Mesmo com mais de dois milhões de assinaturas, Janot enfrenta dificuldades em aprovar pacote de leis contra a corrupção

Posted On Domingo, 27 Novembro 2016 05:19
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Em entrevista a revista Época, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot tenta aprovar um pacote que envolve dez medidas contra a corrupção. Há nove meses do fim do segundo mandato, o Procurador-geral já reuniu mais de dois milhões de assinaturas em favor do Projeto de Lei, que precisa ser aprovada pelos parlamentares. Estes, em maioria envolvidos, citados, e investigados na Operação Lava Jato. Tais leis, caso aprovadas afetaria principalmente os políticos envolvidos nos em esquemas de corrupção.

 

Da Redação

 

ÉPOCA – No Congresso, alguns deputados dizem que o pacote das dez medidas contra a corrupção nada mais é do que um conjunto de medidas corporativistas e que fortalecem o Ministério Público...
Rodrigo Janot – 
O mundo inteiro está fortalecendo órgãos de controle, e esses instrumentos não são do Ministério Público contra políticos. Serão usados contra todos que cometerem crimes, inclusive integrantes do Ministério Público. O dia em que a gente criminalizar a política, a sociedade não terá futuro. Os grandes problemas são resolvidos pela política: saúde, educação, infraestrutura... Isso tudo é política. A política com P maiúsculo. Agora, a partir do momento que você tem políticos que usam a estrutura para cometer crimes, não posso dizer que estou criminalizando a política. Estou criminalizando o criminoso, seja ele político, empresário, integrante do Ministério Público, magistrado, jornalista...

ÉPOCA – Este Congresso com deputados investigados pela Operação Lava Jato tem legitimidade e independência para analisar as medidas?
Janot –
 Confio no Parlamento brasileiro. O parlamentar vive de voto e a base vai perguntar como ele se comporta. O parlamentar exerce um mandato. Então, acredito que o Parlamento será sensível aos milhares que votaram e apoiam essas medidas, reconhecidas internacionalmente no auxílio ao combate à corrupção e ao crime organizado.

"O Parlamento será sensível aos milhares que votaram e apoiam medidas contra corrupção"

ÉPOCA – Qual o impacto da proposta de anistia do caixa dois apresentada pelos parlamentares?
Janot –
 Isso é uma impropriedade. Uma lei penal, que institui um tipo penal novo, nunca retroage. Ela só retroage para beneficiar réus e acusados. Portanto, a instituição de crime não pode retroagir. Os crimes serão aqueles praticados de hoje – ou do dia da aprovação, da sanção da lei – em diante. Se a dita anistia se refere aos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato e evasão de divisas, isso pode ter reflexo, sim, em processos em curso e em processos já encerrados, porque a lei penal retroage para beneficiar, e nunca para prejudicar.

ÉPOCA – Como a inclusão do crime de responsabilidade para juízes e membros do Ministério Público pode afetar as investigações?
Janot –
 Muda tudo porque muda o Tribunal. É uma atuação técnica que terá julgamento político caso a proposta seja levada adiante. Isso não é bom. Soa estranho receber um julgamento político por um delito técnico. O Judiciário existe para isso e o Parlamento faz julgamentos políticos. Vai ter um recuo, com certeza, nas investigações. Qual a segurança que alguém vai ter para pedir uma prisão, uma busca e apreensão, de oferecer uma denúncia? Alguém pensou diferente de mim e vou ser julgado. Agora, toda a estrutura judiciária é exatamente isso: ponto, contraponto e o resultado final. Defesa, acusação e o resultado de um órgão imparcial.

ÉPOCA – Teria o mesmo impacto da lei de abuso de autoridade, proposta defendida pelo presidente do Senado, Renan Calheiros?
Janot – 
Hoje já existe uma lei de abuso de autoridade, que é de 1965. É muito antiga. É ruim. Todo mundo em sã consciência quer uma lei nova. A nova lei tem de ser atual e eficaz, e não uma que cria o chamado crime de hermenêutica [de interpretação]. Vou dar um exemplo: se ofereço uma denúncia e o juiz a rejeita, o que aconteceu foi uma divergência sobre a qualificação do fato hipoteticamente criminoso. Nesse caso [se a lei nova vingar], eu poderia ser acusado de crime de responsabilidade ou abuso de autoridade. 

ÉPOCA – O receio é que o Ministério Público fique acuado?
Janot – 
É. Como é que seria hoje se essa lei valesse? O Tribunal Regional Federal da 4a Região [com sede em Porto Alegre e jurisdição nos estados de Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná] absolveu duas pessoas que tinham sido condenadas pelo juiz Sergio Moro? Seria crime. É um crime de hermenêutica. Ele entendeu de uma maneira e o Tribunal de outra. Isso é absurdo. Não é possível. É uma castração química dos órgãos de controle. Quem é que vai se meter nisso? Na dúvida, não faço nada. Todo mundo quer uma lei de abuso de autoridade eficiente e moderna. Então, vamos discutir. Essa lei é antiga, não serve. Agora, o que é esse projeto que está no Senado e essa proposta que vem e vai da Câmara e ninguém vê o texto? Qual a razão da pressa de decidir isso? Vamos então fixar um prazo? Vamos discutir e formar um texto. Vamos apontar o que é e o que não é abuso de autoridade.

ÉPOCA – Outra crítica recorrente ao pacote é que ataca liberdades e garantias individuais, além de ignorar medidas na área de educação para o combate à corrupção.
Janot – 
Qual é a restrição de liberdade? Não tem restrição do direito de defesa. Para combater crime, você tem três vertentes: educação, prevenção e repressão. A gente está tratando de duas [prevenção e repressão]. É um investimento que tem de ter sim. Sem mudança de mentalidade e sem educação, a gente não reduz o índice de criminalidade. Não reduz mesmo. Agora esse é um investimento que tem de acontecer de médio para longo prazo. E até lá a gente não vai ter nada para reprimir e prevenir o que está acontecendo hoje?  Vamos começar a educar nossas crianças de hoje para o Brasil ser melhor daqui a 50 ou 60 anos e até lá salve geral? Tem de ter educação, tem de ter repressão e tem de ter prevenção. Não existe um país no mundo que não tenha repressão. Todos esses instrumentos das dez medidas existem nos países que são modelos e os quais miramos, países desenvolvidos, democráticos e que respeitam os direitos humanos. São baseados em tratados internacionais. Não estamos inventando nada.

ÉPOCA – Qual a expectativa para a próxima semana?
Janot – 
Estamos conversando. O relatório como foi apresentado é um avanço enorme. São instrumentos novos que são postos para o combate à corrupção e ao crime organizado. Não é só corrupção. Não há jabuticaba. Não existe coisa inventada. A grande maioria desses instrumentos consta de tratados internacionais que o Brasil subscreve. E eles têm um comando normativo para que isso seja incorporado às legislações internas. Ganhamos um tempo para que todos os envolvidos reflitam e decidam... Não com o fígado e nem com pressa.