Em prisão domiciliar por ameaças ao STF, ele está, em tese, inelegível em razão de sua condenação a sete anos de cadeia no processo do mensalão do PT
Por Sérgio Quintella
O município fluminense de Comendador Levy Gasparian, com apenas 8 500 habitantes e localizado no meio do caminho entre Petrópolis (RJ) e Juiz de Fora (MG), tem um candidato a presidente da República para chamar de seu. E que, ao menos por ora, tem que ficar por lá. Sem poder sair de casa devido a medidas cautelares impostas pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do inquérito que apura a existência de uma organização criminosa digital que ataca magistrados e instituições, o ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB) anunciou de forma virtual, durante a convenção de seu partido, no dia 1º de agosto, a intenção de disputar o pleito presidencial. A candidatura surpreendeu até aliados, irritou o presidente Jair Bolsonaro (PL) e, a curto prazo, deve tumultuar o processo eleitoral.
Por ironia, Jefferson entrou no alvo da Justiça por excesso de devoção a Bolsonaro — foi para defendê-lo que gravou vídeos empunhando armas e pedindo o fechamento do STF em 2021. Acabou preso em agosto do ano passado e ficou atrás das grades até janeiro de 2022, quando Moraes permitiu que fosse para a prisão domiciliar. O lançamento de sua candidatura agora também foi para ajudar o presidente, que, no entanto, não gostou, porque perdeu o apoio de uma legenda com tempo de TV (os minutos de cada partido ainda serão definidos) e ficou sem os palanques estaduais petebistas. A adesão do PTB era importante porque a aliança governista tem o apoio de apenas três legendas: PP, Republicanos e PL, a trinca que forma o Centrão. Em vídeo de treze minutos, Jefferson afirma que a candidatura visa a não deixar o presidente isolado, um “leão solitário contra uma alcateia”. “Enquanto a esquerda se apresenta como um polvo, com vários tentáculos, na forma de múltiplas candidaturas, preenchendo todos os nichos do eleitorado, o candidato de direita é desconstruído. A nossa ação não confronta Bolsonaro”, diz.
A sua postulação presidencial, no entanto, tem tudo para ser um voo curto porque ela pode não confrontar Bolsonaro, como ele diz, mas afronta a lei. Em tese, Jefferson está inelegível em razão de sua condenação a sete anos de cadeia no processo do mensalão do PT, do qual foi o principal delator. A Lei da Ficha Limpa estabelece oito anos de inelegibilidade a partir do término do cumprimento da pena. Jefferson acha que não pode ser alcançado pela restrição porque recebeu do STF em 2016 o perdão da pena, com base no indulto de Natal assinado pela então presidente Dilma Rousseff. Para especialistas, no entanto, o indulto não extingue a inelegibilidade. Esse entendimento também já foi externado por Moraes, que presidirá o Tribunal Superior Eleitoral, ao se manifestar sobre a situação do deputado Daniel Silveira, também do PTB, que foi indultado por Bolsonaro. A lei, no entanto, permite a Jefferson fazer o registro da sua candidatura — depois, caberá ao colegiado presidido por Moraes decidir, até 12 de setembro, se indefere ou não a sua postulação.
Até lá é certo que haverá espaço para muita confusão, já que Jefferson poderá ser considerado candidato, com direito a pedir votos ao eleitor. Como o presidenciável não pode sair às ruas, o PTB aposta no trabalho dos militantes e no empenho dos demais candidatos do partido, além, é claro, do horário eleitoral no rádio e na TV, que começa em 26 de agosto. A despeito de não haver impedimentos legais para candidaturas de pessoas presas preventivamente (há diversos casos no Brasil de políticos que disputaram campanhas da cadeia e tomaram posse até por videoconferência), as comunicações com o mundo exterior, independentemente do regime de prisão, são automaticamente proibidas. Depende da avaliação do juiz penal a autorização para gravações de vídeos de campanha ou entrevistas.
Há outras limitações impostas ao candidato-presidiário. Ele não pode usar redes sociais, nem receber visitas sem aviso prévio (exceto familiares de primeiro grau) ou ter contato com outros investigados no mesmo inquérito. Existem sinais de que nem tudo está sendo cumprido à risca. Na última semana, Moraes pediu que a Polícia Federal periciasse um áudio enviado pelo ex-deputado a políticos gaúchos. Além disso, o ministro quer saber por que Jefferson ficou um dia inteiro, em 28 de julho, sem tornozeleira eletrônica.
A candidatura de Jefferson — preso e isolado politicamente — é um momento melancólico na história do PTB. Criado por Getúlio Vargas em 1945, o partido foi extinto em 1965 pela ditadura e recriado em 1981. Desde a redemocratização, participou de todos os governos até a gestão de Michel Temer, quando comandava o importante Ministério do Trabalho. De lá para cá, trocou o trabalhismo por um confuso nacionalismo conservador, de direita, bastante identificado com o bolsonarismo. Reflexo dos bons tempos, a sigla ainda tem 1,1 milhão de filiados, a sétima melhor marca entre os partidos brasileiros. Mas com apenas três deputados na Câmara e status de nanico, ela precisará de muito esforço para vender em cadeia nacional como saída para o país a eleição de um político que está na prisão.
Publicado em VEJA de 17 de agosto de 2022, edição nº 2802