Por que a Alemanha tem uma taxa de mortalidade tão baixa de coronavírus

Posted On Segunda, 23 Março 2020 16:24
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"A situação é séria. E vocês precisam levá-la a sério. Desde a reunificação da Alemanha… Não, não. Desde a Segunda Guerra Mundial, não há em nosso país um desafio que dependerá tanto de nossa ação solidária conjunta."

 

Alejandro Millán Valencia BBC News Mundo

 

A declaração da chanceler alemã, Angela Merkel, no sábado (21) dá uma ideia da dimensão do impacto da pandemia de coronavírus que atinge quase todos os países do mundo.

 

Mas há algo que diferencia bastante o avanço da doença na Alemanha e que chama a atenção de especialistas e autoridades. O número conhecido popularmente como taxa de mortalidade, ou seja, o total de pessoas que morrem em relação ao total de infectados, é mais baixo do que em outros países.

 

A Alemanha é o quinto país em número de casos registrados (26.159 até a manhã de 23/03) e o nono em mortes (94). A título de comparação, a Espanha registrou 29.909 infectados e 1.813 mortes e o Brasil, 1.604 infectados e 25 mortos

 

Nesse caso, a taxa alemã seria de 0,35%, a espanhola, de 6% e a brasileira, de 1,55%.

 

O que explica essa discrepância? A resposta, segundo especialistas, passa por três pontos: a fase da pandemia em cada país, o volume de exames realizados para detectar pessoas infectadas e o perfil etário dessas pessoas.

 

Testes em massa

"Não podemos dizer com precisão por que a taxa de mortalidade na Alemanha é mais baixa, mas é importante lembrar que estamos em uma fase anterior da epidemia dentro do país", explicou à BBC News Mundo (serviço da BBC em espanhol) o Instituto Robert Koch de Virologia, responsável pela estratégia alemã de combate ao coronavírus.

 

Exames em nassa na Alemanha

 

 

"Mas é certo que temos recomendado, desde o momento em que tivemos ciência dessa emergência de saúde, ampliar o número de exames feitos na população e reduzir a possibilidade de contágio."

 

Para Jeremy Rossman, professor de virologia da Universidade de Kent, no Reino Unido, uma das chaves para explicar a baixa mortalidade na Alemanha pode ser o diagnóstico precoce, que evita a disseminação da doença.

 

"O caso alemão mostra que isso não é só uma boa estratégia como é um componente essencial na luta contra a pandemia."

 

Rossman cita o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, que defende que não é possível combater o vírus sem saber onde ele está. "E é exatamente isso que os exames fazem."

 

O especialista explica que a aplicação maciça de testes na população deve envolver mesmo as pessoas que apresentem sintomas leves.

 

Segundo um amplo estudo na China com dezenas de milhares de pessoas infectadas, cerca de 80% de pacientes confirmados positivos para o coronavírus tiveram sintomas leves ou moderados, 13,8%, severos e 4,7%, graves.

 

Tempo a favor

A Alemanha também teve tempo a seu favor, pois os primeiros casos foram detectados duas ou três semanas antes do que em alguns de seus países vizinhos, permitindo que as autoridades tomassem medidas para combater a pandemia.

 

Mas isso aconteceu antes mesmo da doença chegar ao país. O primeiro caso foi registrado na Alemanha em 27 de janeiro, mas o país já tinha criado um comitê permanente de vigilância em 6 de janeiro, apenas uma semana depois que a OMS recebeu um alerta da China sobre uma doença ainda misteriosa.

 

Foi naquele momento que os testes de detecção da doença se tornaram parte fundamental da estratégia alemã.

 

"O amplo escopo dos exames nos permitiu identificar a epidemia desde muito cedo e isso nos ajudou a trabalhar com ela", explicou Lothar H. Wieler, diretor do Instituto Robert Koch, em entrevista na semana passada.

 

Segundo o Instituto Koch, a Alemanha tem capacidade de realizar 160 mil exames por semana.

 

Na Itália, onde a pandemia tem sido mais devastadora (59.138 infectados e 5.475 mortos, taxa de 9,25%), foram realizados ao todo 150 mil testes até o dia 20/3. No Reino Unido, foram 50 mil e na Espanha, 30 mil.

 

Na Coreia do Sul, país citado como exemplo por especialistas em razão de sua capacidade de realizar testes entre a população, são realizados cerca de 70 mil exames por semana. No país asiático, há 8.961 infectados e 111 mortes (taxa de 1,23%)

 

Jovens e adultos com menos de 50 anos

Outro fator que influencia a baixa taxa de mortalidade pelo novo coronavírus na Alemanha é que uma grande parte dos infectados são pessoas jovens, que não sofrem tanto os efeitos da doença quanto os idosos.

 

Muitos nem chegam a apresentar sintomas. Na Alemanha, mais de 70% das pessoas identificadas com o vírus têm entre 20 e 50 anos.

 

Por outro lado, na Itália, o segundo país com a população mais velha do mundo (atrás do Japão), a idade de média dos diagnosticados com o novo coronavírus é de 66 anos, e 58% têm mais de 60 anos.

 

 

 

 

Alguns especialistas afirmam ser possível que, no momento em que o vírus atingir a população mais velha na Alemanha, a taxa de mortalidade no país também aumente.

 

No amplo estudo realizado na China, a taxa de mortalidade identificada variava de acordo com a faixa etária: 0,2% para pessoas com até 39 anos, 3,6% para quem estava na faixa dos 60 anos e 8%, para as pessoas entre 70 e 79 anos.

 

Vale lembrar também que existe um descompasso entre o número de infectados e o número de mortos, já que uma pessoa pode levar até 14 dias para apresentar sintomas e, caso seu quadro de saúde piore até o óbito, ficar outras três ou quatro semanas internada até morrer.

 

Detecção precoce

A identificação precoce dos infectados na Alemanha também permitiu colocar em quarentena aqueles que representavam um risco a mais para a disseminação do vírus.

 

No domingo (22), a própria Angela Merkel se colocou em autoisolamento domiciliar depois que um médico, que a vacinara contra um outro vírus, foi diagnosticado com o coronavírus.

 

 

Merkel, que tem 65 anos, será submetida a exames regularmente nos próximos dias. Enquanto isso, trabalhará de casa.

 

Na Alemanha, todos aqueles que apresentam sintomas ou tiveram contato com alguém diagnosticado com a doença ou alguém procedente das chamadas "zonas vermelhas" (como a Itália e a província chinesa de Hubei) podem ser submetidos aos testes.

 

Outra medida das autoridades sanitárias alemãs também teve um impacto positivo nos números até o momento.

 

Segundo especialistas, quando surgiu o primeiro caso, o país agiu rapidamente e conseguiu identificar o paciente zero, um jovem infectado por uma cidadã chinesa que havia visitado a região alemã da Bavária e não havia apresentado nenhum sintoma ao longo de sua estadia no país.

 

Além das medidas sanitárias que têm surtido efeito até o momento, o governo de Merkel decidiu também ampliar as medidas de distanciamento social. Não são mais permitidas, por exemplo, reuniões públicas de mais de duas pessoas, a não ser que sejam membros da mesma família ou seja uma reunião de trabalho.

 

Foi determinado também o fechamento do comércio considerado não essencial e o funcionamento de restaurantes apenas na modalidade de entrega a domicílio.

 

'Tudo pode mudar a qualquer momento'

Outro aspecto ressaltado por autoridades globais de saúde é o sistema de saúde pública da Alemanha, maior economia europeia.

 

O país tem uma das maiores taxas de leitos hospitalares por habitante do mundo, sendo o quarto entre os 40 países que integram a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), conhecida como clube dos países ricos.

 

A Alemanha tem 8 vagas para cada 1.000 habitantes, ante as 3,2 na Itália, a maior concentração de hospitais na Europa (1.900 para 82 milhões de habitantes) e 28 mil leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

 

 

Mas mesmo o governo e o Instituto Koch admitem que esse números não garantem que a doença não causará estragos no sistema nacional de saúde.

 

"A amplitude dos diagnósticos nos permitiu entender que será uma crise que levará muito tempo para ser resolvida, porque é uma doença que não possui vacina e causará muito mais mortes", disse Merieke Degen, porta-voz do Instituto Koch.

 

O líder da sigla social-democrata no Parlamento alemão, Karl Lauterbach, alertou que, se não forem adotadas medidas para impedir a propagação do vírus e exigir maior distanciamento social, "a vantagem que adquirimos por meio de uma boa gestão no início da crise poderá ser perdida rapidamente na próxima fase."

 

Nesse sentido, Rossman, da Universidade de Kent, ressalta que, embora os exames possam ser caros, o exemplo alemão de exame gratuito para os cidadãos deve ser seguido globalmente, pois pode ajudar a minimizar os efeitos negativos da pandemia na economia.

 

"Os testes não são baratos ou fáceis de serem realizados em larga escala. Mas os custos socioeconômicos do fechamento de empresas também são amplos e se tornam mais relevantes à medida que esse processo avança", afirmou o acadêmico.

 

"E, em comparação, os custos da realização de diagnósticos estão diminuindo depois que a capacidade de fabricação e a infraestrutura desses testes foram aumentadas", acrescentou.

 

Questionamentos à abordagem alemã

Os números sobre coronavírus divulgados pelo governo alemão não geraram apenas elogios ou hipóteses. Há críticas além de suas fronteiras, especialmente entre políticos da Itália.

 

Dois parlamentares europeus do grupo de direita Irmãos de Itália enviaram uma carta ao Parlamento Europeu perguntando se os alemães estavam "imunes" ao coronavírus e exigindo que fosse estabelecido um protocolo para a contagem na notificação de mortes por covid-19.

 

"Suspeita-se que as pessoas na Alemanha estejam ficando doentes e morrendo de covid-19, mas que as autoridades alemãs não sabem ou não dizem isso", dizia a carta.

 

Questionado sobre a acusação, o Instituto Koch disse à BBC Mundo que as contagens atendem a todos os padrões estabelecidos pela OMS.

 

"Mesmo com a suspeita de morte por coronavírus, também são feitos testes post-mortem", responderam.

 

O que muitos especialistas concordam é que, nos próximos dias e semanas, a taxa de mortalidade por coronavírus pode aumentar na Alemanha, à medida que a pandemia progride ao longo do tempo (aqueles que morrem do vírus entre duas e três semanas depois de contrraírem o vírus) e o avanço do número de infecções entre a população idosa.