Estudos de pesquisadores do Tony Blair Institute for Global Change indicam que o fenômeno do populismo que grassa ao redor do mundo é efetivamente tão ruim para as instituições democráticas quanto dizem seus detratores.
Por Fernando Dantas
Yascha Mounk, de Harvard, e Jordan Kyle, do Tony Blair Institute, fizeram uma seleção cuidadosa (com base em artigos das melhores revistas acadêmicas e opiniões de especialistas dos países e das regiões) de 46 líderes populistas que chegaram ao poder em 33 democracias entre 1990 e hoje. Com base nesse grupo, investigaram várias alegações que se fazem sobre governos populistas.
Mounk e Kyle classificam o governo de Jair Bolsonaro como populista.
A definição básica de populismo dos dois autores se baseia em duas características. A primeira é a visão de que elites e forasteiros (que podem ser imigrantes ou ter um sentido mais amplo) trabalham contra os interesses do “povo de verdade”, como escrevem os dois em recente artigo na The Atlantic.
O segundo ponto sustenta que, já que o líder populista é a voz do povo, nada deve frear a sua ação.
Há toda uma discussão sobre as diferentes características dos populismos de direita e de esquerda, e sobre se um é pior do que o outro. A julgar pelo estudo de Mounk e Kyle, ambos são deletérios, e o tipo de estrago que promovem nas instituições democráticas é similar.
Um primeiro problema identificado pelos pesquisadores com os líderes populistas é que eles costumam ficar no poder bem mais do que os não populistas e, quando saem do poder, muitas vezes é de forma traumática.
Seis anos após a primeira eleição, quatro em cinco governos não populistas já foram afastados do poder, enquanto a média de permanência no poder dos populista é de seis anos e meio. Há muito mais líderes populistas no poder por mais de dez anos do que não populistas. É cinco vezes mais provável que um populista esteja no poder 12 anos após a primeira eleição que um não populista.
Tudo isso poderia ser explicado pelo sucesso e popularidade dos populistas, mas chama a atenção que apenas 34% deles deixam o poder em eleições livre e justas ou porque não se recandidatam. Uma parcela de 23% sofreu impeachment ou renunciou e 30% ainda estão no poder – e metade destes há mais de nove anos.
Adicionalmente, metade dos líderes populistas modificou a Constituição de seus países para eliminar limites ao exercício da presidência ou reduzir os controles sobre o Poder Executivo.
A deterioração das instituições democráticas promovida pelos populistas afeta tipicamente a liberdade de imprensa e os direitos civis e políticos. Os autores detectaram uma piora de 7% na liberdade de imprensa e de 13% nos direitos políticos associada a governos populistas (com controles estatísticos adequados).
Tomando-se as notas sobre qualidade democrática do projeto Polity IV, Mounk e Kyle notam que, no grupo de países liderados por populistas, uma parcela de 23% caiu um ponto ou mais nesta classificação, ao passo que, entre os não populistas, apenas 6% tiveram estas quedas.
Os populistas também frequentemente chegam ao poder com um discurso de combate à corrupção, mas acabam muitas vezes envolvidos em escândalos tão ou mais graves do que aqueles que denunciaram. Da base de países com governo populista dos dois pesquisadores, 40% dos líderes acabaram indiciados por corrupção. Além disso, esses países tiveram, no período analisado, uma queda média de cinco posições no ranking de percepção de corrupção da Transparência Internacional. Alguns casos são extremos, como o da Venezuela, que caiu 83 posições no governo de Hugo Chávez.
Como líderes populistas supostamente lutam contra elites plutocráticas desligadas dos problemas do homem comum, é possível que alguns nutram a esperança de que algum bem possam fazer no seu avanço pelo mundo. Os dois autores, contudo, são céticos: “Na média, os governos populistas aprofundaram a corrupção, erodiram os direitos individuais e causaram sérios danos nas instituições democrática”.