O avanço do coronavírus e a consequente paralisação das atividades jogaram luz nos ditos invisíveis, mostrando que mais de 50 milhões de pessoas enquadram-se em uma realidade antes desconhecida
Por Victor Irajá / REVISTA VEJA
O auxílio emergencial, fundamental para que o tombo da economia não fosse tão drástico, foi prorrogado por dois meses, mas o governo trabalha para dar continuidade ao auxílio dos vulneráveis por mais tempo. A forma de pagar essa conta, entretanto, é a grande incógnita. Por isso, o governo prepara um pedido para entidades internacionais, de cerca de 20 bilhões de reais para garantir a manutenção de programas gestados pelos Ministério da Cidadania e da Economia, como o Auxílio Emergencial.
A informalidade mostrou-se mote de um país com dimensões continentais e o problema, gravíssimo. O Brasil, de fato, não estava preparado para ser assolado pela doença. O Ministério da Economia e o Congresso Nacional, vale dizer, agiram rápido para garantir a subsistência dos mais vulneráveis e a manutenção de negócios e empregos, por meio da medida provisória que prevê a suspensão de contratos, redução de salários e a consequente cobertura dos vencimentos por parte do governo. Longeva, a pandemia arrefece de forma muito mais lenta do que o esperado pela equipe econômica — não só por fé ou mandinga, mas pela capacidade de dar continuidade aos programas. O auxílio emergencial foi a bala de prata para manter a economia do país respirando. Assim como necessários para evitar a fome e as mínimas condições, os 600 reais, porém, são, de longe, o programa mais caro engendrado pelo poder público. O custo total ultrapassa os 250 bilhões de reais. Enquanto renasce a ideia de tornar o pagamento de um auxílio de forma permanente, o governo corre para garantir a viabilidade dos pagamentos. Nos bastidores do Ministério da Economia, discute-se algo entre 200 e 300 reais. Mesmo com a redução do valor, o problema está em como pagar essa conta.
Na segunda-feira 27, o ministro Paulo Guedes levou as preocupações ao presidente Jair Bolsonaro, e explicou que a estratégia de comunicação do governo será vender o projeto que estipula um novo imposto nos moldes da CPMF como forma de financiar o auxílio e a nova política de proteção social de forma permanente. O projeto deve ser entregue em 15 de agosto e faz parte das fases da reforma desejada pelo executivo. Consequentemente, o ministro espera entregar um projeto conciso de renda básica, na ressaca do fim dos pagamentos, também em meados do mês que vem. Mas, o governo precisa de dinheiro para o auxílio operar enquanto os projetos tramitam pelo Congresso. Por isso, o ministro preparou um pedido de nababescos 4 bilhões de dólares, mais de 20 bilhões de reais, para entidades internacionais para financiar a extensão dos benefícios elevados a primordiais graças à pandemia.
O Ministério da Economia levará o pedido à Comissão de Financiamento Externo, a Cofiex, um grupo formado por diversas esferas do Executivo para discutir os pedidos de recursos para bancos e entidades internacionais. Na solicitação, que será discutida na quinta-feira 29, o governo preparou uma carta-consulta para a continuidade do programa emergencial de emprego e renda. “O objetivo geral do projeto é contribuir e assegurar níveis mínimos de qualidade de vida às pessoas em vulnerabilidade frente à crise do mercado laboral”, disserta o pedido. Apoiar com recursos financeiros a manutenção de níveis mínimos de renda para pessoas impactadas pelos efeitos econômicos da pandemia da Covid-19, que estejam no setor informal ou sejam trabalhadores independentes”, escrevem os membros da equipe econômica. O pedido é destrinchado, então, por valores.
DINHEIRAMA: Governo pede US$ 4 bilhões para bancos de fomento internacionais – Ministério da Economia
Segundo o documento, ao qual VEJA teve acesso, 1,7 bilhão de dólares, cerca de 8,8 bilhões de reais, seriam utilizados para o financiamento do programa de amparo aos mais vulneráveis, como os informais, como o auxílio emergencial. Outros 960 milhões de dólares, ou quase 5 bilhões de reais, seriam destinados à ampliação do programa Bolsa Família, um dos pilares para a nova política de proteção social. Para um programa de proteção de empregos por meio da assunção de parte dos pagamentos das folha salarial, o governo solicita 550 milhões de dólares e também pede outros 780 milhões de dólares para a expansão dos valores disponíveis para o pagamento do seguro-desemprego. As solicitações serão feitas ao Banco Interamericano de Desenvolvimento, ao Banco Mundial, ao Banco dos Brics, e a agências de fomento internacionais (veja a imagem acima). É de se lembrar a ironia do expoente liberal Milton Friedman (1912-2006): “Ninguém gasta o dinheiro dos outros com tanto cuidado como gasta o seu próprio”.
Agronegócio
Na mesma reunião onde Guedes passará o chapéu, o Ministério da Agricultura, comandado por Tereza Cristina, também pleiteia recursos. A pasta apresentará um pedido para o Banco Mundial de 200 milhões de dólares, cerca de 1 bilhão de reais, ao Banco Mundial para o Programa de Desenvolvimento Sustentável da Agropecuária da Amazônia, o Agronorte, e de outros 230 milhões de dólares para a consolidação do similar no Nordeste, o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Agropecuário no Nordeste, o AgroNordeste. No primeiro, a carta-consulta destrincha o pedido como necessário para a “implantação de políticas públicas voltadas para a regularização fundiária e ambiental e para implementação de práticas produtivas para acesso a novos e melhores mercados, com foco no fomento à produção rural sustentável, sendo a combinação de regularização e incremento da renda do produtor”, fatores considerados por ela “fundamentais para a desaceleração do desmatamento”.
O pedido, argumenta, seria cerne para a consolidação de um projeto de desenvolvimento da região amazônica, buscando o desenvolvimento de linhas de transmissão de energia e comunicação, por exemplo, para as cidades que ocupam as florestas. A medida, argumenta, seria para “assegurar que as margens das estradas e ferrovias sejam priorizadas na regularização fundiária e ambiental, e que o mesmo tratamento seja dado as áreas de garimpo”. “Tanto margens de estradas quanto áreas de exploração mineral são sujeitas a intensa pressão de desmatamento”, escreve a ministra.
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“A partir da solução dos problemas fundiários, de transporte, energia existem as condições para que ocorra um desenvolvimento econômico sustentável”, argumenta a carta de 34 páginas destinada ao Banco Mundial. “Ao não investir para resolver problemas estruturantes o Brasil continuará a ter sua imagem atacada por movimentos ambientalistas dentro e fora do país”, apela à boa vontade da instituição. “Investidores que hoje já indicam ter dificuldades em apostar no Brasil cumprirão suas ameaças e as exportações brasileiras do agronegócio, hoje responsáveis por quase 50% em valor sofreram boicotes além do que já estão encontrando. O acordo comercial com a União Europeia e outros em discussão serão engavetados”, revela sua preocupação, antes de culpar os governos anteriores pela grave situação do desmatamento na Amazônia.
“Finalmente, é importante lembrar que a situação atual é resultado de políticas equivocadas de governos anteriores, que entre 1997 e 2015 assentaram 600 mil famílias na região, além de incentivar outros milhares. Foram investidos bilhões de reais anualmente para chegar à situação atual, que não irá ter solução sem políticas e ações para resolver os problemas atuais”, escreve, sem citar que a devassa nas florestas registrou aumento de 51% entre janeiro e março em relação ao mesmo período de 2019, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Depois de dissertar sobre os índices de preservação das florestas e bater na tecla, vem o apelo: “Não basta regularizar, é necessário o fomento ao desenvolvimento local, à geração de renda e à melhoria da qualidade de vida da população amazônida, pautado na valorização dos produtos locais e remuneração pelos serviços ambientais prestados globalmente por este território, seja por meios de incremento no valor mínimo do produto ou por meio de instrumentos de mercado para pagamento dos serviços ambientais”. “É necessário desenvolver outros negócios sustentáveis na região”, argumenta o pedido.
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O destino da dinheirama é discriminado pelo pedido. Do total, 150 milhões de dólares seriam utilizados para regularizar os imóveis na região, mais de 45 mil propriedades no Cadastro Ambiental Rural (CAR), segundo o documento. Outros 64,5 milhões para fomentar o “aumento de oportunidades econômicas na região”, entre outras propostas, para conceder área de terras públicas para “exploração sustentável” da floresta e desenvolver assentamentos. Segundo a carta, os recursos seriam capazes de frear a degradação ambiental da região, por meio do desenvolvimento econômico. “Esse potencial pode ser medido pelo grau de acesso ao mercado, conectividade, conhecimento e experiência agrícola”, disserta Tereza Cristina e a Secretaria de Assuntos Econômicos Internacionais, lotada sob o guarda-chuva de Paulo Guedes.
No caso do AgroNordeste, o governo argumenta que os recursos seriam necessários para viabilizar ações de regularização fundiária e ambiental de propriedades e a consolidação de assentamentos da Reforma Agraria para “promover o desenvolvimento agropecuário do Nordeste, mediante o aumento da competitividade de cadeias e clusters produtivas promissoras com base em ações concentradas nos territórios selecionados”. Segundo o pedido, os recursos seriam destinados também a melhorar as condições sanitárias das atividades agropecuárias, especialmente para a produção de frutas na região. Da dinheirama, 107,5 milhões de dólares seriam utilizados para a regularização dos assentamentos, vista como fundamental pelo governo para conseguir punir os desmates ilegais a partir da dotação dos reais donos das terras.
Nos últimos meses, Tereza Cristina vem repetindo aos quatro cantos que não é necessário desmatar a Amazônia, e convocou seus auxiliares para realizar uma série de campanhas para mostrar a qualidade do agronegócio brasileiro — e o quão longe as produções estão das florestas. O vice-presidente Hamilton Mourão, que apinha o cargo com o de presidente do Conselho Amazônia, recebeu na semana passada os presidentes dos três maiores bancos do país e ouviu dos cabeças de Itaú, Bradesco e Santander a disposição para ajudar no périplo, em busca de uma melhora na imagem. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por sua vez, faz voto de silêncio. Isso tudo depois de os três arquitetarem, como mostrou VEJA, os planos para acalmar os ânimos de investidores estrangeiros com o intermédio do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.