Por Rafael Neves
A decisão do Conselho Nacional de Justiça de condenar o juiz federal Marcelo Bretas à aposentadoria compulsória, nesta terça-feira (3/6), desmascarou o modelo de juiz ideal que foi criado na finada “lava jato” e soou como uma resposta das instituições aos autoritarismos da autointitulada força-tarefa. Essa é a avaliação de advogados entrevistados pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre a punição aplicada pelo CNJ.
“O lavajatismo criou um arquétipo degenerado sobre o que seria a conduta ideal de juízes”, afirma o constitucionalista Georges Abboud. “Juízes iguais a Moro e Bretas representam essencialmente o julgador parcial e ativista. Nesse sentido, a decisão do CNJ simboliza uma resposta institucional em relação a essas arbitrariedades para demonstrar que o Judiciário não será receptivo a novas posturas desse jaez”.
Bretas foi julgado em três processos disciplinares por condutas praticadas na ‘lava jato’ no Rio de Janeiro. Segundo os conselheiros, que condenaram Bretas por unanimidade, o magistrado tentou negociar penas e direcionar um acordo de colaboração premiada, fez pressão contra investigados e buscou interferir nas eleições de 2018.
“A mensagem que o CNJ passou para a população é a de que não se pode tolerar o arbítrio e a prepotência. A condenação do juiz Bretas revela o repúdio ao arbítrio. Portanto, merece aplauso o CNJ pela sua decisão”, elogia o criminalista Alberto Toron.
Para o constitucionalista Pedro Serrano, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a decisão de punir Bretas com a pena mais rigorosa é um sinal da gravidade dos abusos que foram verificados. “Não conheço o processo disciplinar em detalhes, mas realmente foram feitas imputações graves ao juiz. O CNJ avaliou que ele praticou irregularidades muito graves e precisa ser sancionado. Não podemos conviver com isso na magistratura”, afirma o jurista.
A defesa de Bretas argumentou, em sustentação oral, que não há prova de beneficiamento, conluio ou dolo por parte do juiz. “Ainda que gere condenação, nem de longe poderia gerar aposentadoria compulsória”, sustentou a advogada Ana Luísa Vogado de Oliveira, que representou o magistrado.
Punição premiada
O CNJ já havia afastado Bretas de suas funções desde fevereiro de 2023, quando tiveram início os processos disciplinares. A punição decretada agora, que é a aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de contribuição, renovou críticas sobre a efetividade dessa medida. Para Lenio Streck, constitucionalista e colunista da ConJur, a condenação representa uma derrota da “lava jato”, mas Bretas sai premiado.
“A aposentadoria compulsória é uma jabuticaba brasileira. Típica do patrimonialismo. Raymundo Faoro, ao escrever ‘Os donos do Poder’, tinha toda a razão. Precisamos corrigir essas anomalias legislativas que premiam mal feitos”, critica.
Não é desestímulo
O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do CNJ, se disse preocupado com a repercussão do julgamento perante a magistratura. Para ele, ficaram claros os desvios de conduta de Bretas, mas a condenação não pode desencorajar os juízes que atuam em processos sobre corrupção.
“Eu mesmo, como regra geral, sou muito cuidadoso em punir juiz por ato jurisdicional. Mas, aqui, todo o contexto faz parecer que havia um esquema extrajudicial armado em torno de produzir um determinado resultado e de prejudicar pessoas e políticos. Eu falo isso com muito pesar, porque é preciso que a magistratura não interprete uma decisão como essa como um desestímulo aos juízes que corajosamente, destemidamente, enfrentam a corrupção no país”, declarou.
Para o juiz federal Eduardo Appio, que chegou a conduzir os processos da ‘lava jato’ no Paraná, a medida do CNJ contra Bretas não é revanchismo, porque a conduta do magistrado merece reprimenda. “A sua aposentadoria compulsória não repara tudo o fez. O golpismo se nutre deste tipo de cultura de impunidade. Ele, Dallagnol e Moro continuam atacando o STF todos os dias”, declarou.