Enquanto Jair Bolsonaro (sem partido) trava uma batalha com governadores pela redução de tributos estaduais sobre combustíveis, seis unidades da federação cobram da Petrobras pelo menos R$ 13,8 bilhões. A estatal diz discordar das cobranças.
Com Folhapress
Governadores criticam a pressão feita pelo presidente e afirmam que não há condições de abrir mão de arrecadação do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre combustíveis. Esse tributo representa quase 20% dos ganhos dos estados.
Em meio à disputa política, governos locais cobram da Petrobras –que é controlada pela União– débitos com impostos (principalmente o ICMS), além de multas, juros e outros encargos. A petroleira questiona esses débitos.
A estatal figura nas primeiras posições dos cadastros da dívida ativa de diversos estados, como Rio, São Paulo, Pará e Bahia. A inclusão de empresas nessas listas ocorre quando os processos administrativos de cobrança são encerrados e as autoridades locais passam a exigir o pagamento do débito.
A Petrobras lidera o ranking da dívida ativa do Rio, com R$ 9,4 bilhões inscritos em 168 diferentes processos de cobrança.
A petroleira figura ainda em segundo lugar na lista do governo de São Paulo, com débitos de R$ 3,6 bilhões.
De acordo com o secretário de Fazenda do Rio de Janeiro, Luiz Claudio Rodrigues de Carvalho, todos os débitos são referentes a cobranças de ICMS. O valor em disputa é muito superior à arrecadação anual do imposto sobre combustíveis no Rio de Janeiro, que encerrou 2019 em aproximadamente R$ 5,5 bilhões. Segundo ele, muitos desses processos se alongam por anos –o mais antigo tem mais de duas décadas.
“Reconhecemos que a legislação é complexa. Nós cobramos aquilo que entendemos ser correto, mas é o Judiciário que dirá quem tem razão”, disse.
O Pará também cobra da estatal R$ 678 milhões relacionados ao recolhimento de ICMS. Na Bahia, a empresa figura no topo da lista da dívida ativa, com R$ 122 milhões. Também há registro de débitos em Pernambuco (R$ 9,7 milhões) e em Santa Catarina (R$ 460 mil).
A Petrobras afirmou em nota que os valores cobrados pelos estados não representam uma ausência de pagamento de tributos, mas uma “divergência de interpretação da norma tributária”.
A estatal informou “discordar das cobranças promovidas pelos estados” e que defende entendimento diferente daquele adotado pelas autoridades fiscais. “Reconhece, portanto, existir um contencioso tributário [débitos contestados], mas não uma dívida líquida e certa junto aos Estados”, declarou a petroleira.
Grandes empresas costumam se envolver em disputas com autoridades federais e estaduais por divergências na cobrança de impostos e outros tributos. A falta de pagamento ou contestações na arrecadação geram processos administrativos que podem levar à inscrição da pessoa jurídica no cadastro da dívida ativa.
Nesses processos, os contribuintes têm direito a defesa e a apresentação de recursos para questionar a autuação feita pelos fiscais. Após a conclusão do processo administrativo e a inclusão da cobrança na dívida ativa, a empresa pode recorrer à Justiça ou negociar o pagamento do débito.
A Petrobras questiona parte dessas cobranças em processos judiciais. Além disso, em dezembro do ano passado, a empresa anunciou a adesão a um programa de renegociação de dívidas de ICMS no valor de R$ 3,6 bilhões. Esse plano não incluiu os débitos com Rio e São Paulo, por exemplo.
“A Petrobras está sempre atenta a oportunidades de conciliação ou anistias fiscais com condições que façam sentido para ambas as partes acordantes”, disse a empresa.
O cálculo feito pela reportagem inclui seis estados que divulgam a relação de devedores. Os demais não publicam esses valores. A Petrobras não informou o total de cobranças.
A tributação sobre combustíveis provocou uma disputa política entre Jair Bolsonaro e governadores. O presidente acusa os estados de engordarem suas arrecadações ao deixar de repassar ao ICMS as variações dos preços da gasolina observados nas refinarias da Petrobras.
"O que eu quero é que o ICMS seja cobrado no combustível lá na refinaria, e não na bomba. Eu baixei três vezes o combustível nos últimos dias, mas na bomba não baixou nada", disse o presidente na última quarta-feira (5).
Bolsonaro desafiou os governadores a eliminar a cobrança do imposto sobre os combustíveis, que representa uma entrada de quase R$ 90 bilhões por ano nos cofres dos estados. Em aperto financeiro, muitos gestores regionais reagiram e afirmaram que a proposta é um blefe populista.
A pressão feita pelo presidente reabriu discussões sobre o modelo de cobrança do ICMS sobre os combustíveis –mercado dominado pela Petrobras.
O presidente afirmou que vai encaminhar ao Congresso um projeto de lei para que o imposto tenha um valor fixo por litro. Atualmente, na maior parte dos estados, o cálculo do tributo é baseado em um preço médio ponderado ao consumidor final.
A Petrobras não quis comentar o debate sobre o modelo de tributação e o embate político entre o presidente e os governadores. “Em relação ao tributo estadual (ICMS), a Petrobras cumpre e cumprirá com as normas legais acerca do tema”, disse a companhia.
Parte dos governadores diz estar disposta a discutir o tema, mas espera compensações para evitar o comprometimento dos caixas estaduais.
“Todo mundo é favorável à redução do preço do combustível. Mas precisamos encontrar um equilíbrio que possa conciliar o que representa a arrecadação de ICMS para os estados e a composição do preço final do combustível”, afirmou à reportagem Helder Barbalho (MDB), governador do Pará.
Nesta terça-feira (11), o ministro Paulo Guedes (Economia) participou de reunião com governadores em Brasília. O pedido do encontro foi feito pelos representantes dos estados em uma tentativa de distensionar o debate.
De acordo com relato do governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), Guedes afirmou na reunião que avalia não ser possível zerar os tributos sobre combustíveis neste momento e que um debate sobre redução dos impostos deve ser feito a médio e longo prazo.
"Tem que haver primeiro um fortalecimento dos estados e municípios, algo que só pode ser resolvido com a aprovação do novo pacto federativo e da reforma tributária", disse. (Bruno Boghossian e Bernardo Caram/FolhaPressSNG)