Para parlamentares ouvidos pela reportagem, o texto como está, enviado por Bolsonaro pode criar ‘licença para matar’ durante operações
Por Tiago Angelo
O presidente Jair Bolsonaro enviou para o Congresso na última quinta-feira (21/11) um projeto de lei que amplia a excludente de ilicitude, mecanismo que estabelece a possibilidade de uma pessoa praticar ação que normalmente seria considerada criminosa. O objetivo é isentar militares das Forças Armadas de eventuais punições.
De acordo com a proposta, a ampliação é aplicável “aos militares em operação de Garantia da Lei e da Ordem e aos integrantes dos órgãos a que se refere o caput do artigo 144 da Constituição e da Força Nacional de Segurança Pública, quando em apoio a operações de Garantia da Lei e da Ordem”.
Os órgãos listados pelo artigo são Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícia Civil, Polícia Militar e Corpos de Bombeiros Militares.
Especialistas ouvidos pela ConJur afirmaram que a proposta, caso seja aprovada, coloca em risco a liberdade de manifestação e poderá estimular a violência.
Para Everton Moreira Seguro, especialista em Direito Penal do Peixoto & Cury Advogados, “já está prevista na legislação penal as hipóteses de legítima defesa e as excludentes de ilicitude, não havendo a necessidade de afrouxar a legislação aos militares e a todos agentes públicos que participarem de operações de garantia de lei e ordem”.
Ainda segundo ele, “com certeza, haveria um risco à liberdade de manifestação, já que os militares e agentes públicos teriam uma espécie de carta branca para não serem punidos pelo excesso na legítima defesa”.
Conrado Gontijo, doutor em direito penal pela USP e sócio do escritório Corrêa Gontijo Advogados, afirma que o projeto “é mais um absurdo” criado pelo governo.
“O texto é marcado por total falta de técnica legislativa, contém expressões vagas e serve, tão somente, para estimular a ação violenta (e, infelizmente, na maioria dos casos, já impune) das forças policiais”, diz.
O especialista também alerta para o risco à democracia, caso o PL siga adiante no Congresso. “O presidente privilegia a força à inteligência. A depender da situação, é possível que as excludentes sejam aplicadas em atos e manifestações políticas, o que indica a possibilidade de que coloquem em risco liberdades públicas essenciais ao regime democrático”, conclui.
Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em Direito Público Administrativo pela FGV, afirma que o PL vai ao encontro do artigo 142 e caput do artigo 144, da Constituição Federal, além dos dispositivos estabelecidos pela Lei complementar 97/1999, que versa sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas; do Decreto 3.897/2001, que fixa as diretrizes para o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem; e do Código Penal Militar.
“É importante ressaltar que o § 2º, do artigo 15º, da Lei Complementar 97 e o artigo 3º do Decreto 3.897 expressam claramente que as Forças Armadas somente atuarão para a garantia da lei e da ordem pública, de forma episódica e somente após esgotados os instrumentos previstos no artigo 144, da Carta Magna, incluindo-se aí, a Polícia Militar, objeto do presente projeto de lei”, diz Chemim.
A advogada também adverte para possíveis excessos da PM. “Não se pode olvidar o fato de que existe a possibilidade de algum policial militar extrapolar de sua atuação, ancorado em uma das hipóteses de excludente de ilicitude (legítima defesa) previstas no parágrafo único do artigo 2º, do referido projeto de lei”, destaca.