitais em primeiro turno.
Com quase 90% das urnas apuradas das Eleições 2020, apenas três partidos elegeram, em primeiro turno, candidatos nas capitais do Brasil.
Uma das principais siglas de centro-direita do país, o Democratas (DEM) venceu em 3 das 25 capitais em que houve votação neste domingo (15/11). Logo atrás, empataram o PSDB e o PSD, ambos com duas vitórias confirmadas.
Em relação ao segundo turno, o MDB é a sigla que mais vai disputar prefeituras nas 18 capitais com votação a ser definida no próximo dia 29. São 7 cidades em que o partido é uma das duas opções dos eleitores.
O Partido dos Trabalhadores, na contramão, está em apenas duas disputas: em Recife e Vitória. O número é bem distante da realidade de 2016, quando o partido levou 7 candidatos para a definição em segundo turno. Apesar disso, o partido elegeu, em 2016, apenas um prefeito nas 100 cidades mais populosas do país. Agora, o PT está na disputa em 15 desses municípios: além das duas capitais, vai concorrer às prefeituras de Guarulhos (SP) e São Gonçalo (RJ).
Em São Paulo (SP), o candidato Guilherme Boulos (PSol) surgiu como o grande nome da esquerda nestas eleições e vai disputar o segundo turno contra o atual prefeito, Bruno Covas (PSDB). Apoiado por Bolsonaro, o deputado federal Celso Russomanno (Republicanos) despencou nos últimos dias, conforme pesquisas de intenções de votos, e amargou, nesse domingo (15/11), um dolorido quarto lugar, com pouco mais de 10% dos votos válidos.
No Rio de Janeiro (RJ), Eduardo Paes (DEM) vai ao segundo turno contra o atual prefeito da cidade, Marcelo Crivella (Republicanos). Primos, João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT) travam a batalha pela prefeitura de Recife (PE), e, em Porto Alegre (RS), Manuela D’Ávila (PCdoB) conquistou 29% dos votos e vai ao segundo turno contra Sebastião Melo (MDB).
Manutenção
Segundo o doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) Humberto Dantas, o eleitor brasileiro fugiu da polarização política e preferiu candidatos com ideologias políticas mais ao centro. “Onde não há manutenção do mesmo grupo no poder, temos o retorno de gestões anteriores. Existe uma percepção de parcelas consolidadas de olhar para trás e dizer: ‘Essa gestão parece razoável de voltar’. Avalio que é um bom cenário de manutenção de políticos consagrados nas urnas e no poder”, explica.
Para o professor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Brasília (ICS-UnB) Ricardo Caldas, o bom desempenho de figuras conhecidas da política nacional resulta, também, das dificuldades de campanha que tiveram os candidatos novatos concorrentes ao pleito.
“Foi um ano cruel para os candidatos novatos. Trata-se de uma eleição onde há a proibição de coligações partidárias, com campanhas curtas e restritivas, com baixo efetivo de doações de campanha. Ser novo na política não foi suficiente, como vimos em 2018”, defende.
Caldas acredita que os candidatos populistas perdem fôlego, mas ainda caem nas graças do eleitorado brasileiro. “Eleitorado ainda quer nomes novos, gosta de nomes novos, mas eles podem estar dentro de um partido tradicional, diferente de outras eleições. Hoje, o eleitor liga menos para os partidos políticos, essa questão não é tão importante mais. Não à toa, você tem partidos antigos voltando a conquistar espaço no cenário, como o DEM. Enquanto outros partidos, mais consolidados, como o PT, perdem força.”
O professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marco Teixeira avalia que o melhor caminho para quem concorre, hoje, a um cargo político é pelo centro. O cientista político, contudo, ainda acha difícil traçar projeções para as eleições de 2022 apenas com os resultados deste 1º turno.
“O que a gente sabe é que Bolsonaro está menor do que quando ele entrou e que a esquerda vai ter que conversar mais, buscar alternativas melhores. Quem está em campanha para 2022 depende muito dos grandes centros”, pondera.
Os derrotados
Texeira avalia que as eleições de 2020 têm um “grande derrotado”: o Partido Social Liberal (PSL) – antiga sigla do presidente Jair Bolsonaro, que atualmente está sem partido. “Mostra-se que o partido existiu fundamentalmente em torno de Jair Bolsonaro. É um desempenho horroroso para quem tem R$ 200 milhões de fundo partidário”, pondera.
Em contrapartida, o professor Ricardo Caldas, da UnB, coloca o Partido dos Trabalhadores (PT) como o maior derrotado no pleito eleitoral. Na avaliação do docente, o desempenho da sigla foi “medíocre” e indicou um “retrocesso”.
“Me surpreende muito que o PT tenha apresentado em 2018 um novo nome, que foi o Fernando Haddad. E, em 2020, dá dois passos para trás e coloca, em disputa, nomes sem respaldo da população. Com exceção de Marília Arraes [candidata à prefeitura de Recife (PE), que vai ao segundo turno], o PT perde a oportunidade de se renovar e faz trabalho medíocre.”
A análise de Caldas encontra ressonância na avaliação de Humberto Dantas. O pesquisador da FGV classifica o desempenho do PT como um “massacre abominável”. “O PT não inaugurou governo em estado algum fora do Nordeste, perdeu forças em alguns estados onde já era consolidado, não ganhou a Presidência e, claro, a eleição deste ano não foi o que o PT imaginava.”
Operação Eleições 2020 no Centro Integrado de Comando e Controle Nacional (CICCN)
Os vencedores
Para Dantas, o péssimo desempenho do Partido dos Trabalhadores (PT) nas últimas disputas eleitorais permitiu o crescimento de outros partidos de esquerda, principalmente o PSol, que lança, ao 2º turno, os candidatos Guilherme Boulos, em São Paulo, e Edmilson Rodrigues, em Belém.
“O resultado mostra que a esquerda precisa se reorganizar e quando se sentar à mesa vai ter o PDT e o PSol fortalecidos. Acho que isso muda a postura desses partidos. Agora, o PSol e o PDT vão sentar à mesa de um jeito diferente quando forem conversar com o PT”, avalia.
De acordo com Ricardo Caldas, o bom desempenho do PSol deriva do fortalecimento da sigla durante as eleições presidenciais de 2018. “A campanha de Boulos em 2018 pesou a favor deles, e isso explica porque Boulos ficou em segundo lugar agora. A exposição foi muito grande, e estão colhendo os frutos agora”, diz.
Além do PSol, os especialistas colocam o Democratas (DEM) como outro partido com ótimo desempenho nas urnas. “O DEM teve um desempenho acima do esperado. É um partido antigo, um dos mais antigos, que teve a capacidade de se renovar. Não basta você ser de esquerda, de centro ou conservador, você precisa trazer algo novo, e o Democratas mostrou ao que veio”, defende Caldas.
“Esse resultado positivo do DEM está associado a uma manutenção do status quo em um instante difícil. Mostra uma força em alguns lugares muito interessantes, pega para si dois prefeitos de capitais do Sul. Não pode ficar de fora de nenhuma composição de 2022 de centro”, acrescenta Humberto Dantas.
Candidatos do presidente
Com apoio manifestado a alguns candidatos pelo país, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) colheu derrotas significativas neste 1º turno.
Em São Paulo, Bolsonaro viu o aliado Celso Russomanno (Republicanos) ficar de fora da disputa. Já no Rio de Janeiro, o mandatário do país assistiu Marcelo Crivella (Republicanos) ganhar um pouco de força na reta final e garantir um 2º turno contra Eduardo Paes (DEM).
Além de Russomanno, quem também contava com o apoio do presidente e ficou de fora foi a Delegada Patrícia – candidata pelo Podemos em Recife. Outro candidato que amargou uma derrota nas urnas e tinha respaldo do chefe do Executivo era Coronel Menezes (Patriota). Ele concorria à prefeitura de Manaus, mas terminou como 5º mais votado, apenas.
Convidado para participar de lives do mandatário do país, Bruno Engler (PRTB) também não teve bom desempenho e perdeu a disputa, ainda no 1º turno, para o atual prefeito de Belo Horizonte (MG), e agora reeleito, Alexandre Kalil (PSD). Ao menos beliscou um segundo lugar, com quase 10% dos votos.
Outro candidato que amargou uma derrota nas urnas e tinha apoio do chefe do Executivo era Coronel Menezes (Patriota). Ele concorria à Prefeitura de Manaus, mas terminou como o 5º mais votado apenas.
Os cientistas políticos ouvidos pela reportagem, contudo, defenderam que o desempenho dos aliados de Bolsonaro não está, necessariamente, atrelado à manifestação de apoio do presidente.
“Bolsonaro não definiu muita coisa. O Russomanno sofre de desgaste da imagem dele mesmo, são questões internas. É só mais uma campanha em que ele larga na frente das pesquisas e, no fim, acaba em terceiro ou quarto lugar”, explica o professor do Instituto de Ciências Sociais Ricardo Caldas.
Os estudiosos defendem que o tímido respaldo do chefe do Executivo não foi suficiente para assegurar apoio popular do eleitorado. “Bolsonaro apagou o pedido de voto feito a Russomanno e Crivella. Isso só demonstra que o presidente não aceita perder. É um presidente que não sabe dar apoio, não é um grande empenhador de voto. Isso é muito ruim para ele”, finaliza Dantas.